Capítulo 29

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Capítulo 29

- Eu estava no parque do Ibirapuera – Clara começou a falar. Ela e Pedro estavam dentro da picape em uma rua pouco iluminada, perto da galeria – Estava sozinha, era um dos meus dias ruins... Passei muito tempo deitada na grama. Quando sentei, percebi que, há alguns metros, havia um homem fotografando. No começo não liguei, mas depois percebi que ele estava tirando fotos minhas. Me levantei e fui falar com ele. Ele se apresentou e pediu desculpas. Disse que era fotografo profissional, me deu o cartão. Pediu que eu ligasse e ele me daria as fotos. Eu fui embora e esqueci aquilo. Meses depois eu encontrei o cartão jogado na minha bolsa e resolvi ligar. Marcamos em um barzinho e ele levou as fotos. Eram... Realmente boas. Eu disse que não podia pagar, mas ele não queria que eu pagasse e me deu de presente. Conversamos por um bom tempo e ele me convenceu a fazer um ensaio. – Clara falava sem parar. E então olhou para Pedro. Estava com medo do que ele pensaria dela, mas seu rosto estava sem expressão, estava apenas concentrado em suas palavras.
- No segundo dia de ensaio, ele me beijou e eu deixei. E então começamos e nos encontrar frequentemente. Ele me fazia sentir a mulher mais linda do mundo. Perfeita, desejável. Me ver através das lentes dele era incrível. Então um dia ele disse que estava apaixonado por mim. Eu não acreditei de início, sabe? Era tudo muito... Intenso, muito carnal pra envolver sentimento. E... – Ela fez uma pausa e respirou fundo – Uma parte de mim achava injusto que eu continuasse vivendo, e feliz, enquanto o Samuel não teria essa chance. Uma parte de mim achava que eu estava traindo ele, ou sua memória. Eu nunca contei pro Gian sobre o Samuel. Ele não entenderia. – Clara balançou a cabeça. – Então eu resolvi parar de vê-lo. Mas ele não desistiu. Comprou um flat e disse que precisava ficar comigo. Eu resolvi dar uma chance pra ele, mas na verdade estava dando uma chance pra mim. Estava cansada de me sentir sozinha, sabe? Nunca tive um relacionamento sério desde o Samuel. Era tudo apenas físico. Quando fizemos um ano juntos, ele me contou que era casado.
Clara olhou para Pedro. Seu rosto estava encoberto pelas sombras da rua, mas ele estava tão próximo que poderia tocá-lo.
- Ele era casado. Mas não conseguia viver sem mim. Iria dar um jeito naquela situação – Ela riu sem humor. – Mas não foi o que aconteceu, como você percebeu. Eu cheguei a conhecer a Betina, na primeira exposição que ele fez com as minhas fotos. Ela é uma mulher incrível, não merece o marido que tem. Não merece o que fazemos com ela. Eu não estou tentando me justificar, sei que tenho muita culpa. Mas eu tentei várias vezes terminar isso. Não me faz bem... Não contei pra minha tia. – Ela levantou os olhos, as lágrimas já corriam soltas por seu rosto, molhando suas bochechas – Eu tenho vergonha de mim.
Clara começou a chorar abertamente e então sentiu os braços de Pedro lhe envolverem. Ela não relutou, pelo contrário: retribuiu o abraço e chorou pelo o que pareceu uma eternidade.
- Eu acho que você não deveria ser tão dura consigo mesmo, Clara – Pedro começou a falar quando percebeu que ela estava mais calma. Ele acariciava sua nuca. – Todos cometemos erros, não somos perfeitos. Mas a imagem que você tem de si própria está completamente errada.
Pedro soltou o abraço e levantou o rosto dela, fazendo com que ela o olhasse nos olhos.
- Sabe o que eu vejo quando olho pra você? Uma alma muito boa. Machucada, mas muito boa. Você nunca teve a intenção de machucar ninguém, mesmo que a vida já tenha feito muito isso com você. Você não teve culpa em se apaixonar por aquele cara. Ele também não, afinal você é encantadora, Clara. – Pedro sorriu e passou o polegar em sua bochecha – Mas ele tinha um compromisso com outra pessoa e não honrou isso. Você, que não devia satisfações a ninguém, a não ser você mesma, se arrepende disso. Eu posso ver. Mas aquele cara, não, Clara. Ele não se arrepende de nada. Ele se arrependeria se fosse pego. – Pedro enxugava as últimas lágrimas de Clara com os polegares – Então, por favor. Não se sinta mal por dar uma chance à você. Você merece toda a felicidade do mundo e não vai ser esse babaca que vai estragar isso.
Clara ficou em silêncio por alguns instantes. Estava absorvendo as palavras de Pedro. Ele a entendia. Ele não a julgava. Ele estava ali pra ela.
- Obrigada, Pedro. Obrigada.

Eles passaram em um restaurante e Clara exagerou um pouquinho no vinho. Mas depois de tantos acontecimentos intensos, ela merecia relaxar.
Pedro estacionou a picape na garagem da fazenda e percebeu que a maioria das luzes já estavam apagadas. Já era bem tarde e teriam aula logo pela manhã.
Clara saltou da pick-up e tropeçou nos próprios pés, fazendo um barulho desnecessário para o horário.
- Shiu! – Ela fez para Pedro, como se o motivo do barulho fosse ele.
-Tudo bem, eu te ajudo... – Ele segurou o riso e passou o braço em sua cintura, guiando-a para dentro da casa da fazenda.
- Pedro... Pedro... – Ela cantarolava, enrolando a língua – Você tem um cheiro incrível, sabia disso?
Pedro segurou o riso.
- Tenta falar mais baixinho, ta? – Ele pediu e começaram a subir as escadas. Ele agradeceu por ela não estar de salto.
- Posso falar assim? – Clara sussurrou em seu ouvido – Pedro... Pedro...
E ele fez uma força enorme para não deixar a imaginação tomar conta naquele momento.
- Estamos chegando – Pedro disse quando entraram no corredor de dormitórios femininos. – Cadê sua chave?
Clara abriu um sorriso enorme.
- Em algum lugar da minha bolsa – E deu a bolsa para que Pedro procurasse a chave. E ele até conseguiria realizar tal tarefa facilmente, se Clara não estivesse inalando seu perfume.
- Clara... – Ele advertiu.
- A culpa não é minha se você é tão cheiroso... – Ela disse, colando seu corpo no dele. Clara umedeceu os lábios, olhando nos olhos de Pedro que, há essas alturas, já tinha esquecido da chave.
Clara tateou por seu abdômen, sentindo os músculos se contrariem. Pedro engoliu em seco, seus olhos ardiam em desejo.
- A chave... – Ele sussurrou, encaixando a chave na fechadura.
Clara começou a beijar seu pescoço. Pedro largou a bolsa dela no chão e a imprensou contra a porta de madeira escura. A mãos segurando firmemente em sua cintura. Clara mordeu de leve seu pescoço e ele sentiu seu corpo todo reagir.
- Clara... – Ele sussurrou de olhos fechados. – Não. Não.
Ela se afastou para olha-lo nos olhos. Clara franziu o cenho.
- Eu não quero só isso – Ele dizia baixinho. Clara começou a compreender o que estava acontecendo ali. Ele colocou a mão sobre o coração da garota – Eu quero isso também. – Ele olhava em seus olhos – Mas não agora. Não estamos prontos pra isso.
Clara engoliu em seco e afastou dele. Ela pegou a bolsa no chão e entrou no quarto, batendo a porta.
- Clara! – Pedro a chamou. Já não ligava se estavam fazendo barulho ou não. – Clara!
Do lado de dentro do quarto, Clara jogou-se na cama e chorou silenciosamente. É óbvio que ele não iria querer nada com alguém como ela. 

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