– Se você não estiver fazendo nada agora, queria que olhasse meu artigo. A professora Valéria não está ajudando muito – falei.
– Você tem aula agora – ele apontou.
– Essa aula não vai fazer diferença – menti, mas eu não podia deixá-lo ir.
– Eu não posso fazer isso. Não sou seu professor – ele falava muito sério.
– Mas pode olhar como amigo – persisti.
– Achei que você cortaria meu pescoço se eu dissesse que éramos só amigos – ele disse, lembrando do que parecia uma vida atrás.
– Quem disse fui eu, então seu pescoço está seguro – brinquei.
Ele riu. Como senti falta de sua risada gostosa.
– Obrigado, então – ele disse. – Quer tomar um café para discutir seu trabalho?
Eu já havia tomado café. Mesmo assim, aceitei. Eu não queria deixar essa oportunidade passar. Oportunidade de quê, afinal? De revê-lo, de conversar um pouquinho, de saber se ele está bem... De realmente receber uma ajuda com este maldito artigo. Não precisa ser tudo isso. Uma dessas opções já bastava. Só sentar com ele por alguns minutos já bastava. Eu não era mais tão ambiciosa.
Nós andamos lado a lado sem dizer nada. Poderia parecer meio desconfortável andar em silêncio após quase um mês sem se ver. No entanto, apreciei poder sentir seu cheiro suave, bastante refrescante e familiar para mim. Chegava a ser nostálgico. Eu sei, nós não ficamos juntos muito tempo. Também não ficamos separados muito tempo. Mas acho que tudo que aconteceu foi tão intenso e novo para mim que me pareceu séculos.
– Sem açúcar, não é? – perguntou, tirando-me dos meus pensamentos.
– Eu não vou querer. Tomei café agorinha.
– E um bolo de chocolate? – Apontou para a torta suculenta na vitrine.
Mordi meu lábio inferior numa vã tentativa de resistir àquela tentação. Eu já estava uma pilha de nervos por causa das provas e trabalhos, por causa disso estava ingerindo mais açúcar do que devia. René nem esperou por minha resposta e pediu a fatia. Desse jeito ia ficar difícil manter esse meu corpinho lindo.
Sentamo-nos em uma mesa próximo à janela. Mesmo antes de chegar nossos pedidos, fui contando tudo que havia descoberto sobre a autora dos quadros. Peguei meu tablet para mostrar as fotos que havia tirado e meu artigo. Inicialmente havia sentado de frente para e René, mas logo puxei a cadeira para sentar ao lado dele. Diferente da professora Valéria, sua empolgação com o que eu estava falando era real. Ele fazia perguntas, seu sorriso era amplo, fez diversas sugestões de como poderia escrever um artigo melhor e me parabenizou pela descoberta, claro.
– Quem diria que a menina que chegava atrasada e dormia em todas as aulas teria a curiosidade de fazer uma pesquisa tão extensa – ele disse, levando a xícara de café aos lábios, sua outra mão sobre o encosto da minha cadeira. – Você sabe que vai ter que submeter este artigo a uma banca científica, não é?
– Por quê?
Eu estava quase completamente virada para ele, mal havia tocado no meu bolo. Estava muito empolgado com tudo que estava se passando.
– Para validar seu trabalho e provar a todos que de fato descobriu quem era a autora daqueles quadros. Eu posso te ajudar com isso, se quiser.
Baixei a cabeça e me afastei um pouco. Peguei um pedaço do bolo quase intocado. Eu apreciava esta tarde calma, a oportunidade de conversar livremente com ele, uma breve proximidade. Contudo, não planejava ir além. Nós queríamos coisas diferentes, precisávamos de coisas diferentes. Temia que se voltasse a vê-lo com frequência não seria capaz de deixá-lo ir mais uma vez. Estava neste momento me questionando se seria capaz de deixá-lo ir depois dessa tarde.
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Meu Bom Professor
RomanceLia é uma aluna de jornalismo que está pouco interessada na cadeira eletiva de Crítica da Arte e o professor não pretende pegar leve com ela. Isso não seria problema se Lia não tivesse feito uma aposta com sua amiga Beatriz, afirmando que conseguiri...