Capítulo 46

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Capítulo 46

Quando Aline saiu da casa de Fred, já estava escuro. Ele insistiu para que ela não dirigisse, mas ela lhe assegurou que estava bem. Bem para dirigir até sua casa.
Quando ela finalmente parou de chorar, Fred tentou lhe acalmar. Afinal, ele mesmo já havia presenciado inúmeras brigas das duas ao longo dos anos.
- Normalmente eu faria algum plano infalível pra você se reconciliarem logo – Fred disse, pondo uma mecha de cabelo atrás da orelha dela – Mas nesta ocasião eu prefiro me manter neutro. Não porque eu não acredite que vocês têm conserto, mas porque acho que um tempinho para por as ideias no lugar também é muito bom.
Aline estacionou o carro em frente a sua padaria preferida. Ela entrou e foi direto até a vitrine de doces e quando foi atendida pediu 500g de carolina. Estava saindo da padaria quando encontrou Márcio, que estava entrando.
Por um instante, os dois ficaram imóveis.
- Desculpa – Márcio sussurrou e deu um passo pro lado, para que o outro cliente pudesse entrar na padaria.
- Você ta bem? – Márcio perguntou, analisando seu rosto. Aline estava com os olhos bem vermelhos e inchados, por chorar tanto. – Ta sentindo alguma coisa? – Márcio fez menção de segurar em seu braço, mas ela deu um passo pra trás.
- Eu to bem – Aline fungou e levantou o queixo, tentando parecer firme.
Márcio mordeu o lábio, olhando de seu rosto para sua barriga.
- Será que... Será que a gente podia tomar um café? Conversar um pouco? Da pra perceber que você não ta bem, Li. Foi aquele cara? Ele te fez algo?
- Caio não fez nada – Aline respondeu seca, já sentindo as lágrimas chegarem aos olhos.
- Vamos... – Márcio insistiu. Ele enfiou as mãos no bolso e maneou a cabeça em direção à cafeteria que havia dentro da padaria – Apenas um café...
Aline não falou nada, mas voltou para dentro da padaria e foi em direção à cafeteria, sentando-se a uma das mesas. Sentia Márcio em seu encalço.
A parte de seu cérebro que não estava nebulosa e conseguia pensar, a mandava ir embora imediatamente. Caio já esperava por ela. Caio... O que ela estava fazendo?
Uma garçonete veio atendê-los. Márcio pediu um café preto e puro para si e um café com leite e açúcar para Aline.
- Acertei, não? – Ele esboçou um sorriso, que morreu porque Aline não lhe retribuiu.
- O que você quer? – Aline perguntou. Ela abriu o pacote de carolina e pegou uma. – Você estava me seguindo?
- O que? Não! Nem sabia que você estava aqui – Márcio disse, na defensiva.
Aline ficou quieta, continuou comendo seu doce. A garçonete trouxe seus pedidos e Márcio tomou um gole de seu café.
- Me conta o que aconteceu? Você andou chorando...
Aline engoliu a terceira carolina e suspirou. Ela contou que havia brigado com Clara, mas omitiu o motivo.
- Bobagem – Márcio abanou o ar – Logo vocês voltam a se falar.
Todos pareciam tão certos disso. Por que ela não sentia o mesmo?
- Eu a magoei... Magoei de verdade. – Aline pousou sua xícara na mesa e, sem conseguir conter, as lágrimas voltaram.
Sem aviso, Márcio pulou para a cadeira ao seu lado. Com uma mão ele limpava suas lágrimas e a outra cobria a dela.
A parte racional do cérebro de Aline estava xingando-a agora por deixar aquele sujeito tocá-la.
- Ei... Ei, não precisa ficar assim. Seja lá o que for, vocês vão se resolver. – Aline deixou que Márcio a consolasse.
Talvez Clara estivesse certa. Talvez ela gostasse mesmo de receber atenção.
Logo o choro cessou e Aline se afastou de Márcio para terminar seu café com leite. Ele pareceu entender o recado e voltou para o seu lugar inicial.
- Olha... Minha mãe me contou sobre o almoço de vocês – Márcio começou – E eu peço desculpas pela indiscrição dela – Aline erguei as sobrancelhas com o pedido de desculpas dele – Mas você não pode negar que ela está certa, Li...
- Não começa, Márcio. Por favor. Hoje eu não to com cabeça para os seus joguinhos mentais... – Aline suspirou, voltando ao seu pacote de doces.
- Tudo bem... Você ta certa. Não precisamos conversar sobre isso agora. Eu só queria que você soubesse que eu gostaria de ser mais presente, sabe? – Márcio deu de ombros, brincando com a xícara agora vazia – Mais presente na vida do meu filho.
- Filha – Aline corrigiu, automaticamente. E então se arrependeu.
- Filha? – Márcio baixou o olhar para sua barriga, como se pudesse confirmar que Aline esperava uma menina – É uma menina?
Aline apenas confirmou com a cabeça. Ela olhou para Márcio e não sabia ler a expressão em seus olhos: surpresa, talvez?
- Uau... – Foi tudo o que ele disse, espalmando as mãos no tampo da mesa.
Aline deu um suspiro cansado. O que estava fazendo ali, realmente? Já deveria estar em casa. Era tarde e ela precisava estar cedo na redação da revista, no dia seguinte.
Ela levantou-se e Márcio fez o mesmo.
- Eu preciso ir...
- Aline, por favor.
- Não, Márcio. Não. Eu já falei tudo o que precisava falar para sua mãe. Por favor, não me procure mais.
Aline pegou sua bolsa e seu pacote de doce e saiu da padaria. Ela dirigiu no piloto automático e quando percebeu, já estava entrando no apartamento.
- Onde você estava? – Caio perguntou, assim que ela entrou. – Você não me atendia, nem respondia as minhas mensagens. Fiquei preocupado.
- Acho que minha bateria acabou.
Caio se aproximou, examinando seu rosto.
- O que aconteceu? Você estava chorando?
Mais uma vez, Aline confirmou com a cabeça.
- O que aconteceu? – Caio repetiu a pergunta.
- Eu encontrei o Márcio – Aline disse de uma vez, não queria esconder aquilo.
- Foi ele quem te fez chorar?
- Não. Não... Estávamos tomando um café...
- Espera ai – Caio a interrompeu – Você estava ate agora com o Márcio?
- Sim, mas...
Caio a interrompeu novamente.
- Eu não acredito nisso, Aline. – Caio cruzou os braços.
Aline sentia-se exausta. Não queria outra discussão. Só queria um banho e sua cama. Queria que aquele dia terminasse logo. Queria que Caio a pegasse nos braços e fosse com ela para a cama. Queria que ele mexesse em seu cabelo até ela dormir.
Mas não foi isso o que aconteceu porque, depois de pedir para que conversassem sobre o ocorrido na manhã seguinte, Caio foi dormir no quarto de hóspedes.

Quando Clara chegou em seu apartamento, Pedro já estava lá. Ele estava sentado na rede na varanda e dedilhava algo no violão. Ela largou a bolsa em cima do sofá e se juntou ao namorado na rede.
- Como foi? – Clara disparou, assim que sentou ao lado dele.
Pedro deixou o vilão no colo e franziu o cenho, observando o rosto dela.
- Por que você estava chorando?
Clara suspirou. Ela até achou que Pedro não repararia nos seus olhos, estava enganada.
- Podemos conversar sobre isso depois? Eu passei o dia todo querendo estar do seu lado – Ela confessou e Pedro sorriu, entrelaçando seus dedos com os dela.
Então ele começou a contar sobre o almoço que ele e os irmãos tivera com o pai. O choque inicial foi grande, para os quatro, afinal não se viam há muitos e muitos anos. Estavam bem desconfortáveis e não sabiam como agir. Mas Rafael foi logo cortando as cordialidades e exigiu saber porque o pai os abandonara. Incrivelmente ele não se alterou durante todo o almoço.
- A resposta dele não foi muito convincente... – Pedro deu de ombros. Ele mantinha seus dedos entrelaçados com o de Clara, porém fitava a noite escura e estrelada. – Pelo o que me parece, nem ele mesmo sabe porque resolveu ir embora de uma hora para outra. Ele disse que precisava. Que não estava sendo um bom pai e nem um bom marido. Pensou que ficaríamos bem melhores sozinhos. E ficamos, não? – Pedro lhe deu um sorriso desanimado, apertandando-lhe a mão rapidamente.
- E como você está, de verdade? – Clara se aproximou, apoiando seu queixo no ombro dele. Conseguia sentir que, de alguma forma, Pedro estava decepcionado.
- De certa forma, não foi como eu esperava. É claro que ele nos implorou perdão. Disse que foi o pior erro que cometeu na vida. E foi isso que eu sempre quis ouvir em todos esses anos. Mas... – Pedro faz uma pausa. Seus olhos estavam cansados, porém refletiam o brilho da noite. – Não sei se eu queria que fosse de outra forma. Pode não fazer sentido, mas o que ele fez nos tornou quem somos hoje: unidos. Passamos por muita coisa ruim, mas sempre estávamos juntos e as dificuldades só nos fortaleceram. Sei lá, acho que eu estava esperando encontrar um babaca, ai seria mais fácil continuar ignorando sua existência... – Pedro suspirou, fechando os olhos, sentindo Clara brincar com os fios de cabelo de sua nuca.
- Faz sentindo sim, Pê. O fantasma da péssima escolha dele vai continuar com vocês por muito tempo, talvez até mesmo pra sempre. E embora não tenha sido como você esperava, eu acho que foi bem melhor, não é?
Pedro concordou com a cabeça. Por alguns minutos, eles ficaram em silêncio. Clara agora estava aninhada em seus braços e Pedro balançava a rede preguiçosamente.
- Nós não perguntamos o que ele fez em todos esses anos, pra onde foi, se tem uma outra família... E sinceramente eu não quero saber. Ele disse que ta se mudando pra cidade, que vai ficar de vez por aqui.
- Então ele quer mesmo voltar a fazer parte da vida de vocês...
- Parece que sim – Pedro puxou Clara pra mais perto – Agora me diz porque você ta com essa carinha.
Clara contou sobre a briga com Aline, e não omitiu nenhum detalhe. Não era preciso. Pedro se tornara seu melhor amigo e agora aquela música do Tribalhistas deixara de soar clichê: seu melhor amigo era seu amor.
A segurança e conforto que Pedro lhe transmitia eram uma das melhores sensações do mundo. Clara sentia que podia contar tudo pra ele, pois ele não a julgava. Ele a entendia. E lá estava ele, secando aquelas lágrimas teimosas que ela jamais pensou que derramaria em sua presença quando se conheceram.
- Vai ficar tudo bem, e eu sei que você também sabe disso. Você mais do que ninguém sabe que o melhor remédio é dar tempo ao tempo, meu amor... – Pedro dizia, enquanto limpava as últimas lágrimas dela. E ela sabia mesmo que ele estava certo.
Tudo ficaria bem. Clara apenas não tinha mais certeza do que "bem" significaria.


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