Capítulo 53
Clara sentia a cabeça vibrar. Ela abriu os olhos e percebeu que o que vibrara era seu celular. Ela estava deitada no sofá, a cabeça apoiada em cima de sua bolsa. Atrapalhadamente ela levantou e pegou o aparelho de dentro da bolsa.
Na tela aparecia a foto e o nome de Pedro. Clara levantou um salto, o coração quase saindo pela boca.
- Oi? – Ela atendeu.
- Porra, Clara! – Pedro quase gritou – Onde você ta?!
- Em casa... – E Clara quase sussurrou.
- Dez minutos e eu to ai. – Pedro desligou sem esperar resposta.
- Merda, merda, merda... – Clara xingava enquanto arrumava a sala.
A garrafa vazia de vodka estava em cima da mesa de centro. As pontas dos dois cigarros que Clara fumara também. Rapidamente ela pegou o resto das drogas e guardou o pacote. Clara foi até seu quarto e guardou aquilo no fundo da última gaveta de seu guardarroupa. Ninguém mexeria ali, mas mesmo assim, ela não gostou do seu esconderijo. Porém não tinha tempo. Correu para escovar os dentes e lavar o rosto. Depois, borrifou um Glade lavanda pela sala. Estava tomando um comprimido para dor de cabeça, quando sentiu o estômago revirar. Ela não precisava daquilo agora, não queria que Pedro a encontrasse passando mal. Mas não conseguiu segurar.
Quando ouviu Pedro entrar no apartamento, já estava ajoelhada em frente a privada.
- Clara?
Pedro a chamou e em resposta ele deve tê-la ouvido fazer força para botar pra fora o que lhe fazia mal.
Pedro correu até o banheiro e segurou os cabelos dela. Clara odiava aquela situação. Aquilo não devia estar acontecendo...
- Ei, o que ta acontecendo? – Pedro perguntou, ajudando-a levantar.
Clara escovou os dentes mais duas vezes e depois fez bochecho com o Listerine.
- Não sei... Acho que comi algo que não me fez bem... – Clara lavou o rosto. Ainda sentia um gosto ruim na boca e os olhos estavam avermelhados. A cabeça continuava latejando forte.
- O que aconteceu ontem? Você sumiu! – Pedro a seguiu até a cozinha, onde ela, finalmente, conseguiu tomar o comprimido pra dor de cabeça.
- Hum... Eu... Eu tava com muita dor de cabeça. Tomei o remédio e acabei dormindo.
- Desculpa ter gritado com você... – Pedro a abraçou – É que tem tanta coisa acontecendo, as vezes acho que não dou conta de tudo.
- Tudo bem – Clara o abraçou de volta, sentindo aqueles braços firmes ao seu redor. Os olhos estavam marejados – Eu devia ter te ligado...
- Você ta bem? Quer ir ao médico? – Pedro perguntou, olhando em seus olhos.
- Não – Clara balançou a cabeça – Eu vou melhorar, obrigada.
Pedro esperou que Clara tomasse um banho e depois eles foram pro restaurante, no carro de Pedro. Durante o trajeto, ele falava sobre o clima na casa de sua mãe. Disse que sua tia iria chegar aquela tarde.
- Acho que vai ser bom pra minha mãe ter a irmã por perto, sabe... – Pedro deu de ombros, enquanto entrava na rua do The Licious – Quanto mais energia positiva, melhor.
Clara limitou-se a sorrir e pegar a mão de Pedro. Estava sentindo-se péssima pelo ocorrido da noite passada, porém não conseguia se concentrar em suas palavras. Não parava de pensar naquele garoto da pista de skate. Martin ainda não tinha dado sinal de vida e Clara estava começando a desconfiar que ele nunca quis dinheiro algum, queria apenas lhe atormentar.
Antes que entrassem no restaurante, ela deu uma desculpa pra Pedro: disse que precisava comprar absorvente na farmácia. Pedro quis ir com ela, mas ela insistiu para que ele entrasse e começasse a por ordem na cozinha.
Clara saiu em direção à farmácia que era há duas quadras do restaurante mas, ao chegar, virou a esquina e andou mais alguns metros até uma pequena loja de R$1,99 que havia ali. Ela entrou e comprou um isqueiro barato. No caminho de volta para o restaurante, Clara entrou em uma padaria e comprou um maço de Lucky Strike.
Clara sentia como se estivesse no piloto automático. Entrou no restaurante e mal respondeu ao bom dia de Mari. Ela foi direto para a saída dos fundos, onde ficava a parte das lixeiras e, mais a frente, a porta onde os fornecedores descarregavam as mercadorias.
Ela encostou em uma das lixeiras altas e acendeu um cigarro. Não fazia aquilo há anos e agora lá estava ela, fumando. Parecia ter voltado à sua adolescência, embora uma parte dela gritasse pare que parasse com aquilo, com seu comportamento estúpido, Clara simplesmente não conseguia se importar com as consequências. Fumou dois cigarros e depois entrou.
Mais tarde, naquele dia, Clara e Pedro estavam com Fred em seu escritório. Ele fazia a planilha de mercadorias a serem encomendadas naquela semana e falava algo sobre uma festa de Halloween.
- Não sei não... – Pedro disse, coçando a nuca – Não to em clima de festa.
- Ah, Pê... – Fred encarou o amigo com uma expressão que era um misto de tristeza e compreensão. – Eu entendo. Mas acho que seria bom. De verdade, seria bom termos uma noite de festa. Uma noite pra esquecer dos problemas, esquecer aquilo que não podemos mudar.
Essa última frase chamou a atenção de Clara. Esquecer aquilo que não podemos mudar.
- Eu acho que o Fred tem razão – Ela se manifestou, pela primeira vez. – Talvez seja bom mesmo, acho que estamos precisando.
Fred abriu um enorme sorriso.
- E talvez eu consiga mexer os meus pauzinhos e conseguir uma vaga pra GreenFox tocar. Talvez até a banda do Bernardo!
Clara percebeu um pequeno sorriso nos lábios de Pedro e soube que Fred o havia convencido.
Enquanto eles fechavam o restaurante, Clara foi para o carro de Pedro. Ela acendeu um cigarro e tragava lentamente quando sentiu o celular vibrar no bolso da calça. Era Martin.
Obrigada, Angel. Nos encontramos em breve.
Antes que Clara pudesse ter qualquer reação, o grito de Fred a assustou.
- QUE PORRA VOCÊ TA FAZENDO, CLARA?! – Ele foi até ela e arrancou o cigarro de sua mão, jogando no chão e pisando em cima.
Pedro assistia sem entender.
- Desde quando você fuma? – Ele perguntou.
- E a sua bronquite, Clara? O que você ta querendo?! – Fred continuava sua bronca.
- Ei, relaxa! – Clara elevou a voz – Eu só... Eu... Eu to estressada, Fred. Muita coisa acontecendo... – Clara respirou fundo, sentindo os olhos marejarem.
- Eu não vou te falar nada... – Fred olhou pra ela e depois pra Pedro – Boa noite, Pê – E foi em direção ao seu carro.
- Ta tudo bem, Clara? – Pedro perguntou, quando os dois já estavam sentados dentro carro. – Eu não sabia que você fumava... Nem que você tinha bronquite.
- Relaxa, Pedro. Ta tudo bem, o Fred apenas exagerou, como sempre. Não é como se eu fosse viciada em nicotina e minha bronquite ta bem controlada.
Antes que Pedro pudesse dizer algo, Clara o interrompeu:
- Vamos logo, sua mãe já está esperando.
Pedro ligou o carro e começou a dirigir. Clara estava agindo feito uma completa imbecil e sabia disso. Pedro estava apenas preocupado, não merecia que ela o tratasse assim. Mas ela também não podia despejar mais um problema nele. Sua vida já estava conturbada o bastante.
Quando entraram na casa da mãe de Pedro, parecia que havia uma festa no lugar. As pessoas falavam alto, assim como a música de fundo. Risadas se misturavam com conversas.
- Olha ai, meu sobrinho mais lindo! – Uma mulher igual à mãe de Pedro disse. Assim como Lucrécia, ela era baixinha e rechonchuda. Os olhos castanhos e a única diferença eram os cabelos pintados em um tom de ferrugem.
- Oi, tia Nadira – Pedro sorriu e abraçou a mulher. – Essa é a Clara, minha namorada – Pedro a apresentou e a mulher também a abraçou.
- O Bê tinha razão quando disse que você era linda – Nadira disse, segurando o rosto de Clara, que corou.
- E não é que agora você ta forte mesmo? – A voz vinha do outro lado da sala. Clara virou e deparou-se com uma mulher alta, quase da altura de Pedro. A pele morena combinava com o cabelo longo e escuro, os olhos verdes eram tão claros que quase brilhavam, mesmo à distância. Ela era mais velha, devia ter uns 30 anos. A mulher tinha lábios grossos e logo formaram um sorriso largo.
- Vanessa! – Pedro exclamou e deu a volta no sofá para abraçar a mulher.
- Pedrinho... – Eles se abraçaram forte por um tempo longo demais. Clara achou aquilo desnecessário.
Ela respirou fundo e então notou que Bernardo estava ao seu lado, porém não desgrudava os olhos da mãe, que conversava alegremente com a irmã gêmea.
- Ela começou o tratamento hoje... – Embora ele olhasse para as duas mulheres, seus olhos estavam desfocados. Em todo tempo que conhecia Bernardo, Clara nunca o vira assim, tão murchinho.
- Ei... – Ela abraçou ele – Vai dar tudo certo, Bê. Vamos ser fortes por ela, sim? Por tudo o que ela já fez por você e por seus irmãos. Ela precisa disso agora.
Clara soltou o abraço e Bernardo olhava para ela com aqueles olhinhos azuis, pequenos e marejados. Ela ia abraçá-lo de novo, mas Pedro chegou com sua amiga.
- Clarinha, essa é a Vanessa – Ele apresentou a mulher, que deu um abraço em Clara.
- Nossa, você é linda mesmo. Do jeito que o Bernardo falou – Vanessa riu quando percebeu que o garoto ficou envergonhado.
Clara cerrou o maxilar ao percebeu que a risada da mulher provocou um sorriso em Pedro. Ela era tão alta e o cabelo longo brilhava tanto. Clara sentia-se tão baixinha perto dela.
Para a surpresa e Clara e Pedro, Rafael saiu da cozinha com o pai. Aparentemente, os dois faziam pizzas.
- Perdi alguma coisa? – Pedro perguntou a Bernardo.
- A mãe pediu pro Rafa dar uma chance pra ele – Bernardo deu de ombros.
Pedro ergueu a sobrancelha, mas Clara sabia que ele sentia-se aliviado por ver que o pai e o irmão estavam se dando bem.
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Quando tudo acontece
RomanceAline e Clara são duas amigas que, aparentemente, têm uma boa vida. Aline tem o emprego perfeito, o apartamento perfeito e o namorado perfeito e Clara é uma chef de cozinha bem sucedida que vive para o trabalho e esconde alguns detalhes de seu passa...