Capítulo 51

18 1 0
                                    


Capítulo 51

Clara tirou o dia de folga. Não queria ficar longe de Pedro, mas ele mesmo disse que seria bom, ter trabalho dobrado manteria sua mente ocupada e era disso o que ele precisava no momento.
Ela e Aline almoçaram no The Licious e depois foram pra casa de Aline. Enquanto estavam no elevador, Aline falava alguma coisa sobre ter que terminar um texto para enviar pra redação da revista, mas Clara não prestava muita atenção. Sua mente estava no que teria de fazer naquela noite.
- Clara? Clara? - Aline bateu palmas na frente do rosto da amiga e depois abriu a porta - Ta tudo bem? Você parece meio distante...
- Ta sim... Só to preocupada com o Pedro... - Não era mentira, Clara realmente estava preocupada com o namorado. No almoço, Pedro contou para Fred e Aline sobre o diagnóstico de sua mãe. Eles foram bem suportivos. Fred, por já conhecer Pedro e sua família há algum tempo, ficou bem abalado.
- É horrível mas, mesmo que possa fazer vazio, nós temos que manter a esperança e principalmente a fé. Pensamento positivo atrai coisas positivas! - Aline sorriu e Clara a acompanhou.
Enquanto Aline ia até a cozinha pegar dois copos enormes de chá para elas, Clara acomodou-se no sofá. Checou o celular pela quinta vez em menos de dez minutos e, para seu alivio, não havia nenhuma nova notificação.
Aline sentou-se ao lado de Clara e tomou um grande gole do chá, deixando o copo na mesa de centro.
- Certo, eu preciso falar... - Aline jogou os cabelos para trás e respirou fundo - Eu te devo milhões de desculpas mas, depois de um tempo usando essa palavra, ela passar a perder o sentido.
Clara fez menção de interromper, mas Aline não deixou.
- Não, deixa eu continuar... Clara, eu amadureci esse ano mais do que amadureci a vida toda. E não sei se foi porque as situações me forçaram a isso, mas fato é que hoje eu vejo a vida com outra perspectiva. Eu errei muito contigo e, embora me arrependo de tudo, de todas as burrices que fiz, são esses erros que me fizeram quem eu sou hoje. Eu era insegura, sim. Escrever aquelas coisas foi por puro ego. Eu entendo sua raiva e entendo sua mágoa. Mas espero que você saiba que aquela Aline não existe mais. E a Aline que sou hoje só existe e aguenta firme porque sabe que sempre vai ter você, pra me ajudar quando eu pensar que ta tudo dando errado... - Nessa altura, Aline já tinha os olhos marejados, assim como Clara. Ela pegou as mãos da amiga e apertou entre as suas.
- Ta tudo bem - Clara disse, sorrindo entre as lágrimas.
E realmente estava. Porque, quem era ela pra não perdoar a sua melhor amiga? A pessoa que estava com ela desde sempre, nos bons e nos maus momentos. - Todo mundo erra, Li. Todo mundo faz umas burrices de vez em quando, eu bem sei disso... - As duas riram - Mas ter consciência disso, se arrepender e pedir desculpas de verdade é o que nos diferencia dos babacas de verdade que existem por ai.
Depois do pedido de desculpa, as duas sentiam-se bem mais leve. Sentiam que a amizade estava mais forte do que nunca, afinal, haviam passado por fortes provações.
Aline e Clara passaram o resto da tarde conversando e fazendo planos. Não perceberam que a hora passava até Caio chegar em casa.
- Oi, meninas - Ele disse então deu um beijinho em Aline. Clara quase podia ver os coraçõezinhos no ar.
- Nossa, perdemos a noção da hora - Aline disse, sentindo o carinho que Caio fazia em sua barriga.
- Verdade, eu preciso ir - Clara levantou-se e espreguiçou-se.
- Mas já? - Aline fez biquinho.
- Fica ai - Caio pediu, ajeitando o óculos - A gente pede uma pizza pra não abusar dos seus dotes culinários.
Clara riu junto com eles.
- Eu preciso resolver algumas coisas ainda... - Ela deu de ombros e agradeceu mentalmente por não ter de explicar o que faria, não tinha uma mentira pronta.
Ela se despediu do seu casal preferido e partiu ao encontro de Martin.
A conversa com Aline realmente havia renovado suas esperanças. Estava decidida a não ceder a ele.
Clara se surpreendeu ao chegar ao loft e não se deparar com outra festança; na verdade, o lugar estava bem quieto e limpo.
Uma das garotas de Martin atendeu a porta e, sem falar nada, levou Clara até o escritório. Martin estava sentado atrás da mesa, usava um terno preto que quase brilhava. A garota saiu, fechando a porta atrás de si e deixando os dois sozinhos.
- O que você quer agora, Martin? – Clara perguntou, cruzando os braços.
O homem gargalhou, jogando a cabeça pra trás.
- Angel, Angel... Já falei sobre seus modos. Sente-se. – O sorriso sumiu. Clara revirou os olhos, mas fez o que ele pediu.
- Me fala logo quanto preciso te pagar. Não to a fim de continuar com isso.
- Eu pensei bem e resolvi esquecer a dívida, se você fizer um pequeno favor pra mim.
Clara levantou a sobrancelha. Um favor. Aquilo não podia ser bom...
- Não é nada de mais, apenas uma entrega.
- Por que você mesmo não faz?
- Preciso manter a discrição, Angel. Todos meus homens estão ocupados e isso precisa ser entregue hoje. Confie em mim, não pediria se fosse perigoso.
Confiar em Martin era a última coisa que Clara faria, mas resolveu aceitar. Quanto antes pudesse tirar este homem se sua vida, melhor. Martin lhe entregou um pacote em papel pardo. Clara podia ter uma ideia do que havia lá dentro. Ele lhe passou o endereço.
- Depois disso, você some da minha vida. – Clara saiu do escritório sem olhar para trás.
Clara dirigiu o mais rápido que podia. Pedro estava ligando e mandando mensagem há algum tempo e ela sentia-se péssima por ignorá-lo. Mas aquilo iria acabar hoje. Iria sim.
Quando se aproximava do local, seu coração foi acelerando. Clara conhecia muito bem aquele lugar.
Ela estacionou. O lugar não havia mudado em nada, estava um pouco mais iluminado, mas apenas isso.
E, de repente, Clara se viu de novo com 15 anos naquela pista de skate. Ela saiu do carro, segurava o pacote com firmeza.
Assim que entrou no lugar, sentiu seu corpo todo se arrepiar. Vários garotos faziam manobras na rampa mais perto. Clara sentiu os olhos marejarem, mas respirou fundo. Logo iria para casa. Logo estaria com Pedro. Logo aquilo acabaria.
Percebeu que um garoto vinha em sua direção. Clara congelou ao prestar atenção nele. A altura era a mesma, devia ter uns 18, 19 anos no máximo. Cabelos castanhos e cacheados, bem cheio.
- Angel? – Ele a chamou e seu coração parou por um segundo. Aquele garoto era muito parecido com Samuel.
Clara mordeu o lábio, sentindo o mundo girar.
O garoto se aproximou e então seu rosto saiu das sombras. É óbvio que não era ele. E reparando de perto, ele não tinha o que o seu Samuel tinha: os olhos. Os olhos não eram profundos e brilhantes.
- O Martin falou que você tinha uma coisa pra mim... – O garoto esfregou o nariz algumas vezes e olhou para os lados.
Clara assentiu e estendeu o pacote pra ele. O garoto pegou e abriu rapidamente.
- Aqui, isso é seu. – O garoto tirou um pacote menor de dentro daquele que Clara o havia entregado.
- O que?
- Vai, pega logo. O Martin falou que era pra te dar isso. – Ele continuava olhando para os lados.
Clara percebeu uma movimentação alguns metros atrás dele. Ela pegou o pacote menor e saiu correndo para o seu carro. Sentia-se atordoada. Agarrou o volante e deixou as lágrimas caírem pesadamente pelo rosto.
Então era isso que aquele canalha queria? Que Clara revisitasse seu passado tão vividamente? Preferia ter pago todo o dinheiro do mundo do que ter voltado àquele lugar, do que ter visto aquele garoto.
Ela chegou em casa e largou a bolsa no sofá, indo direto até a geladeira. Clara abriu uma garrafa de vodka e deu um grande gole. A bebida desceu queimando por sua garganta, assim como as lágrimas pareciam queimar seu rosto. Ela abriu o pacote e viu que dentro havia cinco cigarros e dois pacotes com um pó branco.
Por um bom tempo, ela ficou apenas sentada no chão de sua sala bebericando a vodka. Já havia desistido de dar uma desculpa decente para Pedro. Lidaria com ele amanhã, porque hoje ela não conseguiria. Uma parte dela sabia que ela deveria se recompor, falar com Pedro. Ele precisava dela. Mas não hoje, não havia condições para que ela conseguisse ser forte pelos dois. Na verdade, ela já havia decidido: seria fraca.
Ela pegou um cigarro e acendeu em uma das bocas de seu fogão.
Ela sabia, não podia fazer aquilo. Aquela não era a solução. Aquilo sempre era temporário. Mas qualquer coisa seria melhor do que continuar com aquela dor que parecia lhe tirar o ar.

Quando tudo aconteceDonde viven las historias. Descúbrelo ahora