Fui acordado pelo Leo pouco mais de uma hora depois. O sol já no limite do oeste começava o seu percurso para o leste. A claridade ardeu nos olhos ainda cansados e pesados por causa da noite passada. Foi uma hora de sono, mas pareceu ter sido dez segundos. Pisquei e já deu a hora de acordar.O raciocínio estava lento e os sentidos entorpecidos. Cingido por um mau humor lúgubre e uma fome devastadora fui me arrastando atrás do Leo enroscado em minha capa. Quase descubro uma maneira de andar e dormir ao mesmo tempo.
O corpo pesava uma montanha e os pés doíam por carregar um fardo maior que pudesse suportar. Será que esse é o resultado de ter potencializado o corpo por tanto tempo?, concluí, ainda lembrando de como fui sobrepujado pelas emoções.
"O uso descuidado desta fonte de energia pode causar até mesmo a morte do usuário." O peso das palavras de papai caindo com força sobre os meus ombros.
— Você está bem? — perguntou Leo ao parar de frente pra mim.
— Sim! — menti. Eu estava acabado.
— Me espera aqui. Dentro de trinta minutos retornarei — disse e partiu em direção à cidade.
Nem perguntei o que ele pretendia fazer, tão desorientado que estava.
Senti-me desconsoladamente só naquele momento. A mente viajou longe pensando em meu pai. Será que ele está bem? Será que ele conseguiu sair vivo daquela batalha? Esforcei-me a crer que sim, mesmo sabendo que todas as probabilidades eram contrárias. Lutando para conter o ímpeto dos pensamentos negativos, fui assaltado pela memória do casulo ao pé da árvore. Minha mãe estava dentro dele e eu a deixei... Eu a abandonei... Não, eu não a abandonei, eu OS abandonei a ambos!
Um sentimento de culpa começou a emergir. Sentei-me no chão, um pouco afastado da entrada da cidade, lutando contra os próprios pensamentos durante algum tempo. Descobri ser um inimigo terrível de mim mesmo.
Ainda enquanto estava em minha batalha interna fui surpreendido pela aproximação de um cavalo, que trotava em ritmo moderado em minha direção.
Com a mão escondida dentro da capa imediatamente segurei firme a espada pelo cabo. Montado no cavalo vinha uma silhueta encapuzada. Não consegui ver o rosto até que o cavaleiro se aproximasse o suficiente.
— Quer me matar de susto?
Leo abriu um sorriso custoso e estendeu a mão para frente.
— Onde você... Quer dizer, como você arrumou esse cavalo? — perguntei.
— Esse bonitão aqui me custou uma boa prosa e quatrocentos pardais. — Leo deu três tapinhas no pescoço do animal e depois apeou.
Não é preciso dizer que fiquei impressionado. Membros torneados, crina grossa, olhos expressivos, cabeça ligeiramente convexa e cernelha pouco destacada. Era um crioulo, um belo animal. Bem resistente para viagem. A pelagem marrom bem escovada e sem carrapichos revelava bons tratos. O porte era pequeno para cavalgada a dois, mas, como diz o ditado um burro vivo é melhor que um cavalo morto. Neste caso, tínhamos o cavalo vivo. Ou metade dele.
— De onde você tirou todo esse dinheiro?
Ele abriu a capa e mostrou a cintura. Estava sem sua espada.
— Você...
— É impressionante como uma boa história pode valorizar ainda mais um objeto — afirmou interrompendo-me. Leo puxou uma sacola de dentro da capa e de dentro dela um pedaço de pão. — Vamos, coma isso.
Aceitei sem hesitação e devorei tudo em meia bocada, enquanto ele me dirigia um olhar paternal. Senti-me estranhamente aquecido por aquele gesto. A sensação de solidão fora dissipada como nuvem espalhada pelo vento.
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O Descendente de Anur - Usuário do Fogo
Fantasia#1 Lugar em Fantasia em Os Tops do Ano 2017 Balrók, o Caçador, montado em seu leão de fogo juntamente com mais sete cavaleiros negros invadem o pequeno vilarejo de Nanduque em busca de um grupo de rebeldes fugitivos. Um comerciante local, o tapeceir...