Capítulo 3

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Capítulo 03

Após o incidente no almoço, Clara iria ao restaurante onde era sócia-proprietária e chef. Aline sentia-se melhor, apesar de estar com uma dorzinha de cabeça que a incomodava.
- Tenho certeza que o Fred conhece alguém pra fazer a sua mudança – Clara dizia enquanto as duas saiam do elevador para a garagem. Elas pararam em frente ao Duster vermelho de Aline. As duas se encararam sem falar nada e Aline suspirou.
- Você vai ter que vender o Mr. Satã... – Clara pronunciou os pensamentos da amiga, de novo.
- Não o chame de Mr. Satã – Aline olhou feio pra amiga. Ela se aproximou do carro e abraçou o capô – Eu paguei a última parcela semana passada. Literalmente semana passada. Isso não é justo! – Sua voz saia meio abafada por ela estar pressionando a bochecha contra a lataria do carro.
- Não, não é justo. A Diabinha também vai sentir falta dele – Clara acionou o alarme de seu Uno Vivace, também vermelho – Mas, se te faz sentir melhor, podemos apedrejar o carro do Márcio. O que acha? – Clara deu um sorriso que mostrava perfeitamente todos seus dentes branquissímos.
Por um momento, Aline visualizou a cena: Clara e ela vestidas completamente de preto. Cada uma carregando um balde cheio de pedras. E então apedrejando toda a lataria prata e brilhante da enorme Hillux de Márcio.
Aline piscou quando ouviu a gargalhada de Clara.
- Tentador, amiga. Mas acho melhor eu começar a empacotar as minhas coisas.
- Tem certeza que não quer ir ao restaurante comigo? A gente pode ir pra sua casa mais tarde.
- Tenho sim, eu vou ficar bem. Amanhã a gente se vê.
- Tudo bem – Clara se aproximou e deu um beijo na testa de Aline.
Aline entrou no carro e girou a chave na ignição, após afivelar o cinto de segurança. Ela ligou o rádio e sentiu-se exausta. Estava sendo forte há muito tempo, talvez pudesse ter um momento de fraqueza. A medida que a melodia da música ia inundando seus ouvidos, seu rosto era banhado por lágrimas quentes e salgadas.


'Cause I'm for real
Are you for real?
I can't help myself
It's the way I feel
When you look me in the eyes, like you did last night
I can't stand to hear you say goodbye

Menos de meia hora depois, Clara já estava entrando no The Licious. Como sempre, ela balançou a cabeça ao passar pela porta do restaurante.
- Quantos, Mari? – Ela perguntou para a garota que estava na recepção.
- Hoje foram três – Mari riu. Ela estava referindo-se ao número de pessoas que ligavam todos os dias pensando que o restaurante era um motel, devido ao seu nome sugestivo. Ideia de Fred, melhor amigo e sócio de Clara.
- Preciso de mais duas ligações e meu engradado de Budweiser da semana está garantido – Clara disse, enquanto entrava na cozinha. Fred e ela tinham uma aposta: se ao menos cinco pessoas ligassem, pensando que o The Licious era um motel, Fred lhe daria um engradado de cerveja. O restaurante já estava funcionando há um ano e toda semana Clara ganhava seu engradado.
- Gato, já comprou minha recompensa da semana? – Clara entrou na cozinha sorrindo, mas seu sorriso desapareceu assim que ela percebeu que Fred estava na cozinha com outro rapaz. O motivo do sorriso desaparecer: o tal rapaz estava mexendo nas panelas de Clara.
- Oi? – Clara disse para chamar a atenção de Fred, mas soou mais como uma pergunta.
- Clarinha, você chegou! – Fred foi até a amiga e lhe deu um beijo na bochecha.
Clara não tirava os olhos do rapaz, que nem ao menos se deu ao trabalho de virar-se para cumprimentá-la. Ele usava o avental branco do The Licious, e Clara não pode deixar de reparar que a roupa apenas destacava seus ombros largos. Fred percebeu o olhar da amiga e deu um tapinha na própria testa.
- Clarinha, deixa eu te apresentar... – Ele pegou a amiga pela mão e a arrastou até o fogão – Este é o Pedro, nosso novo chef.
Antes que Clara pudesse dizer qualquer coisa, Pedro virou-se. E tudo o que ela conseguiu ver foi um par de olhos azuis, muito, muito azuis.
- Olá – Pedro sorriu e Clara engoliu em seco. Ele era tão alto!
Clara conseguiu forçar um sorriso.
- Com licença, Pe-Pedro – Clara gaguejou ao dizer o nome do rapaz – Já voltamos.
Ela puxou Fred pelo pulso até o escritório dele, na parte de trás do restaurante, e só largou quando entraram na sala.
- Que porra é essa?! – Clara finalmente conseguiu falar o que queria. Cada vez que piscava, via aquele par de olhos azuis. Ela balançou a cabeça.
- Calma, Clarinha...
- "Calma, Clarinha" o cacete! Quem é esse tal de Pedro?! E por que ele tava mexendo nas minhas panelas? Pior: por que ele é nosso novo chef?!
- Clara...
- Por que você não conversou comigo antes, Fred? Pensei que sempre consultaríamos um ao outro antes de tomar decisões...
- Certo, Clara. Respira e me ouve. Agora eu vou falar! – Fred empurrou Clara para a cadeira mais próxima – O Pedro é um amigo meu. Ele é um ótimo chef. E é nosso novo chef porque eu sei, e você sabe também, que as coisas andam uma loucura por aqui. Não estou dizendo que você não da conta, apenas que você precisa de ajuda. A cozinha ainda é sua, Clarinha. E... Hum, não te contei antes porque sabia que você ia ter um chilique! – Fred terminou de falar e tapou a boca com as mãos.
Clara respirou fundo. Sim, ele estava certo: ela teve um chilique.
Depois da conversa com Fred, Clara foi vestir seu avental. Ela voltou para a cozinha mais calma; afinal, Fred realmente tinha razão: ela precisava de apoio.
- Desculpa, eu tive que resolver um problema com o Fred... – Clara disse. Pedro estava cortando alguns tomates.
- Tudo bem – Ele continuou o que fazia – Vamos preparar paella valenciana hoje. O Fred disse que vocês estão pensando em fazer algumas alterações no cardápio e estão testando novas receitas, certo?
- Certo. - Clara concordou. – Mas... Paella? - Ela estava com certo pânico na voz. Não que não soubesse como preparar paella. Ela simplesmente não gostava de frutos do mar.
- Sim – Pedro tirou os olhos extremamente azuis dos tomates e a olhou por um breve segundo – O Fred me disse que você tem uma certa dificuldade em trabalhar com frutos do mar. Talvez eu possa te dar algumas dicas. - Ele deu de ombros.
Clara cerrou os dentes.
- Tudo bem.


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