Capítulo 65

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Capítulo 65

Ana Julia já estava com dois meses de vida e era a primeira vez que Aline a deixaria sozinha com Márcio. Ela iria visitar Clara e Márcio pedira a Aline para deixar a filha na casa de sua mãe.
- Eu não devo demorar, Dona Claudia – Aline dizia, pela décima vez – Qualquer coisa você pode me ligar, certo?
A ex sogra aninhava a netinha nos braços e a bebê dormia tranquilamente.
- Eu trouxe alguns brinquedinhos pra ela – Aline disse e antes que pudesse abrir a sacola, a mulher a interrompeu.
- Calma, menina. Eu criei dois filhos, lembra? Não é nada novo pra mim! - Claudia riu e Aline se sentiu mais aliviada. Sabia que sua preocupação era exagerada. Mas era mais forte do que ela. Apenas a sua mãe havia ficado sozinha com sua filha. Não que ela não confiasse na família do ex namorado, apenas não gostava de ficar tanto tempo longe de Ana Julia.
- Certo. Certo... Desculpa.
- Daqui a pouco o Márcio chega.
- Tudo bem, eu preciso ir agora. Mas vamos nos encontrar no shopping quando eu sair da clínica.
- Fique tranquila, Aline. – Claudia assentiu e Aline saiu.
Aline deu um beijinho na testa da filha e saiu. Pouco menos de uma hora depois ela estacionou em frente à clínica de reabilitação em que Clara estava internada.
O lugar consistia em um prédio baixo de tijolinhos vermelhos cercado por jardins bem cuidados. Aline entrou e se identificou. Ela já sabia onde era a sala de visitas, então não foi necessária companhia de uma das enfermeiras. Ela passou pelas portas duplas e foi até o final do corredor branco. A sala de visitas ficava à esquerda. Era um amplo espaço com várias mesas, cadeiras e poltronas e tinha saída para o jardim central da clínica. Aline foi até o jardim, sabia que Clara estaria lá. Encontrou a amiga sentada em um banco de madeira.
- Clarinha – Aline disse quando se aproximou.
- Oi, Li – Clara sorriu.
Aline sustentou o sorriso e se esforçou pra não demonstrar desconforto ao ver a aparência da amiga.
Clara usava camisa branca de algodão e calça cinza de moletom e nos pés um chinelo. Os cabelos escuros estavam presos em um rabo de cabelo frouxo e várias mechas escapavam, caindo pelo rosto. Ela estava visivelmente abatida. Os olhos tinham profundas olheiras e ela havia perdido peso.
- Como você está? – Clara perguntou e abraçou as pernas junto ao peito. Aline reparou que suas unhas estavam todas roídas. Clara nunca teve unhas grandes e nem podia, por causa da profissão, mas estavam bem estragadas.
- To bem! – Aline respondeu, piscando – E você? Ta se sentindo melhor?
- Eu to bem... – Clara deu de ombros e um sorriso triste surgiu em seus lábios – Sonhei com minha mãe. Ela me disse que vai ficar tudo bem – Os olhos de Clara encheram-se de lágrimas. Aline se aproximou e abraçou a amiga. Clara começou a chorar baixinho.
- Ei, ela estava certa. Vai mesmo ficar tudo bem! Você é tão forte... – Aline passava as mãos nas costas de Clara.
Logo Clara se acalmou. Ela respirou fundo e limpou o rosto.
- E como ta todo mundo? – Ela esboçou um sorriso.
Aline falou um pouco sobre todo mundo. Ela e Caio, sobre o restaurante e os funcionários, sobre Fred. Como não podia trazer Ana Julia para Clara vê-la, Aline mostrou várias fotos da bebê para Clara, que se derretia pela afilhada.
- Ahn... E ta tudo indo bem no restaurante, certo? – Clara começou, mas Aline sabia aonde ela queria chegar.
- O Pedro está morrendo de saudade de você, Clara. Ele te ama tanto...
Clara apertou os lábios em uma linha fina e, por um segundo, Aline achou que ela fosse chorar novamente.
- Sinto tanta falta dele... – Ela disse baixinho.
- Eu posso dizer para ele vir te visitar. Você só precisa autorizá-lo na recepção.
- Não. Não... É melhor assim. Olha o meu estado, Li – Clara abriu os braços – Olha o que fiz comigo mesma. Ele não merece me ver assim.
Aline não sabia o que sentir ao saber que Clara tinha consciência de seu estado. Ao menos estava lúcida. Não queria que a amiga ficasse fora de si.
Ao fim da visita, Aline se despediu com um abraço apertado.
- Eu volto semana que vem. Você ta indo muito bem – Ela disse e deu um beijo na testa de Clara, que sorriu.
Antes de ir, Aline passou na sala da psiquiatra que cuidava de Clara. A doutora lhe tranquilizou e afirmou que Clara estava no caminho certo.
Aline saiu da clínica mais tranquila. Sentia uma dor no coração toda vez que ia embora. Especialmente hoje, ao ver a amiga tão vulnerável como estava. Porém não mentia ao dizer que Clara era forte, porque era mesmo. Aline tinha duvidas quanto a deixar Clara sozinha na clínica. Falara com Fred sobre isso, mas ele disse que era necessário e a própria Clara sabia disso e tinha se internado por vontade própria. Fred e Aline eram os telefones de emergência que Clara havia cadastrado em sua ficha, então eles sempre falavam com sua psiquiatra. A doutora era uma mulher de meia idade, elegante e de olhos gentis, sempre tirava todas as duvidas de Aline e Fred e lhes informavam sobre o estado de Clara.
Saber que amiga estava progredindo lhe dava esperanças de que Clara fosse sair logo da clínica e retomar sua vida.
Aline dirigiu até o shopping e quando chegou Márcio já a esperava. Eles marcaram em um café. Márcio brincava com a filha que estava em cima da mesa deitada em sua cadeirinha especial, que parecia um cesto.
Antes de se aproximar Aline percebeu que todas as garçonetes do café estavam encantadas com a cena. Por mais que Caio soubesse que ela iria se encontrar com Márcio, uma parte dela tinha a sensação de que estava fazendo algo errado. Ela resolveu ignorar essa parte. Afinal, estava agindo de forma adulta e responsável. Ela não queria dificultar as visitar de Márcio à filha, não seria aquele tipo de mãe. Ela sorriu e entrou no café, sentando-se ao lado de Márcio.
- Oi – Eles disseram juntos e Ana Julia fez um barulho, como se aprovasse os dois juntos.
Márcio pediu um café para si e um suco de goiaba para Aline, acompanhado de minis pães de queijo.
Aline amamentou a bebê e ela logo dormiu. Ela tomava seu suco, quando Márcio resolveu revelar o motivo do encontro.
- Eu preciso te falar uma coisa... – Ele disse, terminando seu café.
- Sim?
- Lembra daquela viagem à Tailândia, que eu sempre quis fazer?
Aline assentiu.
- Eu embarco daqui dois dias.
- Então você já é presidente da empresa do seu pai? – Aline perguntou.
Afinal, era esse o plano de Márcio. Tornar-se presidente de empresa de seu pai e então ir à Tailândia para renovar as energias. Desde o começo do namoro Aline o ouvia falar disso. Na verdade, no dia em que se conheceram ele falou sobre isso. Ficaram juntos por oito meses e Aline nunca esteve inclusa nos planos de Márcio.
- Ahn... Não. Ainda não – Márcio mordeu um pedaço de pão de queijo. – Eu decidi que preciso de um tempo pra mim, sabe? Tentar me encontrar como pessoa, não como profissional...
Aline assentiu.
- Esse ano que passou foi realmente muito... conturbado – Márcio disse, sem ter certeza se estava usando a palavra certa – Eu não sei por quanto tempo vou ficar. Por favor, Aline. Não quero que você pense que estou fazendo isso porque quero fugir das minhas responsabilidades, porque não é. E eu quero e pretendo fazer parte da vida da Ana. Tantas coisas aconteceram que eu sinto que preciso me afastar um pouco.
Aline mordeu o lábio, assimilando o que ele falara. Márcio parecia sincero. Qualquer outra pessoa no lugar dela o julgaria, como ele disse. Mas Aline estava tão cansada de confusão. Ela mesmo havia decidido viver sua vida de forma pacífica e leve. Se Márcio precisava de um tempo então ele deveria ter esse tempo.
- Eu entendo – Ela disse, esboçando um sorriso – Às vezes é bom nos afastarmos de tudo. Colocar as ideias no lugar, né?
Márcio pegou sua mão por cima da mesa. O primeiro instinto de Aline foi se afastar, mas ela deixou que ele a segurasse.
- Você sabe, eu ainda te amo. Sei que errei e fiz uma puta bagunça na sua vida – Aline fez menção de falar algo, mas Márcio continuou – Eu não to te pedindo mais uma chance. Porque eu entendi que você não merece esse pouco que eu te dei. Você merece mais e isso é só com o Caio. Ele tem sorte em ter você.
Aline engoliu em seco. Ela tinha certeza de seus sentimentos. Amava Caio e amava de verdade. Mesmo que as coisas entre eles tenham acontecido de forma rápida, ela não tinha duvidas de que era com ele que dividiria o resto de sua vida.
Mas não conseguia ignorar a história que tivera com Márcio. Foi intenso, foi real. E quando ele a abandonou quando ela mais precisou ela sentiu uma dor tão forte que jamais pensou que sentiria. Aline havia feito uma escolha, mas isso não a impedia de se perguntar como seria se Márcio tivesse ficado ao seu lado.
- Eu espero que você encontre uma pessoa que te ame verdade, da mesma forma que eu amei. E espero que dessa vez você saiba como cuidar desse amor – Ela sorriu e sentiu Márcio apertar sua mão – Você é uma boa pessoa, Márcio. Eu sei que é. Mostre isso pro mundo, pra Tailândia! – Eles riram.
Eles conversaram mais um pouco. Márcio contou alguns detalhes e combinaram que, assim que ele se estabilizasse por lá, usariam o Skype pelo menos duas vezes por semana pra que ele acompanhasse o crescimento de Ana Julia.
- Boa sorte. – Aline disse quando eles chegaram ao estacionamento – Espero que dê tudo certo nessa nova fase da sua vida.
- Obrigado – Márcio sorriu e abraçou forte.
- Eu te perdôo. – Aline sussurrou.
Márcio lhe deu um beijo na testa e ela viu que seus olhos estavam lacrimejando. Ele deu mais um beijo na filha e então foi em direção ao seu carro.
Só quando ele sumiu de seu campo de vista foi que Aline percebeu que lágrimas escorriam, silenciosas, por seu rosto.
Enquanto ela dirigia, não conseguiu mais conter o choro. Aline sentia como se estivesse perdendo Márcio pela segunda vez, como se ele tivesse escolhido fugir do que ficar por perto. A parte sentada dela estava censurando e julgando todos esses pensamentos, afinal ela estava noiva de Caio. Ela o amava. Então por que sentia tanto a partida de Márcio?
Como se percebesse a tristeza da mãe, Ana Julia começou a chorar no banco de trás.
- Não, bebê... – Aline falava, tentando virar o corpo para trás e ainda assim prestar atenção na direção – Não chora, já vai passar!
Aline sentia as lágrimas rolarem e sua filha chorava cada vez mais alto. Ela parou em um semáforo e puxou o celular da bolsa, digitando rapidamente uma mensagem pra Caio. Ela avisou que iria passar na casa dos pais.
A bebê não parava de chorar e Aline não sabia qual era o motivo, seus soluços se misturavam com os de dela, que agora chorava por Márcio, por ela e por sua filha.
Ela não podia mais botar a culpa daquela mudança repentina de humor nos hormônios da gravidez, podia?
Aline estacionou o carro em frente a casa dos pais e assim que seu pai abriu a porta, ela entregou a neta para ele.
- Ela não para de chorar! – Aline fungou.
O pai conferiu a fralda da bebê.
- Ela precisa trocar a fralda... – Ele revirou os olhos e pegou a bolsa da bebê no ombro de Aline e sumiu pra dentro da casa.
Aline respirou fundo e foi atrás da mãe, a encontrou no quintal dos fundos regando suas plantas.
- Mãe... – Aline choramingou.
A mãe, assustada ao ver o estado da filha, largou o enorme regador de plástico no chão e foi ampará-la.
- Aline – Ela abraçou a filha – O que aconteceu?
- Mãe, eu sou uma péssima pessoa... – Aline fungou e então contou pra mãe sobre a decisão de Márcio.
Sua mãe lhe lançou um sorriso afetuoso. As duas estavam sentadas no banco de madeira rústica que seu pai havia feito anos antes.
- Você não é uma péssima pessoa por isso, minha filha. Você é jovem, é normal que tenha dúvidas e até curiosidade pra saber como sua vida teria sido com o Márcio. – Aline fez menção de falar algo, mas sua mãe levantou a mão e continuou – Não estou dizendo que você não ama o Caio. Sei que ama e você seria completamente insana se não amasse! – As duas riram, a mãe aproveitou e limpou as lágrimas do rosto de Aline – Mas acontece que você sempre gostou de ter a última palavra, não é? Sei que, no fundo, você gostava de ter o Márcio por perto, tentando voltar com você...
Aline ficou em silêncio e abaixou a cabeça, refletindo nas palavras de sua mãe. Então aquilo era puro ego? Pensando bem... De certa maneira era até gratificante saber que Márcio ainda sentia algo por ela.
E como se pudesse ler sua mente, sua mãe concluiu:
- Você gostava de saber que o tinha na mão, minha filha. Ele tomou uma decisão e, sinceramente, eu acho que isso vai ser bom pra vocês dois. Pra ele porque ele vai poder pensar em todos os erros que cometeu e tentar ser uma pessoa melhor, ele ainda pode melhorar. E pra você porque agora você vai poder focar na sua família. Agora você não é mais apenas Aline Loretto. Você é Aline Loretto, mãe da Ana Júlia e noiva do Caio. Você tem mais duas pessoas com quem se preocupar, duas pessoas que te ama infinitamente.
À essa altura, Aline já estava chorando novamente. Mas, dessa vez, eram lágrimas de alívio. Como era bom conversar com sua mãe. Ela era uma mulher tão sábia e serena.
- E, claro, - Sua mãe continuou – Você tem seus pais, que nunca, nunquinha vão te abandonar.
Aline abraçou sua mãe e desejou poder ficar ali até tudo passar. Infelizmente, ela não podia.
Depois de um cafezinho com bolo, que sua mãe fez questão que ela aceitasse, Aline se despediu dos pais com abraços apertados, pegou a filha que agora dormia tranquilamente, e foi para casa.
Assim que abriu a porta do apartamento, Aline ouviu que alguma música do Aerosmith tocava. Ela entrou e se deparou com Caio. Ele estava na cozinha. Usava avental sem camisa e estava concentrado em uma receita, enquanto cantarolava a música.
Naquele momento o coração de Aline encheu-se de algo de um sentimento quente e ao mesmo tempo eufórico.
Aquilo só podia ser amor...

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