Inquieto

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Meia quinzena se passou.

Não encontrei o Leo neste período, pois ele havia viajado com seu pai.

Tio Tautos também tinha partido na manhã seguinte ao dia dos contos.

Durante os dias que se seguiram, tentei agir o mais naturalmente possível.

Talvez eu não tenha tido tanto êxito nesta tarefa.

— Está errado! — Minha mãe disse olhando-me nos olhos. Com as sobrancelhas levemente carregadas ela demonstrava ar de surpresa. — Veja, a conclusão não segue a lógica da primeira premissa. Aliás, não há qualquer conexão entre as três proposições declarativas — falou com sua voz suave em tom moderado e levantou a folha com a mão direita.

Eu tentei me concentrar e entender onde estava o erro olhando para a folha, mas minha mente me traía consistentemente.

— Aqui — Ela indicou com o dedo uma parte do texto. — A argumentação está incoerente. Não há ligação lógica entre a premissa maior e a afirmação final. A inferência da dedução não interliga as declarações antecedentes, logo, toda a construção do raciocínio está constituído de forma equivocada — concluiu e colocou a folha sobre a mesa.

— Ahhh... — Concordei sem entender bulhufas do que ela estava dizendo.

— Você não entendeu nada, não é mesmo? — Mamãe jogou o rosto levemente de lado e esticou o canto da boca.

Eu passei a mão direita sobre o rosto começando na testa e terminando no queixo enquanto respirava fundo.

Balancei a cabeça.

— O que está acontecendo com você, Rav? — perguntou com ternura.

Nada de mais... Só estou assim porque descobri que meu pai é um assassino!

— Nada... Por quê? — Fingi naturalidade na voz.

— Tenho achado você muito calado nestes últimos dias. Sem mencionar a falta de concentração — falou e mordiscou os lábios vermelhos.

Ela se apoiou sobre o cotovelo esquerdo e com a mão direita tirou o cabelo do rosto.

Eu apenas comprimi os lábios e balancei a cabeça em negação.

— Eu conheço você, meu filho! — argumentou.

Mamãe avançou com a mão direita e segurou a minha mão esquerda sobre a mesa.

Sua mão quente e delicada envolveu meus dedos em um suave carinho.

Eu abaixei a cabeça deixando o olhar cair enquanto soltava a respiração vagarosamente.

— Algo o incomoda — afirmou e levou a mão até meu queixo. Então, levantou minha cabeça até ficar na mesma altura da dela. — Conte-me...

A porta da sala rangeu interrompendo-nos ao abrir revelando uma silhueta contornada pela claridade do dia.

— Ravel — disse papai logo que passou pela porta. — Assim que terminar com sua mãe, me encontre na grande pedra.

— Mas e os animais? — objetei surpreso.

— Eu já os alimentei. Quero começar mais cedo hoje. Iniciaremos uma nova fase em seu treinamento — falou e saiu novamente deixando-me a sós com mamãe.

Uma nova fase em meu treinamento?

Senti uma pontada gelada no estômago.

Mamãe continuava me encarando com ternura.

— Você está assim por causa do que aconteceu no retorno de Doran, não é mesmo? — Minha mãe perguntou-me olhando fixamente em meus olhos.

Eu não entendi muito bem a pergunta, ainda pensando sobre como encararia o meu pai depois de tudo o que estava sabendo.

— Rav, eu sei que algo o inquieta. Minha sugestão é que seja sobre o keer, estou certa?

O assunto me pegou de surpresa.

Fiquei sem reação.

Ainda era um campo bastante incômodo para mim, pois a primeira vez que ouvi a respeito do keer foi na mesma ocasião em que soube do assassinato da rainha. Os assuntos ainda estavam muito interligados para mim.

Novamente toda a questão borbulhou em minha mente lançando-me ainda mais fundo no mar da inquietação.

Não era exatamente por causa do keer que eu estava preocupado, então, talvez seria uma boa ideia usar esse assunto como justificativa para minha chateação, já que tanto minha mãe como meu pai jamais falaram algo sobre o assunto.

— E o que é exatamente o Geer? — perguntei tentando me fazer de desentendido.

E de fato estava. Leo falou algo sobre isso no caminho para Doran, mas eu não tinha ideia alguma sobre seu real significado.

Keer — mamãe repetiu abrindo um sorriso. — Você se lembra de quando seu pai foi atacado pela adaga?

— Sim! — respondi prontamente. — Parece que a parte de metal desintegrou-se completamente, não foi?

Mamãe acenou com a cabeça positivamente

— Então isso é o Keer? Quer dizer... Desintegrar as coisas? — questionei ainda sem entender.

— Sim... — ela disse e franziu a testa fazendo uma expressão engraçada — Ou melhor... Não! — exclamou em correção e abriu um sorriso.

— Então o que é? — indaguei fazendo minha melhor expressão de curiosidade.

O assunto de fato me animou. Eu sempre tive uma queda pelo novo.

— Na verdade — falou e iluminou a face —, Keer é muito mais do que isso. Keer é o centro de tudo, o equilíbrio de toda a criação. — Ela abriu os braços. — É a energia primordial que mantém o ciclo da existência, o elo que liga tudo e todos — declarou e uniu as duas palmas das mãos com força como se fosse realizar uma prece. Fez um breve silêncio e depois prosseguiu: — É a partícula do Criador! — concluiu com os olhos brilhando.

Eu fiquei impressionado, não pela explicação em si, mas pelo entusiasmo das palavras de minha mãe.

Ao falar sobre o keer, sua expressão se irradiava. Pude perceber a grandeza do assunto através da importância que ela lhe conferia.

— Mas não se preocupe — falou e estendeu as palmas das mãos para frente ao notar minha total falta de entendimento —, seu pai irá lhe explicar tudo — concluiu e deslizou os lábios num sorriso alvo.

Eu abri as palmas das mãos como se ainda não entendesse e então ela explicou.

— Sabe — Ela disse e encostou no apoio da cadeira deixando as costas eretas —, eu conversei com seu pai sobre o que aconteceu e decidimos que já está na hora de você aprender sobre o keer.

— Quer dizer que eu vou...

— Uhum... — afirmou ela antes que eu concluísse.

—... aprender?

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora