Capítulo 21

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Capítulo 21

E depois eu sumo da sua vida
E depois eu sumo da sua vida
E depois eu sumo da sua vida


As palavras de Márcio ecoavam em sua mente enquanto Aline se arrumava para o jantar. Ele havia se oferecido para lhe buscar, era incrível como ficava gentil quando precisava da colaboração de alguém. Isso fez Aline pensar como Márcio deveria ser na empresa. Mas ela recusou a oferta, preferia ir com o carro de Clara. Assim poderia sair do jantar a qualquer momento.
- Uau – Fred disse quando entrou no closet de Clara. Ele entregou para Aline um copo de suco de maracujá – Você está linda!
- Mesmo? – Aline deu um gole no suco e então conferiu sua imagem no enorme espelho: estava com um vestido curto, vermelho e frente única.
- Mesmo! Mas temos um problema...
- Qual?
Aline olhou diretamente para os pés. Sempre tinha certa dificuldade em encontrar o sapato perfeito.
Fred se aproximou e pôs as mãos em forma de coração no baixo ventre da amiga. Era quase imperceptível, mas ela estava com uma barriguinha.
Aline levou a mão livre à boca.
- Meu bebê – Ela disse, olhando para Fred.
- Definitivamente ele está ai – Fred riu e começou a escolher outra roupa.
Aline não tinha mais cabeça para isso. Estava maravilhada com o que via no espelho. Era injusto demais ter que esconder sua barriguinha imperceptível, mas teria que trocar de vestido. Aquele era bem justo e com certeza a mãe de Márcio notaria e passaria a noite toda fazendo especulações.
Minutos depois, Fred voltou com um vestido preto. O modelo era mais larguinho e marcava seu busto deixando a barriga imperceptível. Aline estava prestes a calçar uma sandália prateada, quando Fred interviu.
- Não, amor... Vamos de preto, sim? – E lhe passou a sandália correta.
- O que seria de mim sem você, hein?! – Aline riu, calçando a sandália preta.
- Você ta bem mesmo? – Fred perguntou, ele parou em frente à amiga e colocou um de seus cachos para atrás da orelha. – Você sabe que não precisa fazer isso.
- Ta tudo bem, eu consigo. E devo dizer que seu suco de maracujá me deixou bem calminha – Aline riu.
Fred a acompanhou até a garagem e antes de girar a chave na ignição, Aline respirou fundo.
- Eu consigo fazer isso. – Ela disse para si mesma e saiu rumo à casa da mãe de Márcio.

Quarenta minutos depois Aline estava passando pela entrada do condomínio fechado dos pais de Márcio. Havia uma fila de carros até a rua dos ex sogros e Aline teve certeza que aquela festa era muito aguardada. Encontrou uma vaga e estacionou. Puxou o embrulho do presente para o colo, havia comprado um livro sobre arte egípcia, tema pelo qual a aniversariamente se interessava muito.
Deu uma última olhada em seu reflexo no espelho retrovisor do carro, respirando fundo. Estava linda, sabia e sentia isso. Ótimo. Márcio veria o que estava perdendo.
Estava atravessando o jardim da frente da casa, a porta principal estava aberta, quando avistou Márcio parado na entrada.
Aline mordeu o lábio e tentou ignorar os pulos que o coração dava. Márcio vestia uma camisa social roxa e estava com a quantidade certa de barba por fazer.
- Você chegou! – Ele se adiantou até Aline, não sem antes lhe dar uma boa olhada de cima abaixo – Você está linda.
- Onde está sua mãe? – Aline perguntou e Márcio arregalou os olhos. – Eu quero apenas entregar o presente dela – Aline revirou os olhos, sacudindo o pacote.
- Ah... Claro. Vamos - Márcio apoiou a mão na parte de baixo das costas de Aline e os dois entraram na casa.
Mas até encontrarem Dona Cláudia, passaram por muitos tios e tias e primas e primos.
- Ufa... – Márcio suspirou aliviado quando finalmente encontraram a mãe. Dona Cláudia estava com o marido no deck. Aline sentia a apreensão de Márcio e isso já a estava irritando. Ele parecia uma águia pairando em cima dela.
- Olha quem chegou – Dona Cláudia sorriu abertamente quando viu Aline e Márcio se aproximando.
- Feliz aniversário, Dona Cláudia – Aline abraçou a mulher e seu sorriso foi sincero – Pra você – Ela disse, soltando o abraço.
- Obrigada, querida! – A mulher agradeceu, admirando a capa do livro grosso. Com um gesto, ela chamou um dos organizadores da festa e o rapaz levou o presente de Aline para a mesa e o pôs com o restante.
- Aline – O pai de Márcio inclinou-se para lhe cumprimentar – Faz tempo que não a vemos por aqui.
- É o trabalho – Márcio respondeu por Aline, que o olhou de esguelha – Ela anda trabalhando demais – Márcio abraçou Aline pelos ombros e a garota forçou um sorriso.
- Champagne? – Um garçom ofereceu. Todos aceitaram as taças, menos Aline. Antes que Dona Cláudia pudesse dizer algo, Aline se manifestou.
- Estou dirigindo hoje... – E deu de ombros.
- Vocês podem dormir aqui – A ex sogra propôs.
- Obrigada – Aline dispensou o garçom.
- Vamos dar uma circulada, querida – O pai de Márcio disse para a esposa. Ele entrelaçou o braço com o da mulher e os dois foram até outro grupinho de pessoas.
Assim que os pais saíram, Márcio terminou a taça em um único gole. Aline sorriu ironicamente, cruzando os braços ela entrou na sala da casa.
- Você quer alguma coisa? – Márcio perguntou, indo atrás.
- Sim.
- O que?
- Que você me deixe em paz!
Algumas pessoas que estavam na sala olharam para Márcio e Aline. Ele deu um sorriso amarelo:
- TPM... – Justificou-se às pessoas.
Aline revirou os olhos e foi até o buffet da festa, estava faminta. Estava se servindo e sentiu Márcio em seu encalço.
- Tudo isso é medo, Márcio? – Ela olhou para ele que também se servia - Medo de que eu estrague sua noite? – Aline riu. Até que era meio divertido sentir o nervosismo de Márcio.
Os dois pegaram seus pratos e sentaram-se à uma mesa vazia. Comeram em silêncio e aquilo era incômodo para Aline e ela podia dizer que Márcio sentia-se da mesma forma, já que não parou de balançar a perna nem um minuto. Assim que um garçom retirou seus pratos, uma mulher no alto de seus 30 e poucos aproximou-se da mesa.
- Márcio – Ela sorriu e então Aline reparou em sua barriga protuberante: devia estar grávida de uns seis ou sete meses.
- Olá, Rita! - Márcio sorriu e levantou-se, beijando a bochecha da mulher. – Esta é Aline, minha n-namorada – Márcio gaguejou na palavra. Aline levantou-se e também cumprimentou a mulher – Esta é Rita, minha prima de Campinas.
- Uau... Você está... – Márcio não conseguiu completar a frase, olhava fixamente para a prima.
- Você está linda – Aline sorriu – Está de quantos meses?
- Sete! – Rita disse, toda orgulhosa.
- Já tem nome?
- Não. Meu marido e eu preferimos não descobrir o sexo, queremos que seja uma surpresa.
- Posso? – Aline pediu e fez menção de levar a mão à barriga da mulher.
- Pode sim – Rita riu enquanto Aline acariciava sua barriga.
Dentro de alguns meses ela também estaria naquele estágio da gestação. Se surpreendeu ao perceber como estava ansiosa.
- Com licença, por favor – Ouviram Dona Cláudia dizer da mesa central, enquanto batia numa taça com uma faça – Obrigada, queridos – A mulher agradeceu quando percebeu que tinha a atenção de todos no salão.
- Eu gostaria de agradecer a presença de todos vocês: meus familiares e amigos amados. É muito bom saber que todos vocês dispuseram de um pouco de seu tempo para vir comemorar comigo. – Dona Cláudia levantou sua taça, gesto que foi repetido por todas as pessoas presentes – Saúde!
Depois do brinde, Aline e Márcio foram convocados a mesa central para tirarem fotos com a aniversariante. Aline sentia-se uma intrusa ali: aquilo tudo era uma farsa. O que aquela senhora pensaria quando visse seu álbum de aniversário e soubesse que Aline não era mais sua nora? Ela não deveria estar naquelas fotos.
- Você vai mesmo me fazer tirar fotos com sua mãe, como se tudo estivesse bem? – Ela perguntou entre dentes enquanto o fotografo os instruía.
- Por favor, Aline – Márcio respondeu no mesmo tempo – Ta quase acabando.
- Calma, calma! Ta faltando um membro da família! – Ingrid, a irmã mais nova de Márcio, vinha correndo.
- Filha, você chegou a tempo! – Dona Cláudia e o marido saíram da pose definida pelo fotografo e foram abraçar a filha.
Ingrid era uma garota alta e magra de longos cabelos castanhos. Formara-se em Direito no ano anterior e agora estava trabalhando em uma ONG na Nigéria.
- Cici! – Ela se jogou nos braços do irmão quando finalmente conseguiu soltar-se dos pais. – Aline – Ingrid sorriu amarelo e limitou-se a lhe dar um rápido beijo no rosto. A relação das duas nunca havia sido das melhores: Ingrid era muito ciumenta e nunca aceitou Aline como cunhada. Era apenas muito educada.
- Podemos agora? – O fotografo perguntou, atrás de sua lente. Todos voltaram a suas posições.
Márcio entre a mãe e Aline, com quem estava de mãos dadas.
Após a sessão de fotos – Dona Cláudia fez questão de tirar uma foto apenas com ela -, Aline conseguiu dar uma escapada de Márcio, que conversava animadamente com sua família, todos muito interessados nos relatos de Ingrid. e trancou-se no primeiro banheiro que viu.
Lamentou não estar com sua bolsa, estava doida para checar o celular e ver se havia alguma mensagem de Caio. Teria de esperar mais um pouco.
Deu descarga e, enquanto lavava as mãos, olhava-se no espelho. Estava linda, mas toda aquela situação não estava lhe fazendo bem: a felicidade não estava em seus olhos.
Saiu do banheiro e, antes que pudesse chegar ao salão/jardim da festa, Márcio a encontrou.
- Onde você estava?!
- No banheiro. Ou será que deveria ter pedido permissão pra você?
Márcio a encarou mas, quando abriu a boca para responder, Ingrid apareceu e grudou no braço do irmão.
- Vem, a mamãe vai cortar o bolo!
Márcio pegou a mão de Aline e posicionaram-se em frente a mesa do bolo e então o salão todo começou a cantar "Parabéns pra você". Do outro lado da mesa, Dona Cláudia divertia-se em sua festa. Aline sentiu um aperto no coração: seu filho não ia mesmo conhecer a avó tão afetuosa? Aquilo não era justo.
Ao fim da cantoria, Dona Cláudia pronunciou-se:
- Não posso dar apenas um primeiro pedaço, já que existem quatro pessoas muito especiais aqui hoje – Ela dizia, enquanto os garçons cortavam o bolo – Portanto, o primeiro pedaço será dividido em quatro partes: meu marido, querido e amado, meu companheiro de jornada; meus filhos lindos, minha razão de sorrir e minha nora mais do que querida.
Aline ficou realmente comovida com as palavras da ex sogra. Ela não merecia o filho insensível que tinha. Márcio percebeu que a garota estava emocionada.
- Você está bem? – Ele perguntou.
Aline ignorou e aceitou o pedaço de bolo que o garçom lhe dava. À primeira garfada ela gemeu de prazer gastronômico: chocolate trufado com maracujá.
Aquilo era uma delicia! Iria pedir para Clara preparar um desse pra ela assim que voltasse. Em segundos, Aline terminou de comer seu bolo.
- Gostou do bolo, querida? – Dona Cláudia perguntou, ela própria experimentando um pedaço.
- Maravilhoso! – Aline respondeu.
- Pegue mais!
E sem pensar duas vezes, Aline foi até a mesa onde os garçons ainda cortavam pedaços de bolos para o restante dos convidados.
- Um pouquinho maior? – Ela pediu para um dos garçons. O rapaz sorriu e cortou outro pedaço, maior.
- Só mais um pouquinho? – Aline pediu de novo. O rapaz tentou disfarçar o espanto, cortando um pedaço maior.
- Licença, deixa que eu faço isso! – Aline pegou a espátula da mão do rapaz e cortou um pedaço enorme de bolo. – Muito obrigada! – Ela sorriu, satisfeita, e voltou para mesa.
- Você vai comer só isso? – Ingrid perguntou, vendo o tamanho do pedaço de bolo de Aline?
- Por enquanto, sim. Mas se você der bobeira, eu como o seu pedaço também! – Aline respondeu e o ex sogro caiu na gargalhada, sob os olhares nada amigáveis da filha.

A festa finalmente estava chegando ao fim, Aline percebia os convidados indo embora. Ótimo, sua encenação ali estava acabando também. Aproveitou que Márcio conversava com alguns parentes de Campinas e foi despedir-se dos sogros, que estavam na mesa com a filha.
- Dona Cláudia, obrigada pela festa. Estava tudo muito lindo e delicioso – A última parte Aline disse olhando diretamente para Ingrid, que ignorou – Eu já vou.
- Mas já, minha querida? – A mulher levantou-se, assim como o marido. A filha permaneceu sentada, entretida com o celular em mãos. – Tem certeza que não quer dormir aqui? – Aline sacudiu a cabeça – Deixe que o Márcio te leva então.
- Não, Dona Cláudia, eu vim de carro. Mas obrigada mesmo. – Aline aproximou-se da sogra e lhe abraçou, desejando ser uma mãe tão boa quanto Dona Cláudia. Sabia que Márcio não tinha puxado em nada a mãe, que era um amor de pessoa. Um pouco controladora, talvez. Talvez tivesse puxado ao pai que, apesar de ser um sujeito tranquilo, era muito exigente com seus negócios. De qualquer forma, gostaria que seu filho conhecesse os avós. Quem sabe um dia.
Despediu-se também do ex sogro com um abraço e acenou para a cunhada.
Foi em direção à porta, sua vontade era a de ir embora sem falar com Márcio, mas sabia que a mãe do rapaz estava observando. Aline parou atrás do homem com quem Márcio falava e fez um gesto, indicando que estava partindo, e entrou na casa.
- Com licença – Ouviu Márcio dizer e, instantes depois, ele estava na sala com ela.
- Estou indo – Aline disse, pegando sua bolsa.
- Ahn... Tem certeza? Não quer ficar mais um pouco? Mais um pedaço de bolo?
- Tchau, Márcio.
Aline deu um passo, mas o rapaz a segurou pelo braço.
- Espera, por favor. – Ele a soltou – Vem até aqui.
Márcio saiu em direção ao escritório do pai, que ficava no térreo, e Aline entrou na sala com ele.
Márcio fechou a porta e Aline tentou parecer indiferente às memórias: já haviam feito amor naquela mesa. E naquele sofá também.
- Hum... Ta tudo bem com você? – Márcio perguntou e Aline o encarou – Você sabe, têm ido ao médico? O bebê está bem?
- Por que você quer saber? Você deixou bem claro que não queria nenhuma participação nisso.
Márcio suspirou e passou as mãos no rosto.
- Aline, eu me preocupo com você. Vocês. – Márcio se corrigiu e aquelas palavras derreteram um pouquinho o gelo que começava a se formar no coração confuso de Aline. – Eu apenas não sei como lidar com tudo isso agora, eu... Simplesmente não posso! – Márcio virou-se para a mesa do pai e abriu a primeira gaveta. – Toma. Isso é pra você. – Márcio lhe entregou uma folha retangular.
Aline pegou e viu que era um cheque de cinco mil reais.
- Você está me pagando por ter fingido ser sua namorada nas últimas horas?! – Aline perguntou, sem conseguir esconder a fúria na voz.
- Não! Não! É... Pra te ajudar com as despesas iniciais, sabe? E, bom... Também por ter me ajudado hoje. – Márcio coçou a nuca.
Aline riu anasaladamente. Ela encarou Márcio e pôde ver a confusão em seus olhos.
- Eu não preciso do seu dinheiro. – E, dito isso, Aline rasgou o cheque e deixou que os pedacinhos de papel caíssem no tapete.
- Tchau, Márcio. 

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