Capítulo 1

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– Presente! – falei em alto e bom tom.

Todos da sala começaram a rir e eu não sabia do quê. Olhei para o lado. Minha amiga Beatriz se encolhia na banca, sua pele oliva havia ganhado um tom de vermelho bordô intenso. O que foi que ela fez? Se eu não estivesse dormindo no meio da aula, eu não teria perdido a piada.

– Ele tá entregando as provas e não fazendo chamada! – Beatriz disse, revelando que eu era quem tinha feito besteira, como sempre.

Eu havia pedido para Beatriz me acordar quando o professor estivesse fazendo a chamada. Quando escutei meu nome sendo dito por aquela voz grave e fatigante que sempre me colocava para dormir, naturalmente assumi que era a chamada. Até porque nós havíamos feito a prova na quinta-feira. Que professor levava um fim de semana para corrigir uma prova?! Ele deve ser muito solitário ou muito desocupado mesmo.

– Por que você não me acordou?! – sussurrei irritada.

Não é porque ele estava entregando as provas que isso isentava Beatriz da sua obrigação de me acordar nas horas importantes!

– Eu tentei! Não é culpa minha se seu nome é o primeiro da lista!

– Amélia Nakayama? – o professor repetiu.

Eu levantei, meio sem equilíbrio, joguei meu cabelo para trás e fui pegar minha prova como se nada tivesse acontecido. Olhei para o professor e sorri, tentando parecer simpática. Cabelos castanho claro cuidadosamente penteados de lado, barba bem feita, óculos de armação prateada e a boca em linha reta. Ele era a seriedade em pessoa.

Entregou a prova um pouco inclinado para trás, segurando o papel com a ponta dos dedos, uma única sobrancelha levantada. Ele podia tentar parecer ameaçador, mas suas sobrancelhas caídas e seus olhos redondos o deixavam com cara de cachorrinho machucado. Não pude evitar de sorrir ainda mais com essa fracassada tentativa de declarar desdém.

Eu não podia culpá-lo por me odiar. Eu sempre chegava tarde em suas aulas. Hoje mesmo, devo ter me atrasado mais de uma hora. Algum imprevisto? Claro que não. Eu só quis dormir mais um pouco. E quando finalmente me levantei, não me dei ao trabalho de me arrumar mais rápido.

Tomei meu tempo. Tomei um banho, lavei meus longos cabelos pretos e aproveitei para dar uma hidratação. Também tive que usar um pouco de corretivo para as olheiras e fazer um delineado gatinho. Sim, eu tenho que fazer um delineado gatinho todos os dias. Eles destacam meus olhos puxados. Não saio de casa sem um delineado a não ser que eu esteja muito sem saco, o que ainda não era o caso. Eu preferia acordar mais cedo todos os dias para fazer isso do que sair de casa sem. Bom, exceto nas terças e quintas. Dia de crítica de arte, uma eletiva que peguei só para preencher as horas complementares. Faltava um ano e meio para eu me formar em jornalismo e a última coisa que queria é ver um professor monótono falando de arte enquanto eu me preocupava com o TCC. Bom, eu ainda não estava exatamente pensando no TCC ainda, mas estava mais interessada no que estava acontecendo no mundo real.

Voltei para meu lugar sem dar muita importância para a cara feia do professor. Afinal, estava aqui só para me livrar dessa eletiva. Então olhei minha nota. Sabe aquele sorriso de quem não estava nem aí para o que o professor pensava? Sumiu no momento que me deparo com um "3,0" vermelho bem grande naquele papel. Sim, a prova valia dez.

– Tá vendo o que eu disse?! – Beatriz enxerida viu minha nota por cima do meu ombro. – Vai parar de cochilar no meio da aula agora?

Pronto, era só o que me faltava. Ouvir sermão da amiga certinha. Isso, entre outras coisas, foi o motivo da nossa amizade de ensino fundamental não ter durado até o ensino médio. Ela conseguia ser muito chata e julgadora às vezes. Tanta faculdade nesta cidade, pelo menos umas três que tinham o curso de jornalismo, e ela foi parar na mesma turma que eu.

– Besteira! Recupero nas próximas provas. – Baixei minha cabeça para tentar voltar a dormir.

– Lia, meu anjo, só temos mais duas provas. Pra passar direto você tem que ter pelo menos 21 pontos. Você só conseguiu três nessa prova. Acha mesmo que vai tirar um nove nas próximas duas?

Levantei minha cabeça para encarar Beatriz. Admito, estava começando a ficar um pouco preocupada. Eu não tinha o menor interesse no assunto. Costumava ser boa em enrolar. Um nove, porém, era um pouco difícil até para mim. Ainda mais em uma matéria tão ridícula quanto essa.

– Quanto eu tenho que conseguir na final? – perguntei.

– Maria Beatriz Leão – o professor a chamou.

Fiquei esperando ansiosa seu retorno para que ela respondesse minha pergunta. Não sei o que faria se reprovasse essa matéria. Já não estava com saco de cursá-la da primeira vez, imagina se eu tivesse que passar outro semestre vindo aqui! Eu não ia me formar nunca!

Beatriz finalmente chegou, sentando-se e olhando para a nota. O sorriso sumiu do seu rosto também. Parece que eu não era a única com nota ruim. Olhei por cima do seu ombro. Oito e meio. Devia ter suspeitado que a senhorita perfeitinha não ia tirar uma nota ruim de verdade. Devia estar devastada só porque foi menos que nove.

Limpei a garganta para chamar sua atenção.

– Então, quanto eu tenho que tirar na final? – perguntei novamente.

– Você tira a média dessas três provas e, considerando que é menor que sete, você subtrai dez e esta é a nota que você tem que tirar na final – explicou.

– Então se eu tirar apenas três, eu tenho que tirar sete na final?

– Isso. Mas se sua média for menor que 3, reprova direto.

Ok. Um sete era mais plausível. E eu me preocupando à toa! Já podia voltar a dormir tranquila.

Ao fim desse pesadelo que alguns chamam de aula, eu e Beatriz fomos até uma lanchonete pegar um café. A próxima aula era mais interessante e eu planejava ficar acordada. Um café preto, por favor. Sem açúcar.

– Poxa, Lia! Eu vinha te avisando que isso ia acontecer! Mas você nunca me escuta! – Lá vinha sermão da amiga super-responsável. – Você sabe que se reprovar, eu vou para a Janela sozinha!

A Janela Notícias era o sonho de qualquer estagiário de jornalismo. Pagava bem, era perto na nossa faculdade e algumas vezes contratavam. Ofereciam duas vagas de estágio todos os anos.

– Relaxa! Eu não vou reprovar – eu disse tomando um gole de café.

– E por causa de uma matéria! Vai tudo por água abaixo por causa de uma única matéria! – Sempre tão dramática!

– Seu café vai esfriar. – Tentei mudar de assunto.

Ela olhou para mim querendo me matar. Como se ela pudesse ser ameaçadora. Beatriz era pequena e magra e tinha grandes olhos castanhos arredondados. Parecia o Bambi. Ela era muito fofa para ser ameaçadora.

– Você se acha muito esperta, não é? – ela disse.

– Claro. Aposto que se eu estudar um pouquinho, consigo um dez na prova daquele babaca – disse dando de ombros.

– Ok. – Notei um sorrisinho se formar no canto de sua boca. – Aposto que você não consegue passar sem ir para final na matéria de Castilho.

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora