Capítulo 40

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Passei a quarta feira inteira esperando pelo menos uma mensagem de René. O filho da puta tinha o meu número! O que custava mandar um oi?! Passou pela minha cabeça que poderia ter mandado o número errado para ele. Ou quem sabe ele perdeu o papel. Deixou no bolso da calça, colocou a caça para lavar e o papel se desfez. Havia muitas opções. O pior era que eu havia decidido ser mais discreta quando estivesse na faculdade. Quase fomos descobertos na terça pelo Diretor do curso. Eu não podia ficar aparecendo antes da aula todas as manhãs, seria muito suspeito. Digo, eu fazia isso antes para ter aulas com ele, mas era antes de haver envolvimento. Agora havia um risco real.

Decidi ir de carona com Beatriz. Não sei como faria para me comunicar com ele. Talvez escrevesse meu número em outro papel e escrevesse algo para pressioná-lo a me ligar. Mas e se ele achasse que eu estava sendo incisiva demais? E se achasse que eu queria algo mais sério? Melhor não. Ia usar da boa e velha técnica poker face. Fingir que nada estava acontecendo, estava tudo bem, não era como se eu estivesse esperando ansiosa por um sinal de vida dele.

Quando chegamos, René ainda não havia chegado. Isso não era muito comum. Quando ele não chegava antes de todo muito era geralmente minha culpa. O resto da turma foi chegando aos poucos. Eu já estava ficando ansiosa.

E então, para minha surpresa, bem como para a de toda a classe, uma professora entra na sala. Valéria Lima. Já havia pagado algumas cadeiras com ela, mas não este semestre.

– Bom dia, alunos. O professor de vocês não pôde vir hoje. Talvez passe algum tempo sem poder dar aula.

– Ele está bem, professora? – alguém perguntou.

– Espero que sim. Tudo que me disseram era que eu ia ter que substituí-lo nesta aula e que talvez tivesse que ficar até o fim do semestre. Vamos mandar nossos pensamentos positivos para que Castilho melhore.

Meu coração ficou bem pequenininho quando ouvi isso. Aqui estava eu pensando mal de René quando na verdade ele estava doente. Ele se cuidava tão bem, tentava tanto ser o mais saudável possível e agora estava doente. Esperava que não fosse nada muito grave. Considerei passar na casa dele para ver como estava. Mas a família dele devia estar lá e eu não queria muita conversa com eles, em particular a dona Tereza. E ele também não ia me querer perto dos filhos. Digo, passei um segundo com eles e agora estão usando a roupa um do outro. O que aconteceria se eu passasse uma ou duas horas? Vou acabar convencendo-os a vender drogas misturada com doces na escola. Ótima ideia para negócios, porém não muito ético.

Estava chegando o fim do semestre. Precisava me concentrar nas minhas provas e trabalhos. Enquanto eu não chegava em casa para fazer essas coisas, podia usar esse tempo para fazer as pazes de verdade com Beatriz. Ela ainda estava meio magoada com a forma como eu tratei o assunto da briga com o namorado. Ao fim da aula, chamei Beatriz para um café. Ela me pareceu meio hesitante, estava mais inclinada a ir com outros colegas.

– Eu pago – falei a frase que convence qualquer um.

Ela concordou. Não falamos nada no meio do caminho. Apenas quando chegamos na cafeteria, fizemos nossos pedidos e sentamos foi quando ela disse alguma coisa.

– Espero que não tenha sido nada grave com o professor... – comentou.

Eu queria muito, muito falar sobre isso. Queria dizer o quão preocupada eu estava, queria ouvir um incentivo pra ir visitá-lo. Mas não podia falar abertamente sobre essas coisas com ela. E havia outra prioridade.

– Ele provavelmente vai sobreviver. Quero saber de você e Tadeu. Já fizeram as pazes?

Ela estreitou o olhar, recuou um pouco o corpo. Não era o meu normal falar sobre isso, mas eu estava tentando.

– Pra que você quer saber? – perguntou desconfiada.

– Você tem estado meio mal nesses últimos dias. Eu sei que eu sempre disse que fui contra seu namoro de escola, sempre achei que essas coisas não davam certo. Mas descobri que podem dar certo sim. E se ele te faz feliz então estou torcendo pra que dê certo.

– É sério? – ela levantou uma sobrancelha, ainda não convencida totalmente.

– Claro. A não ser que o motivo da briga tenha sido alguma babaquice que ele fez, aí eu vou cortar os ovinhos dele como punição por fazer você sofrer!

Consegui arrancar uma risada de Beatriz. Sorri junto com ela. Era bom vê-la feliz novamente. Pena que foram poucos segundos. Logo a melancolia tomou conta da sua expressão novamente. Nossos pedidos chegaram. Um capuccino para mim e um affogato para ela. Beatriz passou a colher pelo sorvete de creme e puxou até o expresso amargo no fundo da taça. Ela não gostava de coisas amargas. O expresso nessa sobremesa era quase tão forte quanto o doce do sorvete. Estranhei, mas não questionei.

– Eu e Tadeu estamos bem – ela disse finalmente, mas sua expressão ainda estava meio triste.

– Ah! Estão?! Que ótimo... Não é? – Estava meio na dúvida do que sentir.

– Sim, sim... É ótimo. – Novamente, sua expressão não correspondia a suas palavras.

Carol disse que eu tinha que ser mais sensível e entender o lado de Beatriz. Mas como que alguém vai entender uma coisa dessas?! Se não estavam mais brigados, ela não devia estar feliz?

– Beatriz, se importa se eu perguntar por que vocês brigaram?

– Nada demais, coisas de casal.

– Você vai ter que ser mais específicas, por que eu não sei o que são essas "coisas de casal" que você diz.

– Sei lá, acho que é só a distância mesmo. Faz falta. Mas ele não foi um babaca, então pode ficar tranquila que você não vai ter que arrancar os ovinhos de ninguém.

Ela estava mentindo para mim. Eu tinha certeza. Tadeu fez alguma babaquice. Se eu que tivesse que adivinhar, ela descobriu de alguma traição dele e ele a convenceu a perdoá-lo. Contudo, ela estava finalmente de bem comigo. Então eu ia fingir que acreditava até ter provas concretas que me dessem motivos para arrancar os ovinhos do namorado imbecil dela.

– Fico feliz por vocês – falei, tomando um gole do expresso para lavar a mentira da minha minha boca.

Eu pedi desculpas decentemente. Estávamos de bem. Ela havia voltado com namorado. Todo mundo estava feliz. Ótimo. Já podíamos voltar a ser como era antes, não? Parece que não.

Beatriz continuou um pouco distante. Tentava disfarçar. Sempre que eu puxava assunto ela sorria, mas não estendia a conversa. Na verdade, me pergunto se ela sequer prestava atenção no que eu falava. Com o passar do dia, notei que esse mal não era só comigo. Ela não estava muito atenta com ninguém. Mais tarde, eu tentei perguntar se havia alguma coisa de errado.

– Já tivemos essa conversa hoje, Lia. Eu estou bem – ela insistiu.

Acabei deixando pra lá, por enquanto. Eu nunca fui a melhor pessoa para essas coisas de qualquer forma. Mandei uma mensagem para Carol explicando a situação. Ela era melhor em lidar com pessoas. Sugeri que falasse com Beatriz quando chegássemos em casa. Pronto. O problema não era mais meu.

Enquanto eu voltava junto com Beatriz para casa, olhei no meu celular. Um email novo. Provavelmente spam. Abri o email. Era da universidade. Do Diretor do curso.

A instituição havia sido informada da minha conduta imprópria com um membro do corpo docente e requisitava minha presença na sala do Diretor para amanhã.

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Ops! Parece que alguém foi pega...

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora