Capítulo 56
- Você devia ter me contado...
- Não queria te preocupar. Pensei que conseguiria lidar com isso sozinho.
- Mas e o Pedro?
- Ainda não contei pra ele. Com toda essa história da mãe dele, ele não merece mais uma preocupação.
- Bom, ele vai ficar sabendo agora, não?
- Na verdade, ele não conversou com o médico. Então eu disse que a bebida dela foi batizada.
- Não acredito que isso esteja acontecendo de novo...
Clara ouvia as vozes, mas não conseguia abrir os olhos. Sentia-se fraca e com muita sede. Tentou abrir os olhos mais uma vez, em vão.Quando Clara acordou, soube instantaneamente que estava em um hospital. Ela se remexeu na cama e, ao virar a cabeça, viu que Martin estava sentado na cadeira ao lado de sua cama.
- O que você ta fazendo aqui?! Sai! – Clara tentou aumentar a voz, mas não conseguia, não passava de um sussurro.
- Queria ter certeza de que você estava bem, Angel – Martin sorriu, levantando-se.
Clara queria levantar e sair correndo dali, não queria estar num quarto com aquele homem.
- Não sou um crápula, como você pensa. Me importo com você... – Ele passou um dedo áspero pela bochecha de Clara e ela sentiu o estomago revirar.
- Vai embora – Clara pediu, engolindo com dificuldade. – Sai daqui.
Martin sorriu. Os olhos continuavam frios como sempre. Ele se afastou lentamente e, antes de sair do quarto, disse.
- Não vou incluir essa pequena amostra na conta do seu namoradinho morto.A atenção excessiva irritava Clara. Ela queria ficar sozinha pra conseguir pensar direito, organizar as ideias. Mas aquilo não era possível. Não com Aline, Fred e Pedro servindo de babá para ela.
Clara já estava em casa e sentia-se bem. Mas eles preferiam não deixá-la sozinha.
- Eu não acredito que isso aconteceu com você... Eu não devia ter te deixado sozinha... – Pedro dizia. Eles estavam deitados na cama de Clara e ele a abraçava como se ela fosse sumir.
- Pedro, a culpa não é sua.
Ela sentia-se péssima por sustentar a mentira que Fred havia lhe contado. Clara não havia sido drogada. Ela se drogou por vontade própria e teve uma overdose.
Queria ser sincera com ele. Mas não podia. O estado de saúde de sua mãe não estava nada bom e Pedro estava muito abatido. Clara nunca pensou que ficaria feliz por saber que Vanessa estava por perto. Ao menos ela ajudava a tia Nadira e tentava distrair os meninos.
Clara sabia que essa tarefa era, supostamente, sua. Mas como ela poderia dar apoio a alguém se mal conseguia apoiar a si mesma sem o auxilio de entorpecentes?
Ela estava evitando a conversa com Fred e Aline, mas sabia que daquela noite, não passava. Logo Pedro sairia ir para o restaurante e eles chegariam. Com todas as perguntas em tom acusatório. Eles simplesmente não entendiam o que era aquela sensação de precisar fugir da própria realidade. Só de pensar na conversa, Clara sentia-se cansada.
Pedro enrolava uma mecha de seu cabelo no dedo.
- Eu vou cuidar melhor de você. Me desculpa por estar ausente.
- Não sou nenhuma donzela indefesa, e você sabe disso.
- Mesmo assim, eu não posso te perder.
"Também", era o que estava implícito naquela frase. Clara sentiu o estomago se contrair.
Quando foi que havia se tornado aquela pessoa?Assim que Pedro saiu,Clara levantou-se e foi até o espelho. O cabelo estava preso em um coque alto.Estava com olheiras escuras e o lábio inferior tinha um pequeno machucado,devido a queda que levara quando desmaiou. Clara não se lembrava de muitacoisa, mas, sinceramente, preferia assim. Foi até a cozinha pegar um copod'água, quando a campainha tocou. Ela abriu a porta e Fred e Aline entraram.
- Como você está? – Aline perguntou, sentando-se ao lado de Clara no sofá.
- Ta tudo bem... – Clara deu de ombros.
- Clara, o que você ta fazendo da sua vida? Sério... Por que você faz isso? Temalguma coisa acontecendo que a gente não saiba? – Fred disparou.
Clara poderia contar toda a verdade pra eles. Fred e Aline eram, com certeza, afamília de Clara. Eles estiveram juntos nos piores momentos da vida um dooutro.
Eles conheciam Samuel, mas não sabiam de toda a verdade. Não sabiam que Samuelera viciado e que devia uma quantia para Martin, por exemplo. Eles sabiamapenas o básico: que Samuel era um skatista dedicado e, às vezes, fumava umbaseado para relaxar. Eles não gostavam disso, mas também não interferiam. Atéporque pensavam que Clara não estava envolvida. E era verdade, ela só foi seenvolver com drogas após a morte dele, quando a dor ficou muito insuportável paraser sentida sobriamente.
Mas, por algum motivo, Clara não queria contar. Não queria que eles tivessemuma nova imagem de Samuel, quando ele não estava ali para se defender.
Elejamais estaria...
- Fred, a gente não pode esquecer essa história? Sabe, eu to bem agora eisso não vai se repetir...
- Não, Clara. A gente não pode esquecer essa história – Fred elevou a voz.Aline estava apreensiva, seus olhos iam de Fred para Clara – Poxa, precisamosde você aqui, com a gente. Por inteiro e não apenas a sua casca. O Pedroprecisa de você.
Clara arqueou a sobrancelha e Fred continuou.
- A Dona Lucrécia não ta nada bem... Ela foi internda.
- Quando?
- Tem uns dois dias...
- Por que o Pedro não me disse?
- Você não é a única que tenta se fazer de forte – Aline deu de ombros esegurou a mão da amiga.
Fred soltou um pesado suspiro e, passando as mãos pelo cabelo, sentou-se naponta do sofá.
- É sério, Clara. Você precisa se cuidar.
- É sério, Fred. Eu to bem... Isso foi apenas um deslize.
- Talvez fosse melhor você voltar com a sua psicóloga. – Fred sugeriu.
- Eu também acho, Clarinha. Se tem algo te incomodando, algo que você nãoconsegue compartilhar com a gente, o melhor é voltar com as sessões. – Alineapertou sua mão.
Clara engoliu em seco. Eles tinham razão, ela sabia disso. Contudo, nãoconseguia se concentrar em seu problema. Não sabendo que Pedro não estava bem,mas se mostrou forte por ela.
À noite, antes que Fred e Aline fossem embora, Clara conseguiu os convencer queestava bem o bastante para dirigir até o restaurante. E foi o que ela fez,precisa conversar com Pedro.
O restaurante já estava fechado quando Clara chegou e isso foi um alívio,embora ela soubesse que Fred e Pedro não comentaram nada com seus funcionários,ela não estava muito a fim de socializar.
Sabia que encontraria Pedro na cozinha, só não esperava que ele estivesseacompanhado.
Vanessa estava sentada na bancada, enquanto Pedro preparava alguma sobremesa.
- Oi – Clara disse, tentando transparecer tranquilidade. Aquela moça deveriaestar em casa, ou no hospital. Não em seu restaurante, sentada em cima de suabancada, conversando com seu namorado enquanto ele bancava o chef particular.
Clara sorriu, o momento não era propício a mais confusões.
- Amor – Pedro também sorriu e foi até ela para lhe dar um selinho – Você ta sesentindo bem?
- To sim – Clara segurou seu rosto com as duas mãos e prolongou o selinho. Emparte, porque queria mostrar pra aquela va... Vanessa que ele tinha dona, mastambém porque estava com saudade dele.
Vanessa desceu da bancada e lançou um sorriso para Clara.
- Fico feliz em saber que você está recuperada, Clara. Quem imaginaria que umafesta bacana daquela, iria acabar tão mal! Não podemos confiar em maisninguém...
Parece que a história de Fred sobre a "bebida batizada" era a versão "oficial"do ocorrido. Clara não se importava com isso. Na verdade, quanto menos pessoassoubessem, melhor.
- Obrigada, Vanessa. To bem melhor – Clara respondeu com um sorriso. Ela podiaser simpática, sim – O que você ta fazendo?
- To terminando uns cookies. Já tem alguns no forno. Vou levar pra casa, vocêvai comigo?
- Com certeza – Clara provou a massa – Ta maravilhoso. Quem foi que te ensinouessa receita mesmo?
Pedro riu, jogando a cabeça pra trás.
- Foi a melhor chef que eu conheço. Clara Medeiros Gusmão. Conhece?
- Hum... Acho que já ouvi falar – Clara mostrou a língua e foi até o fornoverificar os cookies.
Ela sentiu que Vanessa ficou meio deslocada. Bom, missão cumprida.
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Quando tudo acontece
RomanceAline e Clara são duas amigas que, aparentemente, têm uma boa vida. Aline tem o emprego perfeito, o apartamento perfeito e o namorado perfeito e Clara é uma chef de cozinha bem sucedida que vive para o trabalho e esconde alguns detalhes de seu passa...