Capítulo 57
Aline foi com Caio ao shopping. Ele precisava de uma mala nova, iria viajar dali a alguns dias para uma premiação que aconteceria em Santos, no litoral de São Paulo. Ele estava cheio de trabalho na revista, então não pôde ficar para o almoço. Mas Aline mandou uma mensagem para Fred e poucos minutos depois ele chegou.
Ele estavam almoçando, quando Fred começou a fazer contas.
- Li, você não acha que consegue segurar a Aninha ai dentro por mais um tempo?
- QUÊ?! – Aline cuspiu wrap por todo lado – Ta louco, Frederico?
- É que, pelas minhas contas, essa criança vai ser sagitariana... – Fred remexeu seu espaguete.
Aline riu, revirando os olhos.
- Ah, não... – Fred gemeu e antes que pudesse falar alguma coisa, Aline seguiu seu olhar e viu.
Márcio vinha na direção deles.
O cabelo estava impecavelmente arrumado, todos os cachos no devido lugar. Ele usava um terno escuro e tinha um sorrisinho nos lábios.
- O cretino consegue ser bonito, né? – Fred sussurrou.
- Olá – Márcio disse – Estava de saída e vi vocês, resolvi dar um oi.
- Recado dado, pode vazar agora... – Fred disse e voltou sua atenção para o seu espaguete.
Márcio franziu a testa e se afastou um pouco da mesa.
- Na verdade, Aline, eu queria falar com você.
- Fique a vontade.
- Hum... Aqui? – Márcio olhou para Fred, que sugava um fio de macarrão – Não podemos nos encontrar mais tarde?
Aline suspirou e levantou-se, revirando os olhos.
- Não, não podemos. Vamos conversar agora. – Ela virou-se para Fred – Eu já volto, me espera aqui.
Assim que se afastaram da mesa, Márcio voltou a falar.
- Nossa, você ta enorme!
- Caso você não saiba, eu estou grávida.
- E-eu sei. Não quis dizer que você está gorda é que... Sua barriga ta enorme, mesmo.
- Bom, é a reta final...
Eles foram caminhando pela praça de alimentação e quando Aline percebeu, ela e Márcio estavam entrando em sua sorveteria preferida.
- É sobre isso que eu quero conversar – Eles foram até o caixa e Márcio pediu um sorvete de coco para si e um de pistache para Aline. – É o seu preferido não é?
Ela não respondeu, mas aceitou o sorvete. Sim, era o seu preferido. E o fato de ele se lembrar disso não o faria ser melhor. Não agora.
- Bom, eu queria estar presente no dia, sabe? No parto.
Aline tomava seu sorvete pacientemente. Caio não iria gostar daquilo, mas era um direito de Márcio.
- Tudo bem – Ela respondeu, indiferente. Teria que preparar Caio.
- Sério?
- O que você esperava? Que eu fizesse um escândalo ou viesse com um discurso pra te deixar com culpa? Eu não vou fazer isso porque eu to cansada de complicar a minha vida. E, infelizmente, você têm os seus direitos. Eu posso não querer contato com você, mas você ainda é pai da minha filha.
- Certo...
- Por favor, Márcio. Depois de tudo isso, a única coisa que eu realmente quero e espero que você seja capaz de fazer, é ser um bom pai. Você pode não ter sido um bom namorado pra mim, ou até mesmo um bom homem na hora de arcar com suas responsabilidades. Eu não quero tirar isso de você, mas eu preciso que você seja um pai porque quer, porque sente que é capaz de fazer isso. E não pra me machucar. Você quebrou meu coração, mas eu jamais vou deixar você fazer o mesmo com a minha filha.
Desde que haviam terminado, Aline e Márcio passaram por vários momentos intensos de brigas e discussões. Mas esta era a primeira vez que Aline sentia que suas palavras realmente haviam mexido com ele. Márcio mordia o lábio inferior e ela sabia que ele só fazia aquilo quando estava nervoso ou com medo.
- Você me decepcionou quando eu mais precisei e infelizmente este foi um momento crucial pra mim, pra gente. Mas eu não vou negar que eu te amava. Eu te amava muito e nem todos os nossos momentos foram ruins. Houve um tempo em que fomos bons juntos, e você sabe disso. Eu sei que sabe. Por mais que eu tenha bagunçado a sua vida perfeitamente planejada, você não é um cara ruim, Márcio. E eu só preciso que você deixe o seu melhor lado florescer com ela. É a única coisa que te peço... – Aline sentia os olhos ficando úmidos. O que estava sentindo nada tinha a ver com os "hormônios da gravidez", ela estava expondo sua alma ali. – Não entre na vida dela se não pretende ficar, ela não tem culpa alguma nisso.
Aline se surpreendeu quando, ao olhar para Márcio, viu que seus olhos estavam marejados também. Aquilo estava mesmo acontecendo?
Ele pegou sua mão por cima da mesa e ela deixou.
- Eu sei que pedir desculpa não vai resolver nada agora. Mas quero que você saiba que me arrependi e me arrependo até hoje por não conseguir ser o que você precisava. O que me conforta é que você ta com um cara que é capaz de cuidar de você do jeito que você merece – Ele deu um sorriso amarelo e Aline podia imaginar o quanto doía no ego de Márcio dizer aquelas palavras. – Obrigado por me deixar fazer a coisa certa dessa vez.
Aline sentiu algumas lágrimas tímidas rolarem pelo rosto. Mas não se importava, afinal, já havia chorado tantas vezes na frente dele.
Márcio secou uma lágrima dela e limpou a garganta.
- Ahn, mais uma coisa. Alguma chance de discutirmos sobre o nome? – Ele segurou o riso e Aline levantou-se, rindo.
- Tchau, Márcio.
- Ei, espera. Como eu vou saber quando chegar a hora?
- Eu te aviso.A mãe de Pedro estava internada de novo e, desta vez, sem previsão de alta. Todos estavam arrasados e Clara tentava ser o mais presente possível, mesmo lidando com seus problemas. As vezes ela tinha uma recaída e recorria ao que sobrara das drogas que o Surfista lhe dera, porém já estavam acabando.
Aconteceu dias depois. Uma ligação insistente a acordou. O nome de Pedro na tela de seu celular fez seu coração disparar, mesmo antes de ele lhe dar a notícia.
Contradizendo todos os clichês que envolvem morte, o dia do funeral estava ensolarado e o céu azul era do mesmo tom dos olhos de Pedro.
- O tipo de dia preferido dela... - Disse tia Nadira, enxugando os olhos com um lenço.
O sepultamento foi rápido, a pedido de Pedro. Apenas os amigos mais próximos e os familiares estavam presentes. Cada um sentia a perda a sua maneira. Bernardo chorava silenciosamente e não largou a mão de tia Nadira em nenhum momento. Pedro estava quieto, ele mantinha Clara ao seu lado, segurando-a pela cintura.
Mas, ao chegarem em casa, Rafael explodiu.
- Isso não é justo! – Ele gritou, assustando a todos. – Minha mãe foi embora e você continua aqui!
- Rafa, calma... – Pamela tentou acalmá-lo, mas foi em vão.
- Não! – Rafael partiu para cima do pai – Você é um merda! – Ele gritou.
Clara ficou estática, ela não sabia o que fazer e, aparentemente, Pedro também não.
Enrico não tentou se defender. Ele deixou que Rafael acertasse socos em seu peito e seu ombro. Mas a fúria logo se transformou em lágrimas e Enrico o abraçou.
- Vai passar, meu filho... – Enrico passa a mão pelo cabelo de Rafael. Ele próprio com lágrimas nos olhos.
Bernardo se juntou ao abraço e Pedro fez o mesmo. Clara encontrou seu olhar e, com um gesto, ela saiu. Sentia que precisava deixa-los a sós. Ela mais do que ninguém entendia o tamanho daquela dor. Mas também sabia que Pedro precisava senti-la.
Clara estava dirigindo para casa quando um pensamento começou a se formar em sua mente. Ela tentou ignorar, mas não conseguiu. Precisava de algo para sair daquela realidade dolorosa. Quando percebeu, já estava estacionando em frente a pista de skate.
Não foi muito difícil encontrar o garoto ali. Assim que a viu, ele se aproximou. Clara sentiu o arrepio que sempre sentia ao olhar para o cabelo dele. Ela engoliu em seco.
- Angel – Ele abriu um largo sorriso. – A que devo sua ilustre visita?
- Você sabe o que eu quero.
Agora Clara estava em sua casa. Sentada no chão com as costas apoiadas no sofá, a sala escura. A única luz que entrava era a lua pela janela da sacada. Ela sentia a cocaína fazendo efeito, misturada com a vodka que tomara antes.
Clara jogou a cabeça para trás e quando abriu os olhos, ela podia ver o céu estrelado.
Um barulho de buzina a assustou e ela percebeu que não estava mais sentada no chão da sala e sim na sacada. Uma rajada forte de vento fez seu cabelo bater em seu rosto. Ela voltou para dentro, indo até a cozinha. Não tinha mais vodka, então abriu uma garrafa de vinho branco e terminou com o pó que havia ficado em cima da sua mesa de centro.No dia seguinte, Clara acordou depois das três da tarde. Ela sentia-se extremamente cansada, mas obrigou-se a tomar um banho e então foi para casa de Pedro. Não queria deixa-lo sozinho.
Antes de entrar a melodia agressiva de System Of A Down atingiu seus ouvidos. Clara encontrou Pedro na cozinha, colocando algo no forno. A mesa estava repleta de bolos, tortas, mousses e pudins.
- Pe? – Ela aproximou-se e tocou o ombro dele. Pedro levou um susto e, quando virou-se para ela, Clara viu que seus olhos estavam vermelhos e sua bochecha estava molhada.
- Oi! Oi, Clarinha! – Ele tentou sorriu, limpando as lágrimas na barra do avental vermelho que usava.
- Amor, pra quê tanta comida?
- Todas as sobremesas que ela gostava e me pedia pra fazer, sabe? – Pedro deu de ombros, os olhos lacrimejando de novo – Eu só queria me sentir mais próximo a ela...
Clara não disse nada. Ela apenas o abraçou e deixou que ele chorasse. Na verdade, ela não podia fazer nada a não ser estar ali com ele e compartilhar aquele momento.
- O tempo cura muitas coisas, é verdade. Mas quando perdemos alguém que amamos esquecemos disso. Temos que seguir em frente, feliz ou infelizmente, eu ainda não sei. – Clara disse, afastando-se apenas o suficiente para secar as lágrimas de Pedro - Mas acho que é o que sua mãe iria querer, certo? O que vocês viveram sempre vai ficar contigo, no seu coração. Isso ninguém leva, nem mesmo o tempo.
Eles passaram o resto da tarde terminando de assar e confeitar biscoitos e depois embalaram tudo. Pedro ligou para Bernardo e os três levaram as sobremesas para o orfanato onde Bernardo trabalhava como voluntário.
A mudança de ambiente fez bem aos dois rapazes, mas foi bom para Clara também. Estar em contato com aquelas crianças tão puras e inocentes realmente mudava a perspectiva das coisas. Era possível entender o que realmente importava na vida e dar valor a isso.
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Quando tudo acontece
RomanceAline e Clara são duas amigas que, aparentemente, têm uma boa vida. Aline tem o emprego perfeito, o apartamento perfeito e o namorado perfeito e Clara é uma chef de cozinha bem sucedida que vive para o trabalho e esconde alguns detalhes de seu passa...