Capítulo 8

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– O que você veio fazer aqui? – puxei assunto enquanto comia um pedaço do bolo.

– Bom, eu ia falar com a sua turma depois da prova – disse enquanto abria um pacotinho de açúcar para colocar no expresso –, mas chegou uma coleção de quadros neste museu.

– Você podia me mostrar hoje. – falei me inclinando um pouco sobre a mesa, brincando com o garfo entre meus lábios. Pena que não usei decote hoje.

Ele também se inclinou um pouco enquanto mexia o café. Deu duas batidinhas na xícara antes de tirar a colher.

– Eles ainda estão restaurando. Então não faz parte da exposição. – Parou um segundo para tomar um gole do café. – A mulher com quem eu estava conversando é a diretora do museu. Estava vendo a possibilidade de trazer sua turma aqui antes da restauração terminar.

Uma excursão ao museu para ver obras ainda em processo de restauração. Dificilmente seria apenas uma visita. Isso tem cara de última avaliação.

– Isso não teria a ver com a última prova, teria? – perguntei partindo um pedaço do bolo, fingindo que não estava nem aí.

Levei o bolo à boca e olhei para ele, que estava demorando a responder. René segurava a xícara na mão. Tinha um sorriso meio de lado no rosto. Ele não era tão ingênuo como pensei. Dessa vez conseguiu perceber o que eu estava tentando fazer. O que fez com que eu me perguntasse o quanto da minha mentira ele estava de fato acreditando.

– É claro que vai fazer parte da última avaliação – falou puxando mais o sorriso. – Mas não posso dizer ainda o que é. Até porque ainda não consegui convencer Edgar de que isso é uma boa ideia.

Edgar era o Diretor do nosso curso. Aparentemente, qualquer alteração no plano de ensino devia passar por ele. Não deu para tirar nada de René hoje. Por outro lado, eu tinha um professor particular pelas próximas duas semanas.

René terminou de tomar o café e se voltou para o livro.

– De qualquer forma, você deveria estar mais preocupada com a próxima prova.

Coloquei o prato vazio de lado e tomei meu expresso de uma vez. René abriu o livro para me explicar algo que eu havia errado sobre o assunto em questão. Cheguei mais perto. Fui lembrada do cheiro agradável que emanava dele com a proximidade. Isso somado ao café e o bolo, em outras palavras, cafeína e açúcar refinado, fez o assunto parecer descomplicado.

Ele sugeriu vir aqui para tirar minhas dúvidas. Eu não tinha nenhuma dúvida alguma já que não havia estudei nada. Mas ele foi gentil o suficiente para me explicar todo o assunto por cima, apenas para eu saber onde estava pisando. Pegou os outros livros que eu tinha na mochila e destacou os melhores para cada movimento artístico. Preferiria que ele tivesse me dado as respostas? Claro. Mas René já facilitou bastante a minha vida. E eu ainda teria duas semanas para arrancar algo dele.

Creio que passamos umas duas ou três horas naquela cafeteria de museu. Pode ter sido mais. Não saberia dizer. O tempo passou estranhamente rápido. Como professor particular, sua voz não me era assim tão fatigante. Arrisco dizer que ele conseguia fazer arte me parecer um pouco mais interessante.

No entanto, de tudo o que eu mais amei foi sua expressão contrariada de quando disse que tinha que ir, a boca meio torcida com um sorriso que não queria dar. Era domingo, seu dia de descanso. Ele deveria querer estar com a família ou amigos. Aparentemente preferia estar comigo. Do jeito que ia, eu não precisaria derramar uma gota de suor para vencer essa aposta.

Peguei um ônibus e voltei para casa com um sorriso de vitória no rosto. No apartamento, Débora estava de saída com uma amiga dela. Eu nunca havia falado muito com ela, sequer sabia seu nome. Ela tinha longos cabelos loiros e um nariz empinado. Apesar disso, ela parecia legal, poderia ser alguém com quem eu faria amizade. Mas se era amiga de Débora, já não gostei dela por tabela. Ao menos ela tirou Débora de casa, o que era sempre uma boa notícia. Meu dia estava ficando cada vez melhor.

– Vocês vão onde? – perguntei à amiga sem nome, só porque estava de bom humor.

– Não é da sua conta – uma resposta delicada de Débora.

Ela pegou na mão da amiga e saiu do apartamento antes que pudéssemos interagir. Menina sabida. Se eu tivesse a oportunidade, ia falar todos os podres dela.

Procurei por Carol para contar meus planos maléficos. Não achei. Devia ter ido para a casa de alguma colega estudar. Só me restava Beatriz. Claro que eu não podia contar tudo a ela, mas podia cantar vitória... Muito cedo pra isso? Sim, mas e se eu deixar pra depois e acabar perdendo a aposta? Carpe diem.

Abri a porta do quarto com o maior dos sorrisos. Ela não levantou o olhar. Suspirei alto, tentando chamar atenção. Nada. Abri minha cortina e joguei a bolsa em cima da cama. Tirei meus sapatos para me jogar no meu colchão. Beatriz finalmente tira os olhos dos livros me encara com as sobrancelhas franzidas.

– Precisa fazer tanto barulho? – reclamou.

– Desculpe se minha felicidade está te incomodando. – Deitei na cama e continuei olhando para Beatriz.

Ela virou os olhos e voltou a tentar se concentrar nos seu material de estudo. Eu continuei olhando para ela fixamente com um sorriso de deboche no rosto. Ela suspira pesado e deixa a caneta na mesa, desistindo de me ignorar.

– E o que é que está lhe deixando assim tão feliz? Foi pra biblioteca estudar e achou algum homem para te comer no banheiro? – ela disse me fazendo rir alto.

– Se você quer saber, achei um homem, sim – falei. Beatriz negou com a cabeça e pegou sua caneta de volta. – Foi o nosso professor, René Gonzalez!

– Castilho.

– O que é Castilho?

– René Castilho, não Gonzales! Você ainda não aprend... Deixa pra lá. – Ela soltou a caneta novamente e virou a cadeira para ficar de frente para mim. – Você transou com o nosso professor?!

– Claro que não, Bia. Isso seria errado até pra mim. – Não seria, não. Mas ela não precisava saber disso. – Nós só conversamos.

– E... – Ela chegou mais perto com sua cadeira de rodinhas.

Sua curiosidade me era bastante interessante. Não sabia dizer se ela estava com medo de perder a aposta, se estava torcendo para eu ganhar; se temia que eu estivesse flertando com o professor, se queria me ouvir dizer que estava flertando com o professor. Talvez ela só estivesse querendo ouvir algo mais interessante que a vidinha de freira dela.

– O quê? – provoquei um pouco.

– O que vocês conversaram?! – Ela se levantou para se sentar ao meu lado.

Eu me sentei também. Fiquei olhando para ela com meu melhor sorriso misterioso, à la Monalisa. Ela me olhava com seus olhos arregalados, boca entreaberta, levemente inclinada para frente. Por um momento, fiquei ponderando se eu devia contar, se eu deveria inventar alguma mentira mais interessante ou se eu deixava para a imaginação dela.

– Nada demais. – Decidi ser honesta. – Ele só destacou algumas páginas mais relevantes para eu estudar e me explicou o assunto meio por cima.

Achei que ia ficar super desapontada e voltar a me ignorar. Mas ela puxou todo o ar ao redor dela e seus olhos abriram ainda mais.

– Sério?! Deixa eu ver!

Beatriz se lançou sobre a minha mochila e espalhou os livros pela cama. Ficou procurando um específico até que o achou. Havia vários post-it's nele. Ela parecia uma criança que descobriu onde os pais guardavam os pacotes de biscoitos.

– Você vai começar do começo, não é? – eu assenti. – Então deixa eu ficar com esse livro enquanto você não chega neste assunto?

Ela era sempre capaz de me fazer rir alto com suas reações inesperadas.

– E eu achando que você ia me repreender por eu ter conseguido umas dicas do professor.

– Ele te deu essas dicas porque quis, você não fez nada de errado para consegui-las. Ou fez?

Hoje eu não havia feito nada de errado. Mas menti para ele sobre a mentir que o fez sentir pena de mim, acarretando nessas dicas. E eu tenho quase certeza de que René tem uma queda por mim. No futuro, eu poderia fazer algo de muito errado. Hoje não.

Beatriz precisava saber dessas coisa? Não. E se eu pudesse perguntar, tenho certeza de que ela diria que preferiria continuar sem saber. Desde que tivesse acesso privilegiado a certas informações, não lhe importava de onde viam.

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora