Quando tudo acontece

Capítulo 17

Capítulo 17

Aline estava completamente entediada e totalmente tentada a entrar na conta do Instagram de Márcio, para saber o que ele andava fazendo. Antes que pudesse cair em tentação, deu um pulo do sofá, largando o celular por lá mesmo e foi até o que costumava ser o escritório de Clara.
O cômodo estava entulhado com seus pertences e então Aline pôs a mão na massa: sempre fora muito organizada. E até gostava de arrumar tudo, quando precisava pensar ou se distrair.
Lentamente o escritório de Clara voltou à vida e Aline conseguiu ajeitar tudo de modo que o cômodo ficasse habitável. Quando estava quase terminando, teve de ir correndo para o banheiro. Já era a terceira vez que os enjoos fortes lhe causavam vômito e já estava ficando cansada dessa situação. Estava escovando os dentes quando escutou a porta abrindo.
- Clara! – Ela praticamente gritou, nem se importando com a boca cheia de espuma do creme dental. A amiga mal apareceu no corredor e Aline começou a falar – Me desculpa! Desculpa, eu fui uma idiota. Acabei descontando minha raiva em você, Clarinha. Por favor, me desculpa.
Clara apertava os lábios, mas não aguentou: caiu na risada.
- O que foi? – Aline perguntou, sem entender a reação da amiga.
- Você ta cômica com essa boca cheia de espuma!
Aline fez bico e então voltou para o banheiro, enxaguando a boca logo em seguida.
- E então? – Ela perguntou, olhando para o reflexo de Clara através do espelho. – Estamos bem?
- Sempre estamos – Clara sorriu e lhe deu um abraço de lado.
Talvez fossem os tais hormônios da gravidez, mas Aline caiu no choro.
- O que foi? – Clara perguntou, afastando-se da amiga para lhe enxugar as lágrimas que corriam pelo rosto.
Aline ainda sentia-se mal por todas as bobagens que falara à Clara. Sentia-se egoísta: a amiga lhe cedera sua casa, sem nem pensar duas vezes, e era assim que Aline agradecia.
- Eu sou muito ingrata, Clarinha. Não mereço uma amiga como você – Aline falou entre soluços.
- Ah, nãããão! – Clara falou. Ela sorriu fraco e foi puxando a amiga até seu quarto. – Pode parar, okay? – As duas sentaram-se à cama de Clara – Eu sei que você não teve a intenção de me machucar, Li. Apenas estava irritada com a situação. E também, não é pra menos!
Aline soluçou mais uma vez e Clara a abraçou
- Vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem... – Clara repetiu a frase por mais algumas vezes e Aline se acalmou.
Tudo ficaria bem.

Mais tarde, Aline e Clara estavam voltando para o The Licious e conversavam sobre o domingo desastroso que tiveram. Clara não contou o verdadeiro motivo da briga com Gian. Por vezes a verdade lhe subiu, mas ainda não estava pronta para aquilo. Sabia que mais cedo ou mais tarde teria que contar para Aline. Então, que fosse mais tarde.
- Posso falar uma coisa? – Aline perguntou. Falavam de Pedro e do ocorrido da noite passada – Essa namorada dele parece aquelas cheerleaders de filme adolescente!
As duas riram alto.
- Talvez ela seja menor de idade e por isso o Pedro teve que usar o restaurante ao invés de ir para um motel... – Aline deu de ombros e Clara fez cara de nojo.
- Bom, mas eu ganhei um chocolate – Clara sorriu involuntariamente e estacionou o carro.
- Sabe, acho que gosto bem mais do Pedro do que do Gian... – Aline falou e Clara lhe fuzilou com o olhar antes de saltarem do carro. – Desculpa, é apenas minha opinião! - Aline levantou as mãos.
As duas entraram no restaurante e foram direto para o escritório de Fred.
- Gatinhas! – Ele as cumprimentou quando entraram.
- Eu estava mesmo falando de você – Pedro disse para Clara, depois de cumprimentar Aline.
- Olha só que coincidência! – Aline disse, abrindo um enorme sorriso e, mais uma vez, Clara fuzilou a amiga com o olhar.
Antes que Pedro ou Fred pudessem entender, Clara se manifestou:
- O que vocês falavam?
- O curso de verão do chef Millano está com vagas abertas – Pedro disse.
- Ah, eu adoro o chef Millano! – Clara disse com os olhos brilhando.
- Por que vocês não se inscrevem no curso? – Aline perguntou.
- Porque o chef Millano está na Itália! – Clara riu.
- E dai? – Aline insistiu.
- E dai que eu não posso deixar o restaurante... E nem você!
- Pode parar de me usar como desculpa! Eu não sou uma boneca de porcelana prestes a quebrar.
- Certo, vocês não vão começar a discutir sobre isso agora, né? – Fred interveio.
- Mas não é uma má ideia... – Pedro manifestou-se, dando de ombros.
- Sabe o que não é uma má ideia?! – Clara disse – Nós irmos para a cozinha!
Enquanto ela e Pedro iam para a cozinha, Aline e Fred ficaram no escritório.
- Que cara é essa? – Fred perguntou e Aline jogou-se em seu pequeno sofá.
- Acho que a Clarinha deveria fazer esse curso...
- Eu também acho, mas você sabe como essa menina é teimosa. Ela jamais deixaria o restaurante. E tem você também...
- Gente! Parem de me tratar assim. E outra: eu não estaria sozinha. Você ta aqui – Aline mostrou a língua para Fred. – Sério, Fred. Qual foi a última vez que a Clara fez algo pro ela?
Fred ponderou por alguns segundos.
- É, você ta certa...
- Vamos convencê-la! – Aline sorriu.
- Vamos! – Fred levantou-se – Mas, agora, você vai me ajudar lá na recepção.
Pelo resto da noite, Fred e Aline ficaram na recepção do restaurante. O que foi bom pra Aline, já que ela não teve tempo para pensar em Márcio.
Na cozinha, por mais atarefada que Clara estivesse, sempre arranjava um tempinho para checar o celular. Aguardava ansiosamente por uma mensagem de Gian. Estava lavando a mão pela milésima vez, para começar a preparar outro prato, quando percebeu que Pedro se aproximava.
- Ta tudo bem? – Ele perguntou, enquanto Clara enxugava as mãos.
- Ta... – Ela deu de ombros e começou a fatiar uma cenoura.
- Você não para de olhar o celular. Brigou com o namorado?
- Pedro. Você não deveria me provocar enquanto eu estiver com uma faca na mão – Clara olhou para ele e sorriu, levantando a faca.
- Uau, agora você realmente ficou sexy! – Pedro riu e Clara sentiu as bochechas esquentarem.
- Sai daqui! – Ela jogou vários pedaços de cenoura na cabeça dele, que se afastou gargalhando.

Naquela noite Aline não conseguia dormir. Por fim, desistiu de tentar esperar pelo sono e ligou o notebook.
Os dedos coçaram para digitar o nome de Márcio. Mas ela foi forte. Respirou fundo e, ao invés de stalkear o ex, abriu uma página do Google e digitou outro nome na barra de busca: Caio Rabello.
Os resultados preencheram a página quase que instantaneamente. Aline clicou em um link aleatoriamente e então percebeu que era algum tipo de site de fofoca.
Homens de terno era a manchete da matéria que parecia fazer um compilado de empresários gatos. Obviamente Caio estava entre eles.
- Não podia ser diferente... – Aline falou sozinha e pôs-se a ler a ficha de Caio. Por um momento ela provou do próprio veneno e sentiu-se como uma cheerleader adolescente.
Caio Rabello, 32 anos. Editor chefe da Millenium, uma das revistas de cultura pop mais prestigiadas do país. O gato faz o típico nerd, quase um Clark Kent, mas fica uma loucura de terno.
Aline ria do tom da matéria, mas teve que concordar: Caio ficava uma loucura de terno. Ilustrando a matéria havia algumas fotos de Caio em eventos, nos quais ele usava ternos lindos que lhe caiam muito bem.
O que muita gente não sabe é que Caio é herdeiro do império da Millenium: a revista foi fundada por Jeremias Cardoso e depois passou para Cesar Cardoso, pai de Caio. Porém, o gato preferiu usar o nome da mãe, a terapeuta Marieta Rabello. Fontes dizem que Caio preferiu não ser ligado diretamente ao nome do avô e do pai, para ser reconhecido por seu profissionalismo. E a humildade do nosso Clark Kent brasileiro não para por ai: Caio é super engajado em causas humanitárias. É padrinho do orfanato Santa Luzia, que visita religiosamente 4 vezes por mês, além de apoiar o Projeto Tamar.
Agora, uma notícia quentinha: Caio está solteiro! Isso mesmo, meninas. É hora de fazer a culta e começar a passear pela Livraria Cultura, para tentar fisgar o coração do moço. Caio namorou por cinco anos Graziella Montouro. Fontes dizem que o relacionamento acabou por conta da distância, já que a gata morava na Europa. Porém, Graziella está de volta ao Brasil. Será que vai rolar uma reconciliação? Bom, mas não custa nada fazer um plantão pelas livrarias da cidade, não é mesmo?
Só depois de terminar de ler a matéria foi que Aline reparou na foto de Caio com a tal Graziella.
- PUTA QUE PARIU! – Aline praticamente gritou, logo em seguida levando a mão à boca.
Graziella Montouro: alta, esguia. Cabelos vermelhos intensos e em um corte assimétrico. Na foto, Graziella sorria para a câmera. Estava na recepção de algum evento e Caio lhe envolvia a cintura.
Graziella Montouro, a mesma ruiva para quem Aline havia perdido o emprego era também a ex de Caio.
- Sério, vida?! – Aline falava sozinha, rindo de sua própria sorte.