Capítulo 65

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Nós terminamos o trabalho em uma tarde. Já havia algumas partes prontas que havíamos pesquisado durante o semestre, então sabíamos que não ia demorar. Depois, paramos para nos inscrever para o processo seletivo da Janela. Sinceramente, eu estava com um pouco de ranço dessa empresa. Foi por causa dela que a aposta aconteceu, afinal. Por outro lado, René também aconteceu. Então acho que não estava com tanta raiva assim.

O processo seletivo aconteceria em dois meses. Tínhamos que fazer um teste online. Os que passassem iriam para uma dinâmica em grupo em dias marcados. Destes, alguns pouco selecionados seriam convidados para uma entrevista que por fim escolheria apenas dois estagiários. Ou estagiárias, contado que fosse eu e Beatriz, o que era bem improvável. O sete que tirei na cadeira de crítica de arte certamente havia arruinado minhas chances. Mas, quem sabe? Todo trabalho que eu tive com a meu artigo poderia ser levado em consideração e me render uma das vagas.

Bom, fizemos o que podíamos fazer. Agora só nos restava pedir uma pizza, ou melhor, duas. Débora e a musa fitness Carol disseram que queriam também.

– Tem certeza, Carol? – perguntei. – Não vai ficar chorando por ter ingerido duas mil calorias em uma noite?

– Er... – Carol paralisou por uns segundos. Então sacudiu a cabeça. – Não! Eu mereço essa pizza! Ou melhor, pode pedir três. – Eu não conhecia esse lado espontâneo do Carol, mas estava gostando. – Eu e o moleque, digo, Hélio, finalmente terminamos com todo o processo e somos oficialmente uma empresa júnior! Eu sou a chefe, claro.

Claro. Ninguém melhor para tomar as decisões do que ela. Alguém que se questionava de todo passo que se atrevia a dar. Mas nunca dava um passo em falso. Carol se sentou de frente para mim, nariz em pé sentindo o cheiro de seu futuro brilhante.

As pizzas chegaram. Os refrigerantes também. Débora veio até a sala quando o sentiu o aroma engordurado de queijo e massa afogados no óleo. Ela estava estudando bastante para a prova de recuperação de amanhã. Suas olheira escuras como eu jamais tinha visto, revelavam que não havia dormido muito bem durante o fim de semana. Porém, seu sorriso cortava de uma bochecha a outra.

– Essa felicidade toda é por causa da pizza? – Beatriz perguntou. – Pode ficar com uma das minhas fatias se for o caso.

– Valeu, Beatriz. Mas não precisa. – Débora se sentou ao lado de Carol. – Mas isso é porque Natália finalmente conseguiu um emprego e um lugar pra morar aqui! A partir do semestre que vem ela volta para retomar a faculdade e nós vamos poder nos ver sempre!

Faz, o quê? Uns dois meses que essas duas estavam sem se ver. Não era muito. Era o que eu diria no começo do ano. Agora, nem se passava pela minha cabeça passar tanto tempo longe de René. Aquele tempo que passamos separados foi uma tortura e olhe que eu tinha um monte de coisa para ocupar minha mente. Contudo, ficar longe não é uma coisa que se planeja. A vida tem suas maneiras de interferir. E se René decidisse fazer um doutorado em outro estado? E se eu quisesse fazer meu mestrado em outro país?! Eu provavelmente ia fazer. Estava nos meus planos, ironicamente.

Não precisava me preocupar com isso agora, nós havíamos acabado de recomeçar. Desde esse dia, porém, foi inevitável querer passar o máximo de tempo que eu pudesse com ele.

É claro que não podíamos. Combinamos que eu manteria uma certa distância dos filhos dele até que se acostumassem ao poucos comigo. Apenas depois de um mês eu poderia dormir na casa dele e ver as crianças de novo. Depois de um tempo poderíamos reduzir essa distância para quinze dias, depois uma semana então duas vezes por semana e assim essa transição seria gradativa para mim, para ele e para Gigi e Gael.

Não seria lindo se fossemos esse tipo de casal responsável?

Na realidade, eu praticamente me mudei para a casa dele. Nas duas primeiras semanas das férias ainda tentei ficar longe, vê-lo só quando os filhos não estavam ou marcar em um lugar diferente. Mas com crianças também de féria, estava ficando muito difícil encontrar um horário conveniente. Cheguei algumas noites na casa dele quando seus filhos dormiam e planejei ir embora antes que acordassem. Mas quando a manhã chegava, eu não queria ir e René não ajudava, implorando para que eu ficasse mais um pouco.

Eventualmente acabamos desistindo e as crianças simplesmente não se importaram com minha presença constante. É claro que havia um certo receio da nossa parte, pois poderíamos terminar nosso namoro e os pequenos iriam acabar sentindo minha falta. Contudo, quanto mais tempo eu passava com René, menos acreditava que o término fosse uma possibilidade.

Débora estava viajando para ver a namorada enquanto ela não se mudava de volta. Carol e Beatriz estavam na casa dos pais. Mas não passei um dia sequer no nosso apartamento nos últimos vinte dias. Fui visitar minha mãe, meu pai e minhas irmãs em um fim de semana. E esse foi o maior tempo que passamos separados desde o nosso retorno.

René já havia sido oficialmente contratado pela nova universidade e eu logo retornaria às aula. Em alguns poucos dias teríamos que nos distanciar novamente. Lidaríamos com isso quando fosse a hora. Por enquanto, estávamos vivendo praticamente como recém-casados em uma quase lua de mel. Digo quase pois a maioria dos recém-casado não leva crianças para a lua de mel.

Porém, passando o dia todo juntos, os filhos dele não demoraram a se acostumar comigo. Eles haviam me apelidado de Lila. O pequeno Gael não consegui falar Lia, o que era mais fácil de falar e não fazia sentido nenhum que ele não conseguisse. Gigi achava engraçado o erro do irmão e acabou adotando o nome também. Daqui a pouco René estava me chamando dessa maneira também. Não posso mentir, era um apelido fofo. E era bem melhor que meu nome.

Em uma dessas manhãs, Gael brincava no canto com seus bonecos, fazendo seus próprios efeitos sonoros de luta, enquanto eu e René lavávamos os pratos juntos, cantando a música que tocava no rádio. Quem não ama os clássicos da música nacional? Bom, havia um muito específico que eu não gostava nem um pouco. E ele começou a tocar. Eu paralisei na hora. Não podia ser a minha música, podia?! René notou e olhou para mim com suas sobrancelhas erguidas em surpresa. Corri para desligar o rádio, mas ele se pôs na minha minha frente.

– Você só pensa em luxo e riqueza! Tudo que você vê você quer! – ele cantava, me pegando pelo braço para uma dança esquisita.

– Pode parar! – mandei, tentando não rir com seus desafinamentos.

– Ai meu Deus, que saudades da Amélia! Aquilo sim que era mulher! – Ele nem ligou.

– Eu não sou essa Amélia aí, ouviu?! Eu sou vaidosa e gosto de luxo mesmo! – Eu me impus, queixo levantado e nariz em pé.

– Eu sei, minha linda! – ele disse sorridente, puxando-me para um abraço apertado. – Agora entendi seu ódio por esse nome. Sempre achei que era só por ser nome de gente idosa.

– Era o nome da minha avó. O que não ajuda. Mas essa música é a pior coisa que já ouvi nesta vida! E você cantando ela, também.

– Não se preocupe, Lila. – Ele puxou meu braço devagar colocando-os em volta de sua cintura e me beijou a bochecha. – Você sabe que eu só espero que você me ame e nada mais. – E me beijou a outra bochecha.

– Falando assim, você meio que parece uma Amélia – brinquei.

Ele riu alto jogando a cabeça para trás.

– Suponho que sim. – René ainda sorria, a cabeça meio inclinada e olhos mais doces dessa vida. Olhos de quem olhava apaixonado. Eu estava com esses mesmos olhos presos a ele.

– Não se preocupe. – Puxei sua cintura fina e beijei seus lábios carnudos. – Eu também só espero que você me ame e nada mais.

FIM

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora