Capítulo 40
Aline vendeu suas coisas, que estavam no escritório no apartamento de Clara e na garagem de seus pais, a maioria móveis que não usaria mais. Ela e Caio começaram a pensar no quarto do bebê e Aline estava mesmo empolgada. Na próxima consulta ela faria um ultrassom para descobrir o sexo do bebê e então começariam a decoração de verdade.
Por enquanto, ela estava arrumando suas próprias coisas. Estava organizando seus livros e cada vez que encontrava um título repetido porque Caio já tinha, seu coração dava uma cambalhota.
Clara a estava ajudando, separando as várias agendas que Aline havia acumulado ao longo dos anos, desde que pegara o gosto pela escrita. Clara tirou algumas da caixa e se abaixou para pegar um papel que havia caído de dentro de uma das agendas.
Quando Clara pegou o papel, percebeu que tratava-se de uma polaroid. A foto estava um pouco escura e desfocada. Mas era Aline. Ela estava sentada em uma cama, as costas apoiada na cabeceira e o do nariz para baixo o corpo estava coberto por um lençol branco. A pessoa sentada na cama ao lado dela, a pessoa que havia tirado a foto, era Gian. Ele estava sem camisa e o cabelo era uma bagunça.
Clara engoliu em seco, não entendia o significado daquela foto.
- Li... – Ela chamou, quase que num sussurro – Li, que foto é essa?
Aline, que mexia na enorme estante de livros do outro lado da sala, aproximou-se de Clara para enxergar a foto.
Clara percebeu quando a expressão de Aline mudou. Os olhos arregalaram-se ligeiramente e ela mordeu a bochecha por dentro.
- Aline... Que foto é essa?
- Clara... I-isso foi há tanto tempo – Aline gaguejou e Clara deu um passo atrás. Ela sabia o que aquela foto significava, mas queria ouvir da boca de Aline.
- Me conta.
- Clara, por favor. Me perdoa. Isso não significou nada! Eu nem lembrava dessa foto, nem sei porque guardei!
- ME CONTA! – Clara gritou.
- Foi logo quando vocês começaram a namorar. Você e o Fred tinham ido pra Lorena, pra uma competição de rockabilly. Eu estava em casa sozinha, carente. Eu comecei a beber e o Gian apareceu, acho que você não tinha avisado da viagem pra ele, vocês estavam brigados. E-eu não sei... – Aline gaguejou de novo e deixou escapar uma lágrima – A gente começou a beber e... Aconteceu! E no momento em que eu acordei eu soube que tinha cometido a maior besteira da minha vida! Eu o mandei embora. Clara, eu me arrependo tanto, tanto.
Clara não disse nada. Ela apenas ficou em silêncio, balançando a cabeça em total descrença.
- Sabe o que mais me machuca, Aline? Não é nem o fato de você ter transado com o meu namorado... Não. Mas sim o fato de você me ter feito acreditar que você era muito melhor do que eu.
- Por favor, Clara. Me perdoa! – Aline foi em direção à Clara, mas ela se ela afastou.
- Não... Não – Ela ergueu as mãos e saiu do escritório, batendo com força a porta do apartamento ao deixar Aline sozinha.
Aline agarrou os cabelos e jogou a cabeça pra trás, sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto.
- IDIOTA! – Ela gritou sozinha e então rasgou a polaroid em milhões de pedacinhos. Ela devia ter feito aquilo anos antes. Na verdade, ela nunca devia ter se deixado levar por aquele momento. Em uma mistura de carência e álcool em exagero, havia feito a pior besteira de sua vida. Clara tinha toda razão em estar brava e decepcionada com ela, porque ela mesmo estava. Depois daquela noite com Gian, Aline pensou por várias vezes em contar a verdade para Clara. O relacionamento dos dois era uma montanha russa emocional, mas da mesma forma que Gian era desgastante para Clara, ele também era como um combustível, ele a fazia feliz. Aline não queria estragar aquilo, não depois de tudo o que Clara havia passado com Samuel. Ela não merecia mais decepção. Então resolveu não contar e Gian também ficou bem aliviado e satisfeito com essa decisão. Aline realmente não lembrava mais daquela maldita foto. Mas agora aquilo não importa mais...Clara mantinha a mão direita no volante, a esquerda apoiava a cabeça e o cotovelo estava na janela aberta do carro. Ela sentia-se cansada, completamente exausta. Million years ago de Adele tocava no rádio.
- I know I'm not the only one who regrets the things they've done... – Clara cantarolou com a música e depois riu sem humor da ironia da situação.
Ela estava mais do que brava com Aline, estava decepcionada. Nem tanto pelo fato de Aline ter transado com Gian. E sim pela postura de Aline. Por todos esses anos, Clara sentia-se inferior e uma péssima pessoa, se fosse comparada à amiga. Quando Clara entrou na faculdade, depois da morte de Samuel, suas atitudes eram questionáveis, mas era a forma como ela lidava com a dor do luto. Sabia que Aline a julgava por isso, e ficou bem claro quando ela a chamou de vadia. Mas para ela era fácil, ela nunca entenderia aquele sentimento horrível que Clara experimentou tantas vezes em tão pouco tempo na vida. Aquela sensação sufocante de não ter mais esperança, de sentir que a vida não valia a pena. Depois da morte de Samuel, Clara acordava em uma cama diferente todos os dias da semana, isso quando conseguia dormir. Apenas pra tentar preencher aquele vazio, porque ela sentia-se tão oca por dentro e nada daquilo importava. Porque não fazia diferença, nenhum daqueles caras era Samuel, nenhum deles a amava e, pensando agora, Clara nunca realmente quis estar com eles. Ela estava tão desesperada para sentir outra coisa que não fosse dor ou tristeza! Relembrar aquele tempo fez com que seus olhos ficassem marejados e uma lágrima teimosa escorreu pela bochecha, mas Clara rapidamente a limpou. Não iria por esse caminho. Sabia que Aline jamais entenderia o que era passar por aquilo, felizmente. Porque ela não desejava tamanha dor para ninguém, especialmente para Aline que foi uma das pessoas que mais a ajudou a superar esta fase.
Clara entrou no restaurante e cumprimentou Mari, que estava no telefone fazendo reservas de mesas. Ela foi direto para o escritório de Fred, que estava com a porta aberta.
- Um segundo... – Fred disse, levantando um dedo. Ele olhava atentamente para a tela de seu computador – Estou terminando de pagar algumas contas do restaurante e... pronto! – Ele virou-se para Clara – Sou todo seu. Wow, mas o que aconteceu?! Que cara é essa?!
Clara contou o ocorrido com Aline e Fred não disse uma palavra, nem mesmo quando ela terminou. Ele permaneceu calado.
- Você sabia! – Clara levantou-se – Eu não acredito que você sabia e nunca me disse! – Ela jogou as mãos pra cima e andou de um lado para o outro na frente de Fred.
- Clara, me perdoa. Mas era um assunto entre você e a Aline e era um segredo – Fred fez uma careta ao pronunciar a palavra – dela. Ela estava tão aflita quando me contou, estava realmente arrependida!
- Que seja. Vou trabalhar – Clara saiu da sala antes que Fred conseguisse responder. Ele estava certo, ela sabia. Mas não precisava admitir agora. Ainda havia algumas coisas a serem pensadas e Clara precisava de um tempo.
Ao entrar na cozinha, o choque que levou ao presenciar a cena foi tão grande que ela ficou parada na porta.
- QUE PORRA É ESSA QUE VOCÊ TA FAZENDO, CARA? ESSA CARNE TA COMPLETAMENTE RESSECADA! VOCÊ NÃO CONSEGUE FAZER MERDA NENHUMA!
Pedro gritava a plenos pulmões com Juan, um dos assistentes da cozinha. Os outros funcionários tentavam continuar suas tarefas sem demonstrar incomodo com a cena. Eles não estavam acostumados com aquele tipo de situação. Clara podia não ser uma pessoa muito paciente na vida, mas uma de suas melhores qualidades na cozinha era ser uma chef muito paciente. Ela jamais havia gritado com algum funcionário, mesmo quando estavam com lotação máxima, mesmo quando tudo dava errado. E era por isso que ela abominava esses reality shows culinários em que os chefs, embora talentosíssimos, humilhavam os participantes. Ela acreditava que era possível ter uma equipe excelente sem ter que estourar os tímpanos das pessoas.
- EI! – Ela gritou, atraindo a atenção de todos. – O que ta acontecendo aqui? – Ela se aproximou de Pedro. Juan pegou prato que Pedro não havia aprovado e foi para o fogão mais longe da cozinha.
Pedro estava com a cabeça baixa, as mãos apertando a borda da bancada de metal.
- Pedro, o que aconteceu? – Clara pôs a mão em seu ombro – Eu nunca vi você agir assim, gritando com as pessoas.
- Nada...
- Me fala...
- Não é nada, Clara! – Ele virou-se, bruscamente tirando a mão de Clara de seu ombro... – Eu só... Hoje não – Ele balançou a cabeça e tirou o avental, deixando em cima da bancada antes de sair.
Clara ficou imóvel por alguns instantes. Ela sentia os vários pares de olhos às suas costas.
- Bom... – Ela virou-se para eles, colocando a touca protetora nos cabelos - Como diz Finn Hudson: o show tem que ir pra todo lugar! – Ela citou o personagem de Glee, e sorriu, um sorriso fraco, e esqueceu de todos os problemas de sua vida pelas horas seguintes, enquanto cozinhava.
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Quando tudo acontece
RomanceAline e Clara são duas amigas que, aparentemente, têm uma boa vida. Aline tem o emprego perfeito, o apartamento perfeito e o namorado perfeito e Clara é uma chef de cozinha bem sucedida que vive para o trabalho e esconde alguns detalhes de seu passa...