O Grande Quebra-Cabeças

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Sem objeção acompanhamos o Curupira, ainda sem abandonar o senso de desconfiança.

Fui calado durante todo o caminho. A mente fervilhava com as informações recentes.

Como minha vida poderia ter mudado tanto em tão pouco tempo? Tudo o que eu sabia sobre mim e sobre minha família havia desabado. Já não sabia nem ao menos quem eu mesmo era.

A menos de uma quinzena atrás eu era apenas um menino do campo sonhando em vivenciar grandes aventuras pelo mundo, mas que vivia isolado de tudo.

Em poucos dias, porém, tudo isso ruiu como um castelo de areia ao soprar do vento.

Descobri que meu pai era um assassino foragido, que tanto Toren como o Império estavam atrás dele. Em tão pouco tempo eu deixei de ser filho de um camponês, para me tornar filho de um ex-general manipulador do metal, que é o maior espadachim vivo de toda Anur.

Como se não bastasse tudo isso, novas informações lançaram-me no mais profundo abismo da ignorância. "Pai? Então é isso que ele disse, que ele é o seu pai? Eu gostaria de saber como um espadachim aaoriano poderia fazer um filho...", as palavras de Alizah borbulharam afrontosas em minha mente.

Talvez essa tenha sido a revelação mais dolorosa, da qual eu até mesmo me recusava a pensar. Ele não é o meu pai. Lutava veementemente contra a assimilação desta informação.

Além disso uma série de outras informações desconexas teimavam em me assolar. "Você não morrerá assim! Pelo menos não antes de pagar pelo que fez com o meu mestre... Você não pode ser o descendente do Dragão Vermelho", a voz asquerosa do naelin ecoou em minha cabeça testemunhando a respeito do meu total desconhecimento sobre minha própria identidade. Como assim eu matei o mestre dele? Como assim descendente do Dragão Vermelho?

Uma a uma todas aquelas informações duelavam em minha cabeça assaltando-me a consciência.

O fato é que constatar que meu corpo havia se regenerado sozinho fez com que todas essas indagações viessem à tona.

Eu manipulo o fogo e me regenero sozinho... Quem eu sou? O que eu sou?

Eu preciso saber a verdade ou vou acabar enlouquecendo! Mas como saberei? Como perguntarei isso para o meu p... para o Mainz? Se pelo menos minha mãe estivesse...

— Você está bem? — perguntou Leo pousando a mão sobre meu ombro arrancando-me do meu devaneio.

— Eu não sei — respondi. A voz saiu fraca, quase um gemido.

Sua expressão era solidária, compassiva. Parecia que ele estava angustiado ao contemplar a minha aflição. De alguma forma eu tinha certeza que ele também escondia coisas de mim e, talvez isso o afligia naquele momento. Mas estava nítido que ele não podia dizer nada a respeito. Mesmo assim, não me custava nada tentar.

— Sabe... — comecei baixinho no intuito de não ser ouvido por meu pai e pelo Curupira que caminhavam mais a frente. — Naquele dia durante a ida à Doran você me contou a história do general que havia assassinado a rainha e tudo o mais. — Leo continuou caminhando quieto com os olhos fixos no caminho. — Você mencionou a respeito de um certo Balrók, que perseguiu o general até o sul em um vilarejo de AzToren. Você também disse que o Balrók foi morto por uma criança usuária, que manipulou o fogo. Essa criança sou eu?

Leo pareceu se assustar com a pergunta. Por um segundo esboçou dizer algo chegando até a mexer os lábios, mas deteve-se sem pronunciar sequer uma palavra. Seus olhos foram do meu pai que caminhava a frente com o Curupira e depois para o chão, onde permaneceram hesitantes. Dolorosamente ele sabia que o seu silêncio acrescentava peso ao meu fardo, mesmo assim não me diria mais nada.

O Descendente de Anur - Usuário do FogoOnde histórias criam vida. Descubra agora