Capítulo 21

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– Fica na sua, Bernardo! – falei brincando, tentando distraí-lo.

– Eu queria que ela conseguisse uma nota boa pra continuar com a aposta – Martina disse. – Mas acho que Lia vai perder no final

– Vamos parar de conversa que tem mais gente querendo saber a nota! – tentei intervir antes que fosse tarde.

– Nada disso! – Sandra-meio-metro falava com Martina. – Nem Lia merece seis meses sem sair! Você vai ganhar, amiga! Força!

Todos começaram a falar sobre suas expectativas da aposta e René, o pobre, olhava confuso de um lado para o outro tentando entender tudo.

– Silêncio, por favor! – René pediu com a voz alta e grave, calando a turma. – Alguém pode me explicar o que está acontecendo?

– O senhor não sabe? – Beatriz, a traíra. – Eu e Lia fizemos uma aposta. Eu disse que ela não era capaz de passar na sua matéria sem ir pra final e ela aceitou o desafio.

Não existem palavras no português que conseguissem descrever o olhara que eu recebi de René. Era uma mistura de muito puto com extremamente decepcionado, mas até isso parece muito delicado perto daquele olhar. 

Era pedir demais que ele começasse a rir e levasse tudo na esportiva? Parece que sim. Cadê o senso de humor quando se precisa dele? René baixou a cabeça, voltando sua atenção para as provas.

– Bernardo Tavares – seguiu com a entrega dos resultados como se nada houvesse acontecido.

Ele não olhou para mim nenhuma vez até o fim da aula. O que não era muito tempo. Mas eu sabia que estava ferrada. Ele foi liberando as pessoas que recebiam as provas. Eu fiquei esperando até que todos saíssem para falar com ele. Beatriz tentou me chamar para ir com ela assim que recebeu sua nota; que, aliás, foi dez. A infeliz ainda desdenhou dizendo que a prova havia sido mais fácil que a anterior! Vê se pode! Eu disse que precisava falar uma coisa com René.

– Você vai fazer ele aumentar sua nota de novo? – perguntou-me brincando.

– Dessa vez acho que não vai dar. – Inclusive, acho que se ele pudesse baixar minha nota, ele baixaria.

René chamou o último aluno. A sala estava vazia. Ainda assim ele não olhou para mim. Começou a organizar suas coisas para sair, ignorando completamente a minha presença enquanto eu me aproximava. Digo, ele estava de costas para mim, pegando as coisas em cima de sua mesa, mas ele sabia que eu estava lá.

– Oi – tentei chamar sua atenção.

René parou o que estava fazendo. Respirou fundo. Suponho que esse fosse seu sinal de alerta, assim como hipopótamos bocejam para te avisar que vão atacar. Mas eu ignorei esse sinal. Quem sabe, assim como os hipopótamos, ele não me desse um segundo sinal antes do bote.

Por via das dúvida, não me mexi nem falei nada. Estava com medo da reação dele. Não que eu achasse que ele fosse performar qualquer ato de violência contra mim. Ele não era um hipopótamo, afinal. Sinceramente, também não estava com medo que ele não me desse mais aula. Já tinha certeza de que podia dar adeus às minhas aulas particulares. Eu já sabia o básico, daqui pra frente eu podia desenrolar sozinha.

Meu medo era que ele não quisesse mais falar comigo. Só isso.

René se virou para me encarar, finalmente. Encostou-se na mesa e cruzou os braço. Não disse nada. Também não precisava. Dava pra entender o que ele sentia só com seu olhar. Não era só raiva, era mágoa também.

– Então... – comecei. – Acho que não preciso mais daquelas aulas particulares... – falei brincando.

Ele revirou os olhos, sem saco para minhas piadas, e quase me deu as costas mais uma vez.

– Espera, René... – eu disse antes que ele voltasse a me ignorar.

– Você se veste bem. – Ele me olhou de cima a baixo, como se estivesse me vendo pela primeira vez. – Um tablet novo, bolsa de marca, nenhuma olheira. Você nem tentou esconder. Por que foi mesmo que eu acreditei nessa sua péssima mentira?

– Por que você é gentil e acredita no melhor das pessoas – respondi. – Desculpa, mas não tem muita coisa boa pra se acreditar em mim.

Mais uma vez, minha piada sem graça não surtiu efeito algum.

– Isso tudo por uma aposta?– ele perguntou, incrédulo. – O que é que você vai ganhar com isso?

– Se eu perder, tenho que dar adeus aos minhas sextas e sábados à noite. Se eu vencer, Beatriz vai trair o namorado com uma pessoa da minha escolha. – Minha voz diminuía conforme eu tentava explicar.

Ele parecia mais chocado do que quando percebeu que eu estava mentido para ele. Imaginei se não seria melhor ter inventado uma mentira. Sei lá, dizer que estávamos apostando dinheiro era perfeitamente crível e soaria menos ruim do que a verdade. Mas eu não estava mais muito a fim de mentir para ele. 

– De fato, não parece haver muita coisa boa sobre você.

– René...

– Você mente para mim, rouba meu tempo, se aproveita da minha boa vontade e isso tudo para que sua amiga traia o namorado? – Ele riu sarcástico. – Você não tem nenhum limite, nenhum senso ético? Você sequer sente remorso?

Eu dei de ombros. Não tinha como responder uma pergunta dessa. E, sinceramente, eu não estava nem um pouco arrependida. Eu consegui o que queria. E eu nem tinha pedido por aulas particulares, ele que ofereceu! Não é culpa minha se ele tem coração mole.

René riu quando percebeu que eu não ia responder.

– Eu sou muito imbecil. Ainda estava esperando que você se redimisse, pedisse desculpas ou me desse um motivo melhor. Mas acho que não tem jeito, não é?

O que ele quer que eu faça? Implore? Quer que eu diga que sinto muito? Pra quê? Vai mudar alguma coisa? Isso tudo é muito estúpido! E seria só mais uma mentira. Pois eu não sinto nada disso.

– Se eu pedir desculpas você me perdoa? Assim, fácil?

Ele parou um segundo, olhando nos meus olhos, parecia pensar se eu era digna do seu perdão. Eu estava me sentindo em um julgamento. E eu até sentia como se houvesse cometido um crime. Mas pode perguntar a qualquer presidiário, todos eles dirão que merecem o céu. Eu também não merecia? 

– Não... – respondeu-me depois de muito ponderar.

Ah, esqueci, eu não acredito em céu e inferno.

– Então por que eu me sujeitaria a isso?

Ele não parecia surpreso apesar da minha grosseria. Talvez estivesse entendendo quem eu sou de verdade. Não sou ninguém mais do que aquela garota que chegava atrasada e não prestava atenção em nada. Você já me conhece. 

– Tem razão. Por quê? – disse soltando um riso irônico.

Ele pegou as coisas em cima da mesa e saiu da sala.

Bom, foi melhor do que eu esperava, não foi? Eu não perdi nada, perdi? Tudo estava saindo conforme o planejado, não estava?

Então por que eu não conseguia fazer com que esse sentimento ruim passasse?

◊ ◊ ◊ ◊ ◊

Finalizei o capítulo com uma pegada um pouco mais séria. Não dava para Lia sair rindo e festejando dessa. Todo mundo faz merda e sofre pelo menos um pouquinho por causa disso. Com ela não poderia ser diferente, né?

Outra coisa... Mil perdões por não ter postado na sexta! Realmente não deu. Prometo compensar postando um capítulo extra na quarta.

Deixem um estrelinha e digam o que acharam ♥️

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora