Confusão

769 155 197
                                    

Subitamente, ainda enquanto ríamos, um grupo de homens se aproximou da nossa mesa de surpresa. Um deles bateu com a palma da mão na superfície de madeira que deu um estalo fazendo pular nossos copos e os demais utensílios, dissipando de uma vez os risos.

— Cês tão tirando uma com a cara do Ded? — disse o homem espumando feito um cão raivoso.

Ao todo eles eram três. O que batera na mesa e fizera a pergunta era o que estava no meio. Ele era alto, espadaúdo e de aparência rude, com olhos profundos castanho-claros, semelhante à cor dos cabelos. Seu tronco e pescoço eram relativamente largos e as mãos tinham os nós dos dedos bastante sobressaltados.

Usava um conjunto de peças de couro desbotado como uma espécie de armadura com um facão dependurado no lado esquerdo da cintura. Escapando pelo ombro direito, havia um cabo grosso de madeira escura que parecia ser a empunhadura de uma espada. Os outros usavam vestes parecidas, com poucos detalhes diferentes, a não ser pelo arco preso às costas do da direita e pela espada presa à bainha na cintura do da esquerda.

Todos tomamos um susto ao ver a aparência horripilante daqueles homens e a forma como nos abordaram.

— Como? — Papai falou e se empertigou na cadeira.

— Não me façam de trouxa — continuou o homem do facão. — Eu vi que cês tão zoando com a cara do Ded.

Papai estendeu as palmas das mãos para frente e em seguida se escusou da acusação.

— Deve estar havendo um engano — argumentou papai com serenidade. — Nós nem se quer sabemos quem é esse tal de Bed.

— É Ded! — esbravejou o homem.

— Bed, Ded... — retrucou papai —, como for, nem sabemos quem é.

— Nós vimos cês tirando sarro dele — falou o da direita. — Vimos cês apontando pra ele e rindo.

Apontou para o bar onde do lado direito do Tautos havia um homem pequeno nos encarando com o cenho carregado. Ele era magro e trajava uma túnica amarela que descia pelos joelhos cobrindo-lhe as pernas. As mangas também cobriam os braços fazendo com que todo o seu corpo fosse coberto, com exceção da cabeça, desprovida de cabelos parecendo-se com a ponta de um ovo.

— Vão até lá e peçam desculpas pra ele — disse o homem do meio que parecia o líder do grupo enquanto nos banhava com rios de saliva. Os outros dois apenas assentiam com as cabeças.

Todos ficamos petrificados. Mamãe demonstrou-se bastante tensa. Leo também. Eu, no entanto, comecei a tremer feito vara verde.

— Nós não devemos desculpas a ninguém — respondeu papai tranquilamente. — Como disse, não estávamos rindo do seu amigo ou sei lá o que ele é seu.

Mamãe segurou o braço do papai e cochichou algo em seu ouvido. Ele colocou a mão direita sobre o ombro dela dando uns tapinhas leves como quem a tranquilizasse.

— Pois bem — prosseguiu o homem —, se cê não se retratar eu vou ter que...

— Você vai ter que o quê? — Papai o interrompeu antes que concluísse.

Isso irritou ainda mais o homem de aspecto rude que fechou as mãos e num instante seus músculos se retesaram.

Em resposta papai ficou de pé.

Nesse momento eu comecei a observar o meu pai. Sua feição tranquila e serena havia se dissipado frente à situação. Ele demonstrava confiança. Não se importava pelo fato de que aqueles que nos importunavam estavam em três e ainda estavam armados. Tudo isso me fez lembrar a conversa mais cedo com o Leo. Será que ele realmente era um assassino, um traidor? Seria ele o grande general conhecido no mundo inteiro como o maior espadachim de todos? É por isso que ele está tão confiante a ponto de não considerar a ameaça que estava diante de seus olhos?, pensei.

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora