Capítulo 30

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Capítulo 30

Clara acordou assustada quando o despertador tocou na manhã seguinte. Ela levou alguns instantes para se acalmar e logo sentiu a pontada em sua cabeça. Cambaleante, levantou e tomou um remédio para dor de cabeça. Tomou um banho rápido e se arrumou em poucos minutos. Prendeu o cabelo em um coque alto e colocou uma bandana vermelha. Agradeceu mentalmente pela tarefa do dia ser ao ar livre: iriam colher direto das plantações do Chef Millano. Então Clara poderia usar seu óculos escuro para disfarçar as olheiras da noite mal dormida. Repassou em sua mente todos os acontecimentos da noite anterior, várias e várias vezes. Não sabia o lhe envergonhava mais: o fato de ter compartilhado com Pedro sua história e logo depois ter dado em cima dele ou o fato de ele ter visto toda aquela situação com Gian de perto.
Quando chegou ao hall, percebeu que quase todos já estavam reunidos, menos Pedro. Já estava saindo com o Chef em direção às plantações de uva quando Pedro juntou-se ao grupo. Permaneceu ao fundo e, assim como Clara, também usava um óculos escuro.
Ao chegarem às videiras, o Chef explicou todo o procedimento e demonstrou como as uvas deveriam ser colhidas. Logo em seguida ele passou cestas de vime para todos os alunos e os liberou para a colheita. Clara tomou o cuidado de ficar bem longe de Pedro.
Os galhos entrelaçados não impediam que os raios do sol, que já estava alto, chegassem até eles, fazendo a temperatura aumentar.
Clara estava concentrada em sua tarefa, não percebeu quando Pedro se aproximou.
- Clara... – Ele a chamou. Clara assustou-se. Apenas olhou pra ele e saiu andando.
- A gente precisa conversar – Pedro insistiu.
- Agora não – Clara sussurrou e foi para mais longe.
Pedro pareceu entender o recado, já que não tentou mais falar com Clara durante o resto da tarefa. Uma parte dela ficou decepcionada com a rápida desistência dele, a outra parte sabia que isso era o certo a ser feito.

Contrastando com a manhã que fora bem quente, a noite estava fria. Então o Chef Milano propôs uma fogueira: estavam do lado de fora da casa grande da fazenda, as lenhas empilhadas enquanto o Chef ateava fogo nas toras. Clara ajudava as outras meninas a preparar a mesa, que estava repleta de gostosuras italianas. Os rapazes carregavam bancos de madeira e os posicionavam ao redor da fogueira.
Logo já estavam todos acomodados e se deliciando com as receitas do Chef. Clara saboreava com delicioso vinho, produto da fazenda, e tinha os pensamentos longe. Depois da tarefa daquela manhã, ela pensou sobre sua situação com Pedro e chegou a conclusão de que sua atitude era ridícula, no mínimo infantil. Precisa conversar com ele e tentar se explicar. Era nisso que pensava quando acordes suaves lhe chamaram a atenção.
Pedro estava sentado em um dos bancos ao redor da fogueira, com seu violão. Ele começou a tocar e a cantar e todos fizeram silêncio, apenas apreciando a boa música. Clara se aproximou um pouco, de modo que ficou de frente para Pedro, que percebeu sua presença. Então ele passou a encará-la, e por alguns instantes Clara esquece-se que haviam ali outras pessoas com eles. Quando a música acabou, os suspiros de admiração das garotas foi audível, enquanto os rapazes cumprimentavam Pedro à sua maneira pseudo-brusca.
Clara terminou sua taça e foi sentar-se à escada da casa grande. Longe do calor aconchegante da fogueira, ela teve de apertar o casaco ao redor do corpo. Instantes depois, Pedro sentou-se ao seu lado, o violão pendurado nas costas. A princípio eles ficaram quietos, apenas olhando para das chamas da fogueira metros à frente.
- Me desculpa... – Clara começou – Eu fui muito idiota... em tudo. Mas principalmente por te ignorar hoje de manhã. É só que eu não estava me sentindo preparada pra te encarar – Clara virou-se para ele e percebeu que Pedro a fitava – Ta tudo tão confuso, Pedro...
- Relaxa, Clarinha – Ele abriu um sorriso que a tranquilizou – Vai ficar tudo bem – E dizendo isso, Pedro a abraçou e ela deixou que o momento se prolongasse em seus braços.

Depois de seu último encontro com Márcio, Aline sentia-se mais do que determinada a esquecê-lo. Era uma questão de necessidade: ele era nocivo a ela, psicologicamente e quase fisicamente.
Era óbvio que tal decisão não iria apagar todos os momentos bons que compartilhara com ele, e ela estava ciente disso. Dividira com ele oito meses de sua vida, talvez tenha sido tudo muito intenso. Mas não era isso o que sentia por Caio? Que, aliás, tornava cada vez mais fácil a missão de esquecer Márcio. Por vezes Aline tinha uma discussão interna: achava que estava usando Caio para esquecer Márcio, mas bastava o atual namorado fazer qualquer gesto minimalista demonstrando que já a conhecia como Márcio jamais fora capaz, que Aline tinha certeza de que o sentimento era verdadeiro. Por mais intenso que fosse, era puro e simples. Sentia-se segura com Caio e, na presente fase de sua vida, era aquilo que mais precisava. A maneira como Caio a aceitara como era e como estava; e mais, a maneira como acolhera seu bebê, só mostrava que era com ele que ela deveria estar. Talvez tivesse que passar por todos aqueles perrengues para conhecê-lo. Afinal, se não tivesse vendido seu carro, ele não estaria em sua vida agora.
- O que foi? – Caio perguntou, tirando Aline de seu devaneio. Estavam no apartamento dele. Ela, esparramada em sua cama e ele sentado ao seu lado, trabalhando – O que você ta pensando?
Aline sorriu e engatinhou até ele. Ela tirou o notebook de seu colo e tomou o lugar do computador. Caio a abraçou e seu sorriso era reflexo do dela. Foi impossível para Aline não comparar tal situação. Quantas e quantas vezes fizera aquilo com Márcio e a reação do ex não fora nada romântica. Sempre que estava trabalhando, Aline não podia atrapalhar. Seque podiam conversar. Até que ela decidiu que preferia manter distância. Droga, ela precisava parar de compará-los!
- Pensando no quanto eu gosto de você, moço... – Ela disse, passando os dedos por entre os fios negros e lisos dele.
- Hum, é muito bom saber disso. Até porque o sentimento é recíproco, moça – Caio sorriu e Aline sentiu seu coração disparar. Ele acabou com a distância entre eles unindo seus lábios em um beijo calmo. Ela estava com medo de que ele sentisse seus batimentos acelerados mas, quando espalmou as mãos por seu peito, sentiu que o coração dele também estava acelerado. Ele sentia o mesmo! Aline sorriu durante o beijo e Caio a abraçou mais apertado.
- Tem algo que eu venho querendo falar com você... – Caio disse com os lábios ainda colados aos dela.
- O que? – Aline se afastou um pouco, o suficiente para olhar em seus olhos verdes.
Caio mordeu o cantinho do lábio enquanto ajeitava o óculos pela ponte do nariz
- Eu estava pensando... Sei que você pode achar que é cedo e eu vou entender se você não quiser, claro. Mas, talvez, você devesse se mudar pra cá. Sabe, aqui tem mais espaço... E podíamos começar a planejar o quarto do bebê.
Aline teve várias reações ao mesmo tempo, mas não conseguiu demonstrar nenhuma. Uma pequena parte dela, uma parte irritante, a mesma parte que ainda estava apegada à Márcio, dizia que aquilo era loucura. Eles mal se conheciam, ela não deveria aceitar isso. Jamais daria certo. Porém, outra parte dela, a maior parte, aquele que queria seguir em frente, a parte dela que já se sentia mãe, adorou o convite.
- Uau – Foi o que ela disse depois de longos segundos em silêncio.
- Não quero que você se sinta pressionada a nada! Sei que pode parecer cedo. Mas eu realmente vejo com futuro com vocês... – Ele disse e acariciou uma pequena barriga protuberante.
- Você é um amor, sabia disso? Eu só acho que preciso pensar um pouco. Não que eu não tenha certeza de que quero você na minha vida, porque eu tenho! É só que minha vida tá uma bagunça e eu preciso mesmo arrumar tudo isso.
- Relaxa, sem pressa.
Antes que Aline pudesse responder, seu celular vibrou no bolso de trás de sua calça. Ela pegou o aparelho e leu a mensagem de Fred.
- O Fred chegou – Ela fez um biquinho e fez menção de levantar, porém Caio foi mais rápido: ele a pegou no colo e levantou-se com ela.
- Eu te levo até o elevador – Ele levantou a sobrancelha.
- Fique a vontade – Ela riu, aproveitando a carona.

- Love is in the air, everywhere I look around– Fred cantarolou quando Aline entrou no carro.
- Besta – Ela disse, rindo.
- Gata, ta na sua cara que você ta apaixonada. E eu acho isso ótimo!
- Você acha? – Ela perguntou, enquanto Fred seguia dirigindo para o restaurante– Não acha que eu to sendo muito precipitada?
- Li, se precipitar em ser feliz?! Por favor! Você tem que aproveitar isso. Edigo mais: o Caio é um ótimo rapaz, ele a faz feliz e te trata como umaverdadeira princesa. Não fique se comedindo.
Aline ficou em silêncio, absorvendo as palavras de Fred. Ela queria conversarcom Clara também, compartilhar a situação com ela. Mas teria que esperar.
- Ele me chamou para morar com ele. O que você acha?
Fred ponderou por alguns instantes.
- Olha, talvez seja cedo, sim. Mas você nunca vai saber se não tentar. E, cáentre nós, o que você tem a perder? De verdade! Desculpa, mas você já perdeutudo, gata – Fred riu e Aline revirou os olhos, segurando o riso – E no fim dascontas, eu e a Clarinha sempre estaremos aqui pra te ajudar a juntar oscaquinhos. Agora, sejamos realistas: o boy não é mais criança. Você foi sinceracom ele e ele sabe toda a sua situação, se ele quer brincar de casinha comvocê, por que não? – Fred levantou a sobrancelha e depois piscou para ela.

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