Capítulo 60

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Capítulo 60

O clima entre Clara e Pedro não era dos melhores. Ela sabia que o havia magoado, mas realmente não queria dividir aquela parte de sua vida com ele. Sabia que Pedro se preocuparia e ele estava passando por tanta coisa, a morte da mãe ainda estava recente. Ele passava cada vez mais tempo com os irmãos e o pai e Clara não precisava tirar isso dele.
Aline e Caio estavam dando uma pequena festa natalina, iriam apresentar a pequena Ana Julia aos amigos e familiares e Clara e Pedro estavam a caminho.
- Você está bem? – Era a quinta vez que Pedro fazia a mesma pergunta. Clara já estava perdendo a paciência.
- Eu não to chapada, se é isso que você quer saber.
Pedro engoliu em seco.
- O Fred me contou do incidente na adega...
- Incidente? O Fred tem que aprender a cuidar da própria vida.
- Clara, a gente se importa com você. Poxa, a gente te ama.
Ela suspirou alto, virando-se para ele.
- Olha, Pedro. Eu to bem. Ta legal? E to ficando cansada dessa preocupação exagerada e desnecessária. Você sabe que eu odeio isso – Sua voz falhou, mas ela tentou se manter firme.
Pedro estacionou o carro e os dois saltaram.
- Vamos apenas curtir a festa, tudo bem? – Ela pediu, entrelaçando suas mãos com as dele.
Clara ficou na ponta dos pés e lhe deu um selinho.

- Até que enfim vocês chegaram! – Aline disse e antes mesmo que eles pudessem falar alguma coisa, ela deu Ana Julia pra Clara segurar. – Eu ainda preciso arrumar a mesa.
Clara e Pedro entraram no apartamento, os dois encantados com a bebê que usava um vestido vermelho e bem natalino.
- Hum, Li? Não é melhor você cuidar da Aninha e eu arrumo a mesa? – Clara sugeriu.
- Eu fico com ela – Pedro disse e esticou os braços para que Clara lhe passasse a criança – Vocês podem arrumar a mesa. Onde está o Caio?
- Ele ta no escritório. Seria maravilhoso se você conseguisse tirá-lo de lá, Pedro! – Aline pediu.
Clara se aproximou dela e segurou suas mãos.
- Ei, calma. Ta? Você sempre fica tão nervosa em ocasiões especiais que eu tenho vontade de te dar um tapa na cara!
Aline deu um passo para atrás. Conhecendo a amiga, sabia que Clara seria capaz de usar desse artifício para "acalmá-la."
- Os pais e os irmãos do Caio estão vindo – Aline disse, em tom de confissão.
- Eu pensei que a mãe dele te adorasse agora...
- Sim, bem... Eu acho! Mas, de qualquer forma, aquela mulher ainda me deixa nervosa.
- Relaxa, vai dar tudo certo – Clara sorriu e as duas começaram a arrumar a mesa principal, com todas as delícias que Clara e Pedro haviam preparado horas antes.
Assim que elas terminaram de arrumar a mesa, Pedro e Caio resolveram sair do escritório. Caio segurava Ana Julia e Clara percebeu a cara de boba que a cena conferia para Aline. Pedro estava terminando de colocar algumas bebidas para gelar quando os primeiros convidados começaram a chegar. Fred era um deles. Desde o incidente na adega, Clara vinha evitando ficar sozinha com ele. A casa estava ficando cheia então, talvez, ela conseguisse prolongar esse efeito.
Logo os pais de Caio chegaram, acompanhados de seus irmãos gêmeos, Camila e Diego. O rapaz era bem parecido com a mãe e a garota puxara mais a Caio e ao pai. Aline os cumprimentou e foi apresenta-los para sua família, que estavam sentados em uma mesa perto da sacada.
A festa corria bem, todos estavam encantados com a bebê e Aline podia, finalmente, respirar aliviada. Seus pais e os pais de Caio estavam se dando bem. Seu pai até estava marcando uma viagem de pesca com o pai de Caio e isso era um alivio.
Ela foi até a cozinha pegar um pouco de suco gelado para si, quando percebeu que Caio também não estava com a bebê nos braços. Talvez ele a tivesse colocado para dormir. Aline largou o copo e foi até o quarto da filha, mas o berço estava vazio.
Ela voltou apressada para a sala e foi até Caio.
- Com licença – Ela pediu, puxando Caio da conversa com seus colegas de trabalho. – Onde está a Ana?
Caio girou nos calcanhares, olhando pela sala. Seu olhar corria por todos e isso bastou para que Aline entendesse que ele também não sabia onde estava a filha.
- Caio... – Ela segurou seus braços – Com quem ela estava?
- E-eu – Ele gaguejou, ajeitando os óculos pela ponte do nariz – Eu a vi com o meu irmão.
Os dois foram até Daniel, que estava pegando uma bebida.
- Dani, cadê a Ana? – Caio perguntou.
Daniel tomou um longo gole de champanhe, passando os olhos pelas pessoas na sala.
- Eu a entreguei pra um cara... – Ele passou a mão pelo cabelo.
- Qual cara? – Aline perguntou – Você o conhecia?
- Ahn, na verdade, não...
- Como ele era?
- Hum... Mais ou menos da altura do Caio. Cabelo preto meio cacheado e tava usando uma camisa social roxa.
Era Márcio. Só podia ser. Cabelo cacheado e camisa social roxa. Mas Aline não o havia convidado. O que ele estava fazendo lá?
Ela e Caio se entreolharam, os dois com o mesmo pensamento.
- Eu não estou vendo ele – Caio falou entre dentes. Os dois já estavam andando pela sala.
Ao ver a agitação dos dois, Clara se aproximou.
- Aconteceu alguma coisa?
- O Márcio – Aline disse com os olhos já marejados – Ele apareceu aqui e pegou a Aninha.
- Como assim?!
- Caio, eu vou descer pra ver se o encontro. É melhor você ficar aqui, não quero que ninguém desconfie – Aline disse. Ela mordia o canto da unha, gesto que fazia quando estava muito nervosa.
- Não, eu vou com você.
- Aline ta certa, Caio – Clara disse – Você fica aqui e eu vou com ela.
Contrariado, Caio ficou e as duas saíram sem ser paradas por ninguém. O elevador pareceu levar uma eternidade para chegar e assim que as portas se abriram no térreo, Aline correu até a guarita.
- Você deixou um homem de camisa social roxa subir?! – Ela perguntou para o porteiro. Era um rapaz novo, Aline não se lembrava o nome dele.
- Deixei sim, ele falou que estava indo pra festa da senhora. – Vendo a agitação de Aline, o rapaz completou – Ele desceu há alguns minutos, foi para o playground. Tava com uma neném.
Aline e Clara correram até o playground que ficava na parte de trás do prédio. Márcio estava sentado em um dos bancos de madeira e Ana Julia dormia tranquilamente em seus braços. Ao ver as duas ele levantou, alarmado. Aline correu até ele e pegou sua filha.
- Qual é o seu problema?! – Clara gritou e o empurrou. O empurrão foi tão forte que Márcio cambaleou e caiu para trás.
Ele levantou-se, o olhar correndo de Aline para Clara.
- Ela é minha filha, Clara. Mas acho que você se esqueceu disso.
- Bom, você se esqueceu quando a Aline descobriu que estava grávida!
- Para! Os dois, parem com isso! – Aline não tirava os olhos de Márcio. – Clara, leva ela lá pra cima, por favor. Eu já vou subir.
Clara pegou a afilhada e, depois de um olhar de total desprezo para Márcio, ela saiu, deixando os dois sozinhos no playground.
- Márcio, você não pode fazer isso! Quase me matou de preocupação. Você nem devia estar aqui! – Aline começou. Ela andava de um lado para o outro e acabou mordendo o canto da unha com tanta força que a pele agora estava machucada.
- Eu não achei que não pudesse ver a minha filha – Márcio disse entre dentes.
- Você não me avisou que ia aparecer. Nem que estava levando ela! Merda! – Aline passou as mãos pelo cabelo e então parou na frente dele – A gente ta dando uma festa de Natal, Márcio. E você ta estragando isso.
Com certeza ele soube da festa pela conta do Facebook de sua mãe. Aline ainda mantinha a amizade com a ex sogra na rede social, mas talvez agora devesse excluí-la.
- Ah, eu percebi. Você brincando de casinha com aquele cosplay de Clark Kent, bancando a esposa perfeita! – Márcio gritou a última parte e Aline deu um passo para trás. – Isso... Isso não está certo, Aline. Você não percebe?! – Márcio engoliu em seco, balançando a cabeça - Era pra ser a nossa vida, a nossa família.
- NÃO! – Aline gritou e se aproximou dele. O dedo em riste apontando para o rosto dele – Não era! Você não quis isso, Márcio. Você fez a sua escolha. Você escolheu viver sua carreira, sua vida. Sem mim e principalmente sem minha filha!
- Eu te amo!
Quando Aline percebeu, sua mão já havia acertado a bochecha de Márcio deixando ali uma enorme marca vermelha. Os dois se surpreenderam com a atitude. Aline segurava o choro.
- Não... – Ela disse, quase que num sussurro. – Você não me ama. Você não me quer. Você quer apenas ter o controle da situação. Pois eu tenho uma novidade pra você, Márcio: você não me controla mais.
Márcio massageava a bochecha que começava a arder. Ele balançava a cabeça, os olhos fixos nos olhos de Aline.
- Você não pode me impedir de ver minha filha.
- Eu nunca disse que faria isso! – Ela jogou as mãos pra cima. – Mas que merda! Eu ia combinar com você para irmos até a casa dos seus pais com a bebê.
- Ia mesmo?
Aline suspirou, cansada. Ela jogou-se no banco de madeira e Márcio ficou em pé na sua frente.
Aline balançou a cabeça, positivamente.
- Sim, eu ia. – Ela olhou para Márcio – Mas agora... Depois dessa situação toda. O Caio vai querer envolver advogados nisso!
- Ele não tem nada a ver com isso, Aline!
- Ele é meu noivo, Márcio! E se ele ainda não veio atrás de mim, foi porque a Clara deve ter inventado alguma história para segurá-lo lá em cima.
Márcio sentou-se ao seu lado. Por alguns instantes eles permaneceram em silêncio, apenas escutando o som de suas respirações voltando ao normal.
- Me desculpa por isso... – Márcio disse, baixinho. Aline olhou para ele. Sua expressão era vazia, os lábios estavam pressionados em um linha. – Eu não estava pensando direito, acho que perdi a cabeça. Eu sabia da festa e quando percebi, já estava aqui. Disse para o porteiro que iria subir e ele deixou – Márcio deu de ombros – Quando eu cheguei no apartamento, você estava com ele. Tão linda, tão feliz... – Aline usava um vestido verde escuro e frente única. O mesmo vestido que usara na última festa de Natal que passara com Márcio. Estranho ela não ter se lembrado disso quando estava escolhendo a roupa. – Eu não pensei em mais nada. A bebê estava no colo de um rapaz, deve ser irmão do Caio. Eu disse que era seu amigo do trabalho e ele a passou pra mim. – Márcio virou-se para Aline – Você precisa acreditar em mim, eu jamais faria algum mal a ela. Apenas queria ficar um pouco com ela, sabe? Você acredita em mim, Aline?
Ela mordeu o lábio, mas balançou a cabeça positivamente. Aline sabia que Márcio seria incapaz de fazer algum mal à filha. Porém, na situação em que se encontravam, ele não podia simplesmente aparecer e levar a bebê sem dizer nada.
- Você não pode mais fazer isso. Você precisa me avisar quando quiser aparecer pra vê-la. – Aline conseguiu engolir o choro.
Eles ficaram mais algum tempo em silêncio. A noite estava estrelada e a brisa disfarçava o calor do começo de dezembro.
- Você precisa ir – Aline disse, levantando-se.
- Me perdoa. – Ela ouvir Márcio dizer, mas já estava longe e não olhou para trás. 

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