Capítulo 66
Um trovão rugiu longe e um relâmpago iluminou tudo. Clara olhou para baixo e viu sua longa camisola branca esvoaçar. Só então se deu conta de que estava em uma janela. Via os carros passarem lá embaixo, como se fossem formigas. Gritos se misturavam com os trovões, que agora estavam cada vez mais perto. A tempestade começou e em uma rajada de vento, Clara sentiu que estava caindo. Ela caía em câmera lenta. Tentava gritava, mas não conseguia e mesmo assim os gritos que ouviam não cessavam. Ela viu seus pais e Samuel em um redemoinho de rostos, chuva e lágrimas. Ela fechou os olhos, sentia o vento ricochetear no rosto. Estava preparada para o impacto...
Clara acordou com o coração acelerado. Ela estava suando, o cabelo grudava na nuca. Ela respirou fundo e engoliu em seco. Foi apenas um sonho. Apenas um sonho. Pela fresta da janela, ela viu que o dia amanhecia.
Já fazia quase quatro meses que estava na clinica. Receberia alta naquela manhã. Apesar do sonho, sentia-se bem como há muito tempo não se sentia. Continuaria fazendo acompanhamento com a psiquiatra, duas vezes por semana, mas já não sentia vontade de fugir de sua realidade. Sentia como se houvesse finalmente enfrentado todos seus demônios e agora estava preparada para voltar para sua vida e realmente vive-la em direção ao futuro.
Depois de um banho demorado, ela foi para sua consulta com a Doutora Regina. Clara realmente sentia-a bem conversando com ela, ao fim de cada sessão ela sentia-a mais leve, mais segura e confiante. Ela já não precisava de remédios e a Doutora estava bastante satisfeita com o progresso que fizeram.
- Quando você chegou aqui, estava bastante perturbada – Doutora Regina disse – E agora vejo que você é outra pessoa, está bem mais serena.
- Eu também sinto isso – Clara sorriu – Sinto como se tivesse feito as pazes comigo!
- Fico muito feliz, Clara. – A Doutora assinou seus papéis de alta e lhe entregou – Viva bem, sim? Eu acredito no seu potencial. Até breve.
Clara deu um abraço na mulher e então saiu. Suas malas já a esperavam na recepção. Com uma aceno, ela se despediu da equipe e pegou suas malas.
Clara saiu para o mundo real. A manhã estava iluminada por um forte sol e por um momento ela virou o rosto em direção aos raios solares e sentiu o calor penetrar sua pele.
Do outro lado da rua, Aline e Fred a aguardavam. Ela atravessou a rua e os dois a abraçaram.
Não foi preciso dizer nada. As lágrimas e abraço já foram o suficiente.
- Bem vinda de volta, Clarinha – Aline disse.
- O mundo sentiu sua falta! – Fred limpava as lágrimas da amiga.
Eles foram direto para o apartamento de Clara. Aline limpava o lugar duas vezes por semana, então estava tudo organizado e cheiroso. Por mais que Clara estivesse ansiosa para voltar ao restaurante, a Doutora recomendo que ela voltasse aos poucos. Passaria lá no dia seguinte e ficara apenas um pouco. Aline e Fred ficaram com ela o dia todo. E, obviamente, ela cozinhou para eles. Durante o almoço eles contavam à Clara tudo o que ela havia perdido nesses meses fora.
- Como você pode perceber, quase nada mudou. – Fred resumiu – Apenas isso... – Ele estendeu a mão e em seu dedo anelar havia um anel de noivado.
- Eu não acredito! – Clara levou as mãos à boca.
- Pois pode acreditar! – Fred riu – Leandro finalmente resolveu parar de me enrolar.
- Parabéns – Clara abraçou o amigo – To tão feliz por vocês!
- Pode perguntar... – Aline disse ao perceber que, por várias vezes, a amiga havia feito menção de falar, mas desistia no último segundo – Ele ta tão ansioso pra te ver, Clara... Te esperou todo esse tempo.
- Fielmente, devo acrescentar! – Fred disse – E você pode imaginar quanta tentação um homem como aquele teve que aguentar, não é?
- Mas a Vanessa... Eu pensei que – Clara ia dizendo, mas Aline a interrompeu.
- Aliás, você foi muito boba em pensar que ele preferia a Vanessa do que você!
- Eu não queria que ele ficasse sozinho... O momento era delicado pra ele também.
- Ele queria ter ido te buscar hoje – Fred contou – Mas achamos melhor te dar um tempo antes.
- Obrigada, gente. Eu amo tanto vocês – Clara os abraçou – Vocês são a minha família.
No finzinho da tarde eles foram embora. Aline disse que traria Ana Julia na manhã seguinte para Clara passar um tempo com a afilhada e Clara já estava ansiosa, estava com tanta saudade da sua bonequinha.
Os meses na clinica moldaram outra rotina na vida de Clara. Agora ela dormia cedo. Não eram nem onze horas e Clara já estava na cama. O sono chegava lentamente e ela sentia os olhos pesarem. Estava quase dormindo quando a campainha tocou.
Antes mesmo de levantar, seu coração já batia acelerado. Por algum motivo, a imagem de Martin veio em sua cabeça. Não podia ser ele. Ele não tinha permissão para subir até seu apartamento.
Clara calçou os chinelos e foi abrir a porta. Devia ser a vizinha da frente. Aquela moça gostava de cuidar da vida dos outros e, certamente, havia percebido a ausência de Clara e agora queria bater um papo.
Antes mesmo de terminar de abrir a porta, Clara sentiu aquele cheiro. Ela jamais esqueceria aquele cheiro. Agora seu coração batia acelerado, mas por outro motivo. A mão na maçaneta tremia.
Pedro estava parado em sua porta. Usava uma camisa branca que marcava perfeitamente seus músculos e deixava pequenas partes de suas tatuagens a mostra. O cabelo loiro caía na altura dos ombros e a barba estava bem aparada. Os olhos brilhavam e olhavam diretamente para os olhos de Clara.
Ela mordeu o lábio, sentindo as lágrimas chegarem.
- Desculpa, eu não aguentei esperar mais... – Pedro disse.
Clara não pensou em mais nada. Deu um passo à frente e acabou com a distância entre eles. Seus lábios se tocaram e se encaixaram perfeitamente. Clara o abraçou pelo pescoço e sentiu que poderia ficar ali pra sempre. Porque aquilo era o certo. Aquele era o seu lugar, ela pertencia a Pedro.
Ela sentiu as lágrimas escorrerem por seu rosto e encostou a testa na dele.
- Eu senti tanto a sua falta – Pedro sussurrou enquanto limpava as lágrimas dela.
- Eu também, muita! – Clara sorriu – Obrigada por me esperar, por não desistir da gente.
- Eu nunca vou desistir da gente – Pedro encostou os lábios na orelha de Clara – Eu te amo.
Ele disse e Clara sentiu como se uma corrente elétrica passasse em suas veias. Ela o puxou para dentro, sem desgrudar de seus lábios nenhum segundo.
Naquela noite, Clara se sentiu segura de verdade. E pronta pra tudo, pronta pra vida e para o futuro. Ela tinha tudo o que precisava. Sua saúde estava ótima, tinha os melhores amigos do mundo, que também eram sua família e tinha o amor de sua vida bem ali. E sabia que poderia contar com ele pra tudo, tudo mesmo desta vez. Pedro era, verdadeiramente, seu porto seguro.
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Quando tudo acontece
RomanceAline e Clara são duas amigas que, aparentemente, têm uma boa vida. Aline tem o emprego perfeito, o apartamento perfeito e o namorado perfeito e Clara é uma chef de cozinha bem sucedida que vive para o trabalho e esconde alguns detalhes de seu passa...