O Vale do Precipício

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Com revelado entusiasmo, a velha senhora se dirigiu até a porta. Deixei que ela me conduzisse pelo braço. Embora fosse uma torenkai, Jared não era tão monstruosamente grande quanto os outros. Seu corpo nem tão roliço avançou ligeiramente pelas ruas em passadas largas.

Minhas pernas enferrujadas e entrevadas custaram a acompanhar o ritmo da velha torenkai, que saia cortando habilmente as ruelas e esquinas da grandiosa cidade.

Foi inevitável perceber a quantidade de olhos me encarando com frieza. Todas as pessoas com as quais os meus olhos se encontravam fechavam suas caras numa carranca de arrepiar os cabelos da espinha.

Jared parecia não ligar para a hostilidade direcionada ao seu convidado e continuou serpenteando pelas ruas como se nada acontecesse. Ela nos conduziu até uma árvore gigantesca da qual o caule era todo contornado por um espiral de escadas que subia e descia pelo tronco em direção às outras camadas da cidade.

Descemos em inúmeras voltas até a minha cabeça começar a girar desnorteada, e então, chegamos ao chão de terra batida a algumas dezenas de metros abaixo. Fui tomado de vertigem ao olhar para cima e contemplar a grandiosidade da Cidade das Árvores. Jared se divertia ao observar o meu espanto.

Caminhamos apressadamente contornando o extenso exército de madeira roliça, que se erguia da terra como uma tropa enfileirada no campo de batalha. Continuamos avançando sem diminuir o ritmo até eu começar a sentir os frisos de suor escorrendo pela testa e costas. Como uma velha pode ser tão rápida?, questionei em pensamento, ofegante demais para fazê-lo em palavras verbalizadas.

Alcançamos uma planície verde com a relva rasteira. Ao olhar para frente observei a silhueta de enormes montanhas que percorriam o horizonte de uma extremidade a outra em uma linha sinuosa delineando a aglomeração de emes gigantes. Entre a campina e as montanhas uma pequena floresta se projetou a frente.

Sem hesitar, Jared invadiu o jângal ignorando completamente a mata bruta que se opunha à frente. Prosseguimos em compasso mais moderado devido à obstrução da mata fechada. Para a minha tristeza, a marcha aumentou consideravelmente quando acessamos aquilo que parecia ser uma trilha escondida.

Continuamos na picada por alguns minutos sem parar. Eu já estava ansioso por saber para onde estava sendo levado...

— Já estamos chegando — revelou a mulher com desmedido entusiasmo. Minhas roupas cheias de picão, sem mencionar a quantidade de mato que eu havia engolido.

De súbito, Jared parou diante de uma cortina verde onde encerrava a trilha. Ela olhou para mim com o rosto iluminado e estendeu sua mão fazendo menção para que eu avançasse adiante.

— Vamos — disse em pura vibração.

Desconfiadamente segui em frente como pedira. Com ambas as mãos arranquei os fios de capim verde da frente como se abrisse uma cortina e fiquei extasiado com o que meus olhos contemplaram.

— Uau — falei, completamente arrebatado.

— Eu sabia que você iria ficar impressionado — comentou ela.

O cenário deslumbrante deixou-me sem ar. Uma prainha de areia branca e macia esticava-se até uma lagoa com nuances em um azul cristalino. Do outro lado do lago inúmeras quedas d'água precipitavam de pequenas aberturas nas montanhas rochosas. As cachoeiras pareciam perfeitamente enfileiradas como se dezenas de garrafas entornadas fossem minuciosamente alinhadas por mãos gigantes.

O choque das águas ao cair de encontro com o lago borrifava alto criando uma espécie de chafariz natural. Milhares de gotículas viajavam dispersos num chuvisco refrescante salpicando o lago com inúmeros pontinhos dos quais se espalhavan diversas ondas minúsculas.

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora