Desafio

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Ao entrar em casa, Tautos e papai estavam sentados à mesa, enquanto mamãe servia-lhes leite fresco em uma caneca de madeira. Assim que entrei, ouvi meu pai dizer:

- Você acha que ele foi assassinado? - Pousou um dos cotovelos na mesa, enquanto cofiava vagarosamente sua barba escura com pequenos fios grisalhos.

- Ainda não sabemos muita coisa, mas é muito provável que sim - disse o homem corpulento ao baixar a caneca vazia, deixando aparecer os bigodes com as pontas brancas de leite. - Talvez tenha alguma relação com o príncipe - continuou e limpou a boca com as costas da mão.

Papai carregou levemente o sobrolho, coçou a cabeça como se não compreendesse o que Tautos queria dizer, então fez sinal para que o homem prosseguisse.

- O príncipe Euren completara duas décadas de vida há pouco mais de meia quinzena e isso quer dizer que ele...- Tautos deixou as palavras morrerem antes de concluir a frase compreendendo que o homem de expressão séria e marcada pelo tempo já tivesse entendido a referência.

- Entendo - Papai assentiu depois de alguns segundos. - Isso quer dizer que o príncipe receberá o poder máximo da Pedra do Poder da Terra justamente ao completar a idade plena ­- argumentou espremendo os lábios e cerrando o cenho. - Ora, ora, mas quanta coincidência. Não?

- Mainz, não me admira em nada os ardis de Tarus - disse Tautos dando uma tapinha de leve na ponta do nariz com o polegar direito. - Fato é que com isso, além de fortalecer sua força bélica tendo o controle do guardião da Pedra da Terra, Tarus também elevará sua influência política, sobretudo, em AzToren, único dos quatro reinos de Toren que tem resistido o império até os dias de hoje.

- Já posso até ver o grande evento quando ele o apresentar perante o povo - arrazoou papai ao passar a mão direita sobre a testa com feição exasperada.

- Príncipe Euren, filho de Gauren, legítimo herdeiro do Trono de Pedra, Rei da Nação da Terra e também agora Protegido do Grande Tarus, Imperador de Hazentur e dos Quatro Reinos, Senhor do Leste, Guardião do Fogo - silvou o homem de aspecto ursino com o peito estufado. - Quem sabe até seja capaz de conquistar os aztoreanos que ainda carregavam dúvidas sobre o império já que poucos conhecem a verdade sobre o real motivo da aliança entre Gauren e Tarus.

Ao ouvir isso, papai se empertigou na cadeira e começou a mordiscar os lábios demonstrando certa tensão.

- Isso explicaria o motivo de ele ter mantido o Rei Gauren prisioneiro por tanto tempo. Euren jamais seria capaz de extrair o total potencial da pedra sem o conhecimento das técnicas que apenas seu pai sabia. E mais - continuou o meu pai, com tom austero -, o príncipe Euren fora criado em cativeiro, sem jamais ultrapassar os muros da cidade. Convivendo apenas com pessoas permitidas e minuciosamente selecionadas por Tarus, não é de se admirar que o garoto lhe preste tributos e concorde em participar de seus planos.

- Ele nunca soube o que realmente acontecera a seu pai - resmungou Tautos, com a voz tremula, beirando o desamparo. - Mas, se... - hesitou. - Se de alguma forma ele soubesse a verdade, talvez a realidade poderia ser outra.

- Poucos sabem o que de fato aconteceu, Tautos - Papai falou e então fez um breve silêncio. Em seguida ele deixou o olhar cair aparentando desolação. - O pior de tudo é saber que no momento, não podemos fazer nada em relação a isso.

Tio Tautos abaixou a cabeça e começou a rodar a caneca de madeira entre os dedos.

- E não é só isso. Dizem que uma sombra assenta-se sobre o Castelo Vermelho trazendo escuridão por toda a capital do império - continuou, arregalando bem os olhos, irrequieto, direcionando-os ao meu pai. - Alguns acreditam que o imperador tem se aconselhado com um antigo espírito caído, um errante sem corpo amaldiçoado por Goldor em eras passadas.

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora