Capítulo 50

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Capítulo 50

Finalmente, sua casa estava vazia. Aline convencera sua mãe a ir embora também e ela cuidaria da bagunça. Deu um jeito nos copos e pratos espalhados pela sala, rapidamente, e então pegou suas chaves e a bolsa. Ela já estava quase saindo do prédio quando o porteiro disse que havia um moço querendo falar com ela. Aline olhou para o portão e lá estava Márcio.
- O que foi agora?
- Olha você aqui... – Márcio disse com a voz arrastada. Aline revirou os olhos ao constatar que ele estava bêbado.
- Márcio, vai embora. Você ta bêbado eu não tenho tempo agora.
Aline tentou passar por ele para chegar até o carro que estava do outro lado da rua, mas Márcio não deixou.
- Aline, eu vim trazer o presente da nossa filha...Ic! – Márcio soluçou no fim da frase e então solto uma gargalhada alta. Ele estava tão bêbado que mal se aguentava em pé. – Aline... Aline... Por que você ta fazendo isso comigo? Eu te amo tanto, tanto. Você precisa voltar pra mim!
- Você precisa ir embora!
- Ta tudo bem ai, dona Aline? – O porteiro perguntou.
- Ta sim, Simão. Tudo certo! – Aline deu um sorriso amarelo para o homem e então agarrou a mão de Márcio e atravessou a rua com ele, indo até seu carro.
- Aline, você não me disse que já tinha escolhido o nome dela. Ana Julia. Ana Julia. Ana Julia! Que nome é esse?! Nem de Los Hermanos você gosta! Aposto que foi aquele idiota do seu namoradinho!
- Cala a boca, Márcio! Entra ai! – Com certa dificuldade, ela conseguiu colocá-lo sentado no banco do carona. Ela estava se perguntando como ele sabia que ela escolhera o nome da bebê. Só podia ser no Facebook.
Aline estava muito irritada. Não estava nos seus planos ter que carregar o ex namorado, bêbado, até sua casa. Durante todo o caminho, Márcio foi choramingando. Dizendo repetidamente o quanto ele se arrependia por não ter sido bom o bastante pra ela e que, agora, queria ser o que ela precisava. Aline ignorava todas as suas palavras, repetindo para si que aquilo ia passar.
Ela estacionou em frente à casa de Mário e o ajudou a saltar do carro. Aline estava prestes a voltar para o banco do motorista, mas Márcio acabou tropeçando na guia. Ele caiu e ralou a testa, que começou a sangrar instantaneamente.
- Mas que merda, Márcio! – Aline gritou, enquanto o ajudava a levantar. Ele balbuciava algumas palavras que ela não se importou em entender.
Aline o arrastou até a porta e entrou na casa com ele. Ela o fez ir direto para o o banheiro e ordenou que ele tomasse um banho. Aline esperava que ele conseguisse realizar aquela simples tarefa sem se machucar. Não queria ter que ajudá-lo nessa parte.
Ela deixou Márcio no banheiro e foi até seu closet pegar roupas limpas. A familiaridade daquele lugar a irritava demais. Aquela não era mais a sua vida, ela não deveria estar ali. E, ainda sim, lá estava ela. Cuidando do ex. O mesmo cara que deixou bem claro que não queria nenhum envolvimento em sua gravidez. Ele não merecia sua ajuda. Mas Aline não conseguia ser do tipo de pessoa que não se importava. Ele estava realmente mal, não queria que nada de grave acontecesse com ele.
Quando voltou para o banheiro, Márcio estava enrolado em sua toalha preta e felpuda. A mesma toalha que Aline havia comprado para ele, meses atrás. Ele estava sentado na privada.
Ela jogou as roupas para ele e foi até a cozinha encher um copo de água. Voltou com o copo ele estava vestindo a camisa.
- Bebe isso – Ela disse, entregando o copo para ele. Márcio tomou tudo e deixou o copo em cima da pia.
Aline o fez sentar novamente e então limpou o machucado, sob os protestos de dor que Márcio fazia. Ela colocou um band-aid.
- Pronto, seu bundão. Vai pra cama agora.
Márcio levantou, meio cambaleante e foi para o quarto apoiando-se nas paredes. Ele deitou-se e soltou um grunhido.
- Ta tudo girando.
- Bem feito. Da próxima vez você pensa antes de tomar o bar inteiro. – Aline estava encostada no batente da porta, os braços cruzados.
- Aline... – Márcio levantou-se, apoiando-se nos cotovelos. Os olhos estavam anuviados. – Eu precisava te ver. Tem noção de como dói em mim ver todas aquelas fotos no Facebook? Eu fiquei sabendo o nome da bebê por lá...
- Bom, eu vou bloquear a sua mãe também, já que você ta usando o perfil dela pra fuçar as minhas postagens.
- Não! Não... Não faz isso, por favor... – Ele esfregou a têmpora, devia estar com dor de cabeça. Aline reprimiu o instinto de ir buscar um remédio. Ele poderia fazer isso sozinho. – Nós precisamos conversar. Eu não estou aguentando essa situação. Eu sinto sua falta, Aline! Eu quero ser o pai que você quer que eu seja.
- Chega. Pode parar com isso. Você fez sua escolha, Márcio. E agora vai ter que lidar com as consequências. Você me destruiu, deixou meu coração em pedaços sem nem pensar duas vezes. Acontece que eu percebi que sou muito mais forte do que isso e realmente não preciso de você.
- Mas você está aqui agora... Você se importa, não é?
- Eu apenas não queria que você fizesse alguma besteira. Não se engane... – Aline balançou a cabeça e saiu do quarto. Márcio a chamava, mas ela não voltou. Ele não tinha mais poder sobre ela.
Incrivelmente, Clara conseguiu convencer Fred de que ela estava bem e ele não precisou ficar com ela.
Ela tomou um banho, desejando que a noite passada descesse pelo ralo como a água que escorria por seu corpo. Estava com um péssimo pressentimento com relação à Martin.
Ele voltara para receber o que Samuel lhe devia, mas não quis o dinheiro logo de cara e essa atitude a assustava. Por mais que a época em que esteve com Samuel fosse a melhor de sua vida, ela também havia feito coisas que, hoje, não se orgulhava e não gostava de lembrar. Tudo ligado aquela época era doloroso.
Clara estava quase dormindo, quando ouviu a porta ser aberta. Pelo perfume, ela soube que era Pedro. Clara apertou os olhos. Ainda não havia ligado o celular e não havia falado com ele desde a noite passada.
- Ei, sumida. Onde você estava, hein? – Pedro deitou-se na cama ao lado da namorada. – Clara, você ta bem?
- To sim... – Ela fechou os olhos e sorriu com a preocupação dele. Depois do banho e de tirar a maquiagem borrada, ela descobriu que estava com olheiras – Não dormi bem essa noite...
Pedro a puxou para mais perto de seu corpo e começou a mexer em seu cabelo. Perguntou sobre o chá de bebê e Clara sustentou sua mentira: disse que havia bebido demais e perdera o evento.
- Eu vim te chamar pra jantar na casa da minha mãe. Parece que ela quer nos contar alguma coisa...
Clara estava cansada e sem clima algum pra socializar. Mas não queria decepcionar mais alguém no mesmo dia. Ela trocou de roupa, passou maquiagem para esconder as olheiras e saiu com Pedro.
Todos esperavam pelos dois. Rafael estava com a namorada em um dos sofás. Clara havia a conhecido no aniversário de Fred. Pamela era um garota tranquila e a diferença de personalidade parecia ser o que os juntava, já que Rafael era bem temperamental. A pele negra assim como os olhos e o cabelo black power ornavam perfeitamente com as longas pernas que lhe conferiam um ar de top model internacional. Porém sua área de atuação nada tinha a ver com o mundo da moda: era enfermeira.
Pedro e Clara cumprimentaram a família e sentaram-se no outro sofá, Bernardo ainda parecia fascinado toda vez que via a cunhada e Clara achava fofo aqueles olhinhos azuis brilhando pra ela.
- Fala, mãe – Rafael pediu. Ele balançava a perna, já devia estar curioso.
- Na verdade, ainda falta uma pessoa... – Lucrécia estava em pé, olhando para a porta como se ela fosse se abrir a qualquer momento.
- Quem? – Rafael quis saber.
- A mamãe ta esperando o papai... – Bernardo disse, distraído, brincando com uma das várias pulseiras que usava.
- Quê?! – Rafael faz uma cara estranha, olhando de Bernardo para a mãe.
Clara e Pedro se entreolharam.
- Calma, Rafa... – Pamela entrelaçou seus dedos com os do namorado.
Então a campainha tocou e Lucrécia foi atender.
E lá estava o pai de Pedro. Clara teve certeza que era ele: o cabelo loiro, os olhos azuis. Os filhos eram a sua cópia. Enrico era um homem alto e robusto. A barba espessa era clara como o cabelo liso.
- Boa noite, Lucrécia – Ele cumprimentou a ex mulher, quando esta lhe deu espaço para entrar na casa.
Rafael levantou, mas não teve tempo de falar nada, pois sua mãe foi mais rápida.
- Pode sentar, Rafael. E ficar quietinho. Quem vai falar agora sou eu.
Rafael engoliu em seco, mas obedeceu a mãe.
Clara sentia que Pedro estava ficando tenso. Ela própria não entendia o que estava se passando ali. Como sempre, o mais tranquilo era Bernardo. Ele deu um leve sorriso para o pai, gesto que foi retribuído.
Lucrécia fez sinal para que Enrico sentasse em uma das poltronas e ela permaneceu em pé, de frente para eles.
- Mãe, o que é isso? – Rafael estava impaciente.
- Eu sei que disse que não iria interferir na decisão de vocês, de se aproximarem ou não do seu pai. E eu não teria mudado de ideia, mas a minha atual situação me fez repensar isso. Bom, eu fiz alguns exames, de rotina mesmo. E descobri que eu tenho câncer. Câncer de mama.
Lucrécia balançava a cabeça e mordia o lábio. Clara percebia o esforço que ela fazia para tentar transparecer calma.
O silêncio se fez presente na sala. Por vários instantes, ninguém disse nada. Pedro segurava a mão de Clara firmemente. Bernardo levantou e foi abraçar a mãe e foi o que bastou para a mulher desabar: o choro foi instantâneo. Pedro e Rafael juntaram-se ao abraço. Clara já tinha os olhos marejados.
- Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem... – Bernardo repetia, enquanto enxugava as lágrimas da mãe e deixava as suas rolarem livremente.
- O que mais a médica disse, Lu? – Pamela perguntou, depois que ela e Clara abraçaram a sogra.
Enrico levantou e ficou ao lado da ex mulher, a mão em suas costas.
- A médica disse que estou no estágio um, e ela está otimista. Mesmo assim, eu quis contar pra vocês pra... – Ela engoliu em seco, os olhos vermelhos – Decidirmos como vai ser daqui pra frente.
Depois da notícia, não havia como o jantar ser animado. E foi o mais silencioso possível.
Rafael foi levar Pamela em casa e Lucrécia e Enrico se retiraram para ter uma conversa a sós. Clara só podia imaginar o que se passava na cabeça da sogra, como estava sendo difícil toda aquela situação. Mas admirou a mulher por sua força. Por esquecer todos os anos de dor e por seus filhos em primeiro lugar. Porque era isso o que Lucrécia estava fazendo. Agora, mais do que nunca, ela queria e precisava que Enrico estivesse por perto. Caso algo acontecesse a ela, os meninos teriam o pai.

Mais tarde naquela noite, Clara estava na cozinha da casa de Pedro preparando um chá para eles, quando escutou ele dizer do quarto que seu celular estava tocando. Ela, distraída, pediu para que ele atendesse. Clara encheu duas xícaras e foi pro quarto.
- Martin? – Pedro disse e olhou para Clara.
Só então ela percebeu que Pedro falava com Martin. Seu coração deu pulo e ela deixou as xícaras no criado mudo, pegando o celular logo em seguida e saindo do quarto.
- O que você quer? – Ela sussurrou, entre dentes.
- Boa noite, Angel. Era seu namorado? – Martin soltou um riso do outro lado da linha.
- Martin, eu não posso falar agora. Não é uma boa hora.
- Venha ao loft amanhã a noite. – Ele disse e desligou.
Clara observou a tela do aparelho por alguns instantes. Até quando aquele cara iria ficar na cidade?
- Quem era? – Pedro perguntou, tomando um gole de sua xícara.
- Nada de importante... – Ela deu de ombros e sentou ao lado dele para tomar seu chá.
Na manhã seguinte, quando Clara acordou, Pedro não estava mais na cama ao seu lado. Ela escutou barulhos vindos da parte de trás da casa e teve certeza de onde encontrá-lo.
Destravou a tela do celular e se arrependeu ao ler uma mensagem de Martin:
Não se esqueça do nosso encontro hoje a noite. A menos que você queria que eu vá até seu restaurante novamente...
Clara revirou os olhos e deixou o celular em cima do criado mudo. As velas de Pedro, que ficavam espalhadas pelo chão de seu quarto, eram elétricas e a essa hora da manhã estavam desligadas deixando o quarto numa penumbra suave.
Clara fez um coque frouxo no cabelo e foi até a parte de trás da casa. Encontrou Pedro socado seu saco de pancadas e, por alguns longos instantes, ela apenas ficou observando o namorado. Ele era lindo, mas não só fisicamente. Pedro tinha um coração enorme, era a pessoa mais gentil que Clara conhecia e, muitas vezes, não sabia como ele conseguia ficar ao seu lado: ela, tão estressada e agitada. E agora ele estava sofrendo e não havia muita coisa que Clara pudesse fazer, a não ser ficar ao seu lado.
Ela caminhou até ele e o abraçou por trás, fazendo-o parar um soco no ar. Pedro arfava, o suor escorrendo por seu rosto e suas costas, e por um instante ele ficou imóvel mas, ao reconhecer o toque de Clara, seus músculos foram relaxando e ele cedeu ao abraço.
Pedro virou-se de frente para ela e foi o que bastou para que ele desmoronasse. Diferente da primeira vez em que Clara o havia encontrado naquele mesmo lugar, o choro agora era muito mais intenso. Clara sentia sua dor.
- Meu amor... – Clara afagava seus cabelos e sentia suas próprias lagrimas escorrerem pelas bochechas – Vai ficar tudo bem, você precisa acreditar. Pe, você precisa ser forte.
Só então Clara percebeu que Pedro vinha sendo forte a vida toda. Se não por ele, por sua família.
- Eu sei que você consegue – Ela continuou, percebendo que ele se acalmava – E eu to aqui, contigo. Vai dar tudo certo...

Quando chegaram no restaurante, Pedro foi direto pra cozinha e Clara foi para a sala de Fred. Entrou sem bater e encontrou Aline, chorando em uma das poltronas e Fred andando de um lado pro outro.
-Aimeudeus. O que aconteceu?! – Clara sentou-se ao lado e Aline e segurou suas mãos. Seria mais uma desgraça? Era só o que faltava...
- Aline ta surtando!
- Por que?
- Ela assistiu vídeos de partos no YouTube!
- Eu não vou conseguir fazer isso! – Aline choramingava entre soluços.
- Claro que vai! Você foi programada na fábrica pra fazer isso! – Fred gritou e Aline se calou, engolindo as lágrimas.
Clara se recostou na cadeira e suspirou. Tudo bem, por enquanto.

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