Capítulo 15

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Capítulo 15

Clara estava largada no sofá e devorava um enorme pote de Nutella. Não conseguia parar de pensar em Gian e em sua viagem para Grécia. Aquilo não estava certo. Na verdade, nada naquele relacionamento parecia certo. Clara evitava pensar assim, na maioria das vezes. O que sentia por Gian falava mais alto, mas a situação já estava ficando insustentável. Aquilo contrastava com tudo o que ela era. Estava sendo hipócrita. Precisava tomar uma decisão. Era nisso que pensava, quando Aline entrou no apartamento.
- Ainda acordada? – Aline perguntou, quando viu a amiga no sofá. Clara observou o rosto de Aline e logo soube que algo estava errado.
- Clara... – Aline suspirou e sentou-se ao lado da amiga. Ela pegou o pote de Nutella e comeu uma colher cheia. E então contou aonde estava nas últimas horas. Clara ouviu tudo em silêncio.
- Puta que pariu, Aline! Eu não acredito que você fez isso! – Hipócrita, hipócrita, hipócrita, uma vozinha irritante repetia no fundo de sua mente.
- Clara, eu não estava raciocinando direito! Eu precisava dele... Eu... Eu achei que pudesse consertar as coisas! Achei que, talvez, precisássemos de um tempo juntos.
- Espero que agora você tenha entendido que aquele cara não merece nada que venha de você. Ele não presta.
Aline apertou os olhos em direção a amiga.
- Por que você está falando assim?
- Assim como? Eu to falando a verdade! O Márcio nunca foi um cara legal, e no fundo você sabia. Mas queria transformá-lo no namorado perfeito.
- Eu não acredito que você ta falando isso. Você não simplesmente não pode. Afinal, a vadia aqui não sou eu.
Clara sentiu como se tivesse levado um tapa na cara. Por um segundo ela ficou sem reação. Será que Aline sabia? Não... Ela e Gian sempre foram super cuidadosos. Nem Aline sabia de seu segredo.
- Vadia? – Clara repetiu, sentindo a voz falhar.
- Não sou eu quem não consegue ficar sem homem. Que eu me lembre, desde o primeiro semestre de faculdade você coleciona conquistas.
A garganta de Clara queimava com as lágrimas se anunciando. Mas ela não iria chorar. Não na frente de Aline, ao menos.
- Eu vou fingir que não ouvi isso – Clara disse, quase que num sussurro. Ela levantou e pegou a bolsa em cima da mesinha de centro – Eu vou acreditar que são os hormônios, que é culpa da gravidez. Eu só não vou acreditar que você falou essas coisas pra mim.
Clara bateu a porta e desceu pelas escadas.
Assim que chegou ao carro, a primeira pessoa que lhe cruzou a mente foi Pedro. Mas Clara não iria procurá-lo. Jamais. Até porque, ele quem começara toda aquela confusão num domingo que tinha tudo para ser entediante. E também porque já eram quase quatro da manhã. Clara dirigia lentamente, ainda repassando os últimos acontecimentos da noite na cabeça: Pedro, Gian, Aline.
Com certeza ouvir aquelas palavras da melhor amiga tinha sido o pior acontecimento da noite. Nem mesmo a frieza de Gian chegava perto da maldade que havia nas palavras de Aline.
Clara estacionou em frente à casa de Fred e logo estava tocando a campainha. Quando já estava pensando em desistir, a porta se abriu, revelando um Fred sonolento e envolto em um roupão de oncinha.
- Que porra aconteceu agora? – Ele perguntou, bocejando e dando espaço para que Clara entrasse.
- O que aconteceu? – Ouviram Leandro perguntar do alto da escada, assim que chegaram na sala.
- Nada, amor – Fred tranquilizou o namorado – Só a Clarinha tendo uma de suas crises – Fred sorriu diante do olhar de Clara.
- Boa sorte então! - Leandro riu e voltou para o quarto arrastando os chinelos.
- Meu domingo foi uma merda! – Clara se pronunciou, largando-se no sofá ao lado de Fred.
- Meu amor, normalmente você não gosta de domingos. Você não podia esperar até um horário decente para vir reclamar? – Fred massageava as têmporas.
- Fred... – Clara o censurou e só então ele entendeu que era sério. Então ela lhe contou todos os acontecimentos do dia. E, assim como Clara, Fred também ficou chocado com os comentários de Aline.
- Eu não acredito que ela falou isso!
Clara já tinha os olhos marejados, o que só realçava o azul de suas íris.
- Ah, Clarinha... – Fred a aninhou nos braços – Chora. Chora mesmo. Chora tudo o que você tem pra chorar. Às vezes é a única coisa que podemos fazer.
E foi o que Clara fez. Chorou todas as angustias que estava guardando dentro de si.
Fred conhecia a amiga, sabia que Clara se fazia de forte e na maioria das vezes era, mas às vezes precisava desabafar.
A vida fez com que ela fosse forte.
Clara perdera os pais com apenas cinco anos. Uma noite chuvosa, a pista estava escorregadia. Seu pai perdeu o controle do carro e a batia foi fatal. Clara não estava no carro. Estava na casa de sua tia, Madalena. E permaneceu com a por tia muitos anos depois. Tia Madalena sempre fora uma mulher independente, de espírito livre: nunca estava em casa, sempre viajando ao redor do mundo.
Clara aprendeu a se virar sozinha desde muito cedo e era assim que ela se sentia: sozinha.
Aos quinze, fez sua primeira tatuagem. Asas de anjo nas omoplatas. E foi no estúdio de tatuagem que ela conheceu Samuel. Dois anos mais velho e skatista, com profundos olhos castanhos e cabelo cacheado, bem cheio. As tatuagens em seus braços atraiam Clara. Desde aquele dia os dois se tornaram inseparáveis e logo uma paixão arrebatadora surgiu. Aos dezessete, estava noiva. E sabia que jamais seria tão feliz quanto era com Samuel. Mas não era isso o que o destino queria para ela. Meses antes do casamento, Samuel foi encontrado morto na piscina da casa de um amigo, onde ele e Clara participaram de uma festa.
Clara realmente chegou a pensar que nunca mais voltaria a sorrir, mas ainda tinha Aline e Fred para lhe dar apoio e, se não fosse por eles, talvez ela não teria saído da depressão profunda dos meses de luto por Samuel.
Aos dezenove, Clara entrou na faculdade para cursar Gastronomia, seu talento e paixão desde criança, e resolveu que jamais se apegaria a qualquer outro homem. Beijou todos os seus colegas de sala, logo no primeiro semestre. E constatou o que já sabia: nenhum jamais seria como Samuel.
Até que conheceu Gian. E uma faísca de esperança surgiu dentro dela novamente.
E Aline sabia de tudo isso... De todas as dores pelas quais Clara já havia passado.
Clara suspirou nos braços de Fred.
- Vem, vamos tirar um cochilo antes de trabalhar...

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