Capítulo 16
Aline não conseguiu pregar os olhos desde que Clara saíra de casa. Sabia que estava errada. Dissera aquelas palavras apenas para atingir a amiga, pois estava com uma raiva descontrolada de sua própria sorte. Sentia-se uma péssima pessoa por usar das fraquezas de alguém para se sentir melhor. Uma péssima amiga.
Passou as horas seguintes excluindo todas as fotos dela e Márcio de todas as suas redes sociais, depois de bloqueá-lo das mesmas. Estava determinada a esquecer aquele imbecil e tinha de começar de algum lugar.
Quando percebeu que o dia estava clareando, foi até a cozinha e fez um chá. Estava na varanda observando a cidade lá embaixo ficar cada vez mais movimentada com o início de um novo dia, quando ouviu o alerta de mensagem de seu celular.
Aline congelou quando viu que a mensagem era de Caio:
Bom dia, Aline. Desculpe incomodá-la tão cedo, mas gostaria de avisá-la que estou embarcando para Londres a negócios.
Sei que nosso último encontro não terminou de uma forma muito confortavel, pelo menos para mim, mas quero que saiba que gostaria de vê-la outra vez. Devo voltar no início da semana que vem.
De qualquer forma, me desculpe se fiz ou disse algo que a incomodou.
Beijos e até logo (:
Aline releu a mensagem cinco vezes antes de responder. Aquele homem, que usava a gramática tão corretamente, mexia com ela. Isso era fato. E Aline se punia por isso. Uma parte dela pensava que, de alguma maneira, estava traindo Márcio, ou a memória dele. Não fazia sentido, e a outra parte dela sabia disso. Márcio havia deixado muito claro que não existia espaço para Aline e para o bebê em sua vida. Então, ela seguiria em frente:
Bom dia, Caio. Quem deve desculpas aqui sou eu. Praticamente saí correndo do seu carro... Então, desculpa! E você não fez nada, eu apenas não estava em um dia bom.
Enfim! Também gostaria muito de te ver quando voltar. Tenha uma boa viagem. Beijos!
P.S.: Você nunca incomoda (:
Mais uma vez, Aline releu o que escrevera mas enviou. Respirou fundo, estava certa do que fazia. Iria se encontrar com Caio quando ele retornasse de Londres e seria totalmente sincera com ele. Estava ansiosa por saber o que o destino lhe reservava.
Aline voltou para a cozinha e estava preparando um sanduíche, quando Clara abriu a porta.
- Clara! – Aline a chamou, assim que a amiga entrou.
- Não, Aline. Agora não. Vou trabalhar. – E dito isso, Clara foi direto para seu quarto.
Aline engoliu em seco. Sabia que ainda era muito cedo para Clara ir para o restaurante. Mas, pela expressão da amiga, Aline sabia que sua noite havia sido péssima também.Quase podia afirmar que Clara esteve chorando, o que era mais do que compreensível, dadas as circunstâncias. Mas Aline também sabia que a amiga precisava de espaço. Iriam se resolver. Sempre se resolviam.
Aline e Clara se conheceram aos 12 anos. Aline havia acabado de mudar de escola, não tinha nenhum amigo. Era baixinha, gordinha e usava óculos: o que bastava para ser alvo de bullying das outras garotas de sua sala. Em sua primeira semana no colégio novo, Aline estava sendo oprimida por três garotas quando Clara apareceu.
- Deixem ela em paz! – Clara disse, se colocando entre Aline e as garotas, que recuaram um passo.
- Olha a esquisitona tem uma nova amiga – Uma delas caçoou – Você vai fazer bruxaria pra gente? – A garota riu, mas suas amigas recuaram mais dois passos.
- Você quer ficar para descobrir? – Clara disse, erguendo a sobrancelha.
Mas as garotas não ficaram. E não voltaram a perturbar Aline. E ela Clara não se desgrudaram desde então.Clara saiu de casa sem dar uma palavra com Aline. No fundo já não estava tão chateada assim, apenas a expressão no rosto da amiga amoleceu o pseudo coração de gelo de Clara. Mas ela conversariam a noite e se resolveriam. Sempre se resolviam.
Para sua surpresa, ao entrar na cozinha do The Licious, percebeu que Pedro também já estava lá. Será que a noite dele também havia terminado de forma trágica, a ponto de fazê-lo perder o sono e vir trabalhar bem cedo? Claro que não. Com certeza o desfecho de sua noite fora terminar o que havia começado ali naquela cozinha, com sua namorada. Clara sacudiu a cabeça, na tentativa de afastar tais pensamentos, quando Pedro percebeu sua presença.
- Bom dia – Ele disse, engolindo em seco logo em seguida. Clara se limitou a apenas um aceno com a cabeça.
Mais tarde, bem quando o restaurante estava bombando, Fred chamou Clara em sua sala.
- Fred, fala logo! Eu to cheia de pratos para fazer – Clara disse, entrando no escritório do sócio e limpando as mãos em seu avental. E então percebeu que Pedro também estava lá. Clara cruzou os braços olhou para os dois.
- Olha... – Fred começou, levantando-se de sua cadeira – Eu não sei o que aconteceu, e na verdade acho que nem quero saber. Mentira, é claro que eu quero, mas depois! Porque, agora, vocês dois – Ele movimentou o indicador de Pedro para Clara – Irão conversar e resolver suas... pendências – Fred gesticulou.
- Fred – Clara começou a protestar, mas foi interrompida.
- Quieta, Clarinha. Eu não quero saber. Sei que você esta ocupada e que estamos lotados. Mas com esse clima pesado, nossa comida não fica estupenda e você sabe disso! – Fred olhou significativamente para Clara. Pedro se mantinha calado no pequeno sofá. – Sei que o Juan e a Carmen dão conta do recado. – Fred disse, referindo-se aos assistentes de Clara e Pedro. Então ele foi até a porta e segurou a maçaneta – Só sairão daqui quando estiver tudo resolvido e com sorrisos nesses lindos rostinhos! – Fred saiu e Clara ouviu quando ele trancou a porta pelo lado de fora. Ela o xingou mentalmente.
- Parece que estamos presos na sala do diretor da escola! – Clara bufou, encostando-se à mesa de Fred.
- Você não contou pra ele? – Pedro perguntou. Ele estava sentado na ponta do sofá, os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos juntas. Os cabelos castanhos claríssimos bagunçados de propósito. Olhou para Clara sem levantar a cabeça e foi a vez dela engolir em seco. Ele tinha que ser tão lindo?!
- Lógico que não! Apesar de parecer, não estamos na escola... – Ela revirou os olhos.
Clara olhou para Pedro e bufou. Aquela situação já estava ficando chata. O que Pedro fizera foi realmente desnecessário, mas ele era um ótimo chef e, no fundo, Clara sabia que precisava dele. Eles trabalhavam super bem juntos e nem ela podia negar isso. Quando estava prestes a abrir a boca, Pedro levantou-se e foi até ela.
- Clara, me desculpa. De verdade – Ele pegou as mãos dela e segurou entre as suas. – Foi muita infantilidade minha ter feito o que fiz. Agi como um adolescente. Não quero perder minha credibilidade profissional perante à uma das chefs que eu mais admiro...
Clara estava muda. Parecia ter perdido a capacidade de falar. Os olhos dele eram tão azuis e ela só conseguia sentir suas mãos grandes envolvendo as suas, tão menores.
- Ta tudo bem... – Ela disse, baixinho. E um sorriso lhe escapou dos lábios. – Sei que não vai se repetir – Ela deu de ombros e Pedro sorriu abertamente.
- Chocolate? – Ele soltou as mãos dela e puxou do bolso da calça uma barrinha do chocolate preferido de Clara.
- Você acha que me compra com chocolate?! – Clara se fez de indignada e Pedro arqueou uma sobrancelha – Droga... – Ela sussurrou aceitando o chocolate e Pedro riu.
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Quando tudo acontece
RomanceAline e Clara são duas amigas que, aparentemente, têm uma boa vida. Aline tem o emprego perfeito, o apartamento perfeito e o namorado perfeito e Clara é uma chef de cozinha bem sucedida que vive para o trabalho e esconde alguns detalhes de seu passa...