Capítulo 25

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Capítulo 25

- Italiano, hã? – Clara disse. Eles já estavam de volta à fazenda do Chef Millano. Alguns já tinham ido para o quarto, outros estavam explorando a propriedade. Pedro e Clara estavam no segundo grupo. Caminhavam pelo jardim da entrada da fazenda.
- Sim... Meu pai é italiano – Ele deu de ombros e então os dois sentaram-se na grama aparada. – Ele só falava comigo e com meus irmãos em italiano.
- Você tem irmãos?
- Tenho dois, sou o mais velho.
Clara percebeu que Pedro estava meio relutante em falar daquela parte de sua vida. Estava prestes a dizer que não precisavam falar sobre aquilo, mas Pedro continuou.
- Eu sou o mais velho, tenho 28. O Rafael tem 25 e o Bernardo tem 20. Meu pai foi embora quando eu tinha 13 anos. Minha mãe é enfermeira, então ela pegava vários plantões no hospital pra poder tirar uma grana extra. Eu tive que aprender a me virar: pegava os livros de receita da minha avó paterna e fazia comida. Errava mais do que acertava, mas pelo menos comíamos alguma coisa. Minha mãe chegava em casa muito cansada, então isso já ajudava bastante – Pedro pegou um punhado de grama entre os dedos, o olhar estava longe – Continuei a ensinar italiano para os meu irmãos. O Rafael não gostava muito, ele não entendia que o nosso pai não ia voltar. O Bernardo chorava todas as noites, ele era muito pequenininho, muito apegado ao pai... – Pedro fez uma pausa. Clara achou que ele tinha acabado. Ela se aproximou dele e ele continuou – Quando eu fiz 15 anos, arranjei um emprego numa pizzaria perto da minha casa. O pizzaiolo era amigo da família e sabia da nossa situação. Então ele me ensinou tudo o que sabia, e não apenas a arte de fazer pizza, mas todas as receitas dele. Ele era ótimo! Foi nessa época que eu conheci o Renato e o Vinicius também, e a gente se interessou por música. Começamos a tocar, mas eu nunca pude me dedicar só a banda. Sempre estava trabalhando, em vários restaurantes ao mesmo tempo. Tudo pra ajudar em casa, ajudar a minha mãe. Logo meus irmãos também começaram a ajudar e tudo ficou bem. Minha mãe é a mulher mais forte que eu conheço. Passou por tanta coisa e nunca tirou o sorriso do rosto. Quando eu tive certeza de que eles estavam bem e confortáveis, saí de casa. – Ele olhou pra Clara e sorriu, mesmo estando com os olhos marejados. – E você? Qual a sua história? – Pedro encostou seu ombro no dela.
Clara respirou fundo. Pedro havia dividido uma parte muito dolorida de sua vida com ela. Embora ela mesma não gostasse de contar sua história para as pessoas, sentia que ele entenderia. Ela deitou de costas na grama, as mãos servindo de apoio para a cabeça. Pedro fez o mesmo. A grama era fria, mas boa de sentir. Fitou as estrelas no céu, extremamente brilhantes.
- Quando eu tinha 5 anos, meus pais morreram num acidente de carro. O que ninguém sabe é que minha mãe estava grávida de uma menininha. Eu ia ter uma irmãzinha... – Clara mordeu o lábio e continuou – Então eu fui morar com a irmã da minha mãe, a tia Madalena. Mas ela sempre foi uma mulher livre, então nunca estava em casa. Eu também aprendi a me virar sozinha muito cedo... Comecei a fazer tatuagem aos 15 anos, minha tia autorizava. Achava ótimo eu me expressar através da arte – Clara riu pelo nariz – Então eu conheci o amor da minha vida. E com 17 anos eu já estava noiva. – Clara sentia os olhos de Pedro fixos nela – Mas ele morreu afogado, meses antes do casamento...- Clara balançava a cabeça, tentando não deixar aquelas lembranças dolorosas grudarem em seus pensamentos. - E se não fosse pela Aline e pelo Fred, eu estaria catatônica até hoje... Enfim! Dei a volta por cima: fiz a faculdade que sempre quis e abri o restaurante dos meus sonhos. – Clara olhou para Pedro. Eles estavam bem próximos, os ombros encostados. Ela sentia o calor dele em contraste com a grama fria – Minha filosofia de vida é: um passo de cada vez. Realmente da certo.
Ela sorriu e sentiu Pedro pegar sua mão, e ela deixou que ele entrelaçasse seus dedos.
- Um dia eu vou te apresentar pra minha mãe... – Pedro disse, depois de um instante em silêncio. Clara explodiu em risadas.
- Vai... Vai sim!
- E o seu namorado engomadinho?
- Hum... História pra outra noite! – Ela levantou em um pulo e bateu a grama do vestido. Pedro levantou e fez o mesmo com a calça jeans – Me leva até meu quarto?
- Com certeza, madame. – Pedro entrelaçou seu braço no dela e entraram na casa da fazenda.

O dia seguinte começou cedo: eles preparariam um café da manhã italiano. A refeição não era muito elaborada, basicamente consistia em alguma bebida quente e cornetto, um croissaint.
Chef Millano estava ensinando a fazer a massa e Clara já pensava no recheio do cornetto.
- Podemos rechear com Nutella – Ela sugeriu, passando os olhos pelos ingredientes de que dispunham.
- Nutella é muito óbvio. – Pedro rebateu enquanto preparava a massa. Clara via os músculos dele se contrairem por debaixo da camisa preta e teve de se concentrar em seus afazeres.
- O que você quer?
- Podemos fazer uma geleia de laranja.
Clara jamais admitiria, mas a ideia de Pedro era bem melhor que a sua. Sem dizer nada, ela pôs-se a fazer a geleia de laranja para rechear os cornetti.
Depois da aula no café da manhã, eles teriam o resto do dia livre. Pela primeira vez Clara pode aproveitar toda a maciez de sua enorme cama italiana. Estava quase pegando no sono, quando uma batida na porta a acordou.
- Oi? – Clara disse ao abrir a porta.
- Café da manhã atrasado – Pedro disse. Ele segurava uma cesta de piquenique, daquelas que só se vê em filmes.
- O que é isso?
- Vamos fazer um piquenique – Antes que Clara pudesse responder, Pedro a puxou para fora do quarto e fechou a porta.
- Você por acaso sabe se eu quero fazer um piquenique contigo?
- Clara. Você tem um dia de folga nessa cidade maravilhosa e ensolarada. Pelo o que percebi, você não se enturmou com ninguém. Então... – Pedro deu de ombros.
- Você também não se enturmou – Clara o seguia. Pedro parecia saber exatamente onde estavam indo.
- Aí que a senhorita se engana. Eu e Mahavir, o indiano, já somos parças. Até trocamos WhatsApp. – Pedro riu e Clara não conseguiu segurar o sorriso.
- Pra onde estamos indo? – Ela perguntou, percebendo que já haviam subido um bom pedaço da fazenda.
- Quase chegando...
E cinco minutos depois, lá estavam eles, no ponto mais alto da fazenda. Ali de cima era possível ver toda a propriedade do Chef Millano.
Pedro colocou a cesta no chão e de dentro dela tirou uma toalha xadrez vermelha e branca. Clara gargalhou alto.
- O que foi? – Pedro arrumava o piquenique deles. Tirou uma garrafa de suco de uva e copos plásticos, algumas frutas.
- Você não existe, né... – Clara sentou-se ao seu lado.
- Olha... – Então Pedro tirou de dentro da cesta alguns pãezinhos. – Cornetti di Nutella.
Clara agradeceu com um sorriso e por alguns instantes eles comeram em silêncio, mas não um silêncio incomodo. Era um silêncio tranquilo. Clara não podia negar que, depois da conversa da noite passada, agora via Pedro com outros olhos. Mais responsável, talvez até mais sério. A diferença de idade entre os dois era de apenas três anos, mas alguma coisa havia mudado. E Clara estava gostando dessa tal mudança.
- Estava conversando com o Chef e ele disse que teremos o último final de semana livre. Pensei em visitar a cidade, o que você acha?
- Ótimo! – Clara concordou – Vai ser muito bom.


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