Os toques de telefone me distraiam um pouco, mas eu poderia ignorar tranquilamente se René não houvesse parado. Ele olhou para mim e eu pude ver o conflito em seus olhos.
– Por favor, deixa tocar – supliquei!
– Eu não posso. Pode ser meus filhos – explicou, seus olhos quase pediam por permissão.
– Ok, pode ir. Mas seja rápido – falei fazendo bico.
Ele me pôs no chão e correu para atender o telefone. Eu fui andando devagar, completamente nua, até a sala, onde ele estava. Surpreendeu-me um pouco vê-lo usando telefone fixo. Achei que estavam extintos.
– ... sim, sim, entendo. – Não tinha o que fazer, então fiquei escutando René. – Posso falar com ela?... Oi, meu amor! Vai passar, vai passar... Papai vai aí, tá bom? Daqui a pouco papai chega.
Ele desligou o telefone ainda de costas para mim. Eu me encostei na parede e cruzei os braços já imaginando o que ele ia dizer. René suspirou pesado, virando-se devagar. Ele me olhou de cima a baixo. Esperava que ele soubesse exatamente o que estava perdendo.
– Onde estão as minhas roupas mesmo? – perguntei antes que ele tenha o enorme trabalho de me enxotar da casa dele.
– No quintal. Mas eu pego pra você – ele disse olhando para o chão andando pra onde seria o quintal.
– Pode deixar que eu pego. – Impedi que ele continuasse pondo a mão em seu peito.
– Mas você está nua! Os vizinhos podem ver! – Olhou preocupado em meus olhos.
– Eu não me importo.
Saí andando confiante até o quintal. Era bem espaçoso. Havia um escorrego, dois balanços e um cabana para as crianças, além de alguns brinquedos espalhados. Havia também algumas cadeiras e uma mesa redonda para os adultos e uma churrasqueira empoeirada que provavelmente não havia sido usada há um bom tempo. No canto, onde batia bastante sol, estava o varal com minhas roupas. Fui pegá-las. Vi o tal vizinho na varanda do primeiro andar da casa dele. Devia ter uns sessenta anos, cervejinha na mão e olhos esbugalhados a me observar.
– Bom dia! – Acenei para o senhor e peguei minhas roupas.
– Bom dia! – ele me responde muito feliz.
Dei um tchauzinho antes de entrar na casa novamente. Vi René correndo até a porta do quintal, quase esbarrando em mim. Ele já estava todo vestido, jeans, tênis e uma camisa rosa de botões.
– Você... Ele viu você? Você falou com ele? Ele não... – René estava muito confuso.
– Ele viu. Eu o vi – falei colocando minhas roupas nas mãos dele; exceto a calcinha, que vesti. – Todo mundo se viu e se cumprimentou. Muito educado, por sinal.
– Sabia que não devia ter deixado você ir. – Peguei o sutiã da mão de René enquanto ele reclamava e coloquei. – E se ele vier aqui reclamar?
– Ele pode até vir aqui – vesti minha saia –, mas garanto que não vai ser para reclamar.
René me olhou com censura, finalmente se dando conta da minha falta de vergonha. Bobo. Conseguia me fazer rir até quando eu devia estar com raiva. Logo ele riu também.
– Vamos antes que ele chegue para não reclamar – brinquei terminando de vestir minha blusa e estava quase decente mais uma vez. – Cadê meus sapatos e meu celular? Preciso chamar um uber.
– Na sala – ele disse e eu tomei a frente. – Posso deixar você em casa, se quiser. É caminho.
Aceitei, claro. René pegou a carteira e as chaves para irmos. No caminho ele explicou que a filha dele havia caído e cortado o queixo. Disse também que as crianças passavam os domingos na casa dos sogros dele. Eram os únicos avós vivos das crianças, então achava importante manter essa conexão.
– Eles me apoiaram bastante quando a filha deles faleceu. São como pais para mim.
Ele aproveitava esse tempo para encontrar com alguns amigos para uma partida de futebol. Na verdade era mais para se socializar, beber e comer um churrasco. Aparentemente ele era esse tipo de cara. Mas quem sou eu para julgar o que ele faz em seu tempo livre. O que eu faço com o meu é muito pior. Ontem a noite é prova irrefutável disso.
Infelizmente parece que seu fim de semana ficou um pouco mais curto. Os sogros estavam no hospital agora. A filha de René havia levado dois pontos no queixo. Nada grave. Mas a menina estava chorando pelo pai.
– Então, se eu quiser te ver de novo, tem que ser no domingo de manhã? – perguntei ansiosa.
– Lia, acho melhor...
– Nem termine, eu já entendi. Como foi que você disse mesmo? Ah! Você não tem tempo para "casos" – Eu me referi à primeira vez que o beijei, na minha casa. – Você nem sabe o que é um caso! Nunca teve um! Você só sabe o que é um relacionamento sério e duradouro. Eu não estou aqui pra isso, René. Eu também não tenho tempo ou interesse em relacionamentos sérios. Se você tem tempo para qualquer coisa, é para um caso! Entendeu?
Ele ficou calado. Eu fiz todo um discurso inspirador e ele ficou calado. Cacete! Esse homem ia virar um celibatário, por acaso?! Porém, olhando para ele, pude ver suas mãos segurando o volante com mais firmeza do que necessário, seus ombros tensos. Seus olhos podiam ver as ruas mas sua atenção estava longe. Ele queria continuar. Eu não tinha dúvidas.
– Eu realmente não posso – falou com um suspiro. – Ainda sou seu professor.
– Só falta um trabalho para encerrar essa matéria, menos de dois meses. Ninguém precisa ficar sabendo – argumentei.
Ele parou em frente ao meu prédio. Olhou para mim muito sério.
– Lia, eu não quero ter que procurar outra faculdade e acho que você não quer ter que recomeçar seu curso do zero – insistiu. – Vamos ser sensatos, por favor.
Eu teria ficado puta com esse jeito evasivo chato dele. Mas a forma como me pediu por favor, como quem não tem o poder para tomar a decisão, encantou-me. Eu podia sentir seu conflito. Ele sabia que era errado. Mas assumi que seu desejo por mim fosse tão intenso quanto o meu por ele. Talvez meu desejo fosse maior, pois eu estava disposta a arriscar.
Desafivelei o cinto de segurança, mas ao invés de sair, sentei no colo de René, de frente para ele com uma perna de cada lado. Meus braços o envolviam, suas mãos deslizavam por minhas coxas, subindo para a minha cintura. Ele engoliu em seco. Beijei-o muito de leve, apenas um selinho inocente. Finalizei com uma mordida fraca no seu lábio inferior.
– Não faz isso comigo. – Seus olhos suplicavam por misericórdia.
Mas, depois de tudo que ele fez comigo, como eu poderia perdoá-lo? Beijei-o de verdade, um beijo intenso, profundo. Seu autocontrole era pouco e sua vontade era muita. Acho que chegamos perto transar no carro naquele momento. Muito perto. Não sei se fui eu ou foi ele que parou o beijo. Meu corpo estava em brasa e ofegante. Ainda ficamos ali uns segundos, rostos colados, olhos fechados, hálitos se misturando. Esperando acalmar um pouco. Acariciei seu rosto áspero devido à barba que crescia. Suas mão ainda me apertavam com firmeza, sem querer me deixar ir. Por mim, eu também não ia.
Acho que cruzou nossas mentes a ideia de voltar para aquele beijo e mandar tudo pra puta que pariu. Para a nossa sorte, ou azar, o celular dele tocou. Mais uma vez interrompidos pela família de René. Ficar com homem de família era uma merda.
– Se você não quiser, eu não vou mais atrás. – Minha voz estava baixa e rouca, como se eu não tivesse o controle dela. – Da próxima vez você vai ter que implorar, ouviu?
Ele balançou a cabeça assentindo. Peguei minha bolsa no assento do passageiro, saí pela porta do motorista. René ficou esperando que eu entrasse no prédio antes de sair com o carro. Teria achado meigo se não estivesse puta com ele.
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Pronto. Coloquei mais uma cena meio hot pra ninguém guardar rancor ♥️
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Meu Bom Professor
RomanceLia é uma aluna de jornalismo que está pouco interessada na cadeira eletiva de Crítica da Arte e o professor não pretende pegar leve com ela. Isso não seria problema se Lia não tivesse feito uma aposta com sua amiga Beatriz, afirmando que conseguiri...