Capítulo 16

97 9 22
                                    


Lembrei de pegar uma sombrinha antes de sair de casa? Claro que não. Felizmente a chuva estava mais fraca, então não chegaria tão ensopada.

Esse foi o momento mais humilhante da minha vida. Como eu deveria ter interpretado toda essa gentileza dele? Bondade? Ele só me ofereceu aulas particulares porque ficou com pena de mim? Que estúpido! Beijei-o para ver se conseguia algo mais dessa relação, mas tudo que consegui foi quase pôr tudo a perder.

Foda-se. Eu quis dizer tudo aquilo que eu disse. Esperava que ele estivesse na sala dele na terça às sete da manhã ou nem deus sabe o que eu seria capaz de fazer. E sim, eu ia fazê-lo implorar para dormir comigo. Eu não ia esquecer essa humilhação barata que ele me fez passar. Era questão de honra!

Entrei na sala de aula empurrando a porta com tudo. A sala inteira notou minha entrada dramática. Praticamente todos já haviam chegado, pois já era mais de oito horas. Eu não me importei. Estava muito focada nas injustiças desta vida. Sentei ao lado de Beatriz jogando minha bolsa de qualquer jeito no chão. Cruzei os braço e fiquei olhando para frente esperando ver a cara daquele babaca novamente.

– Aconteceu alguma coisa? – Beatriz perguntou.

Como ela percebeu? Teria sido minha cara vermelha? Os resmungos sem significado? Minha respiração pesada? Ou o ranger de dentes? Olhei para ela me controlando para não gritar todos os impropérios que eu conseguia pensar para enaltecer as qualidades do nosso querido professor.

Antes que eu perdesse o controle de vez, René entrou em sala. Ele parecia nervoso. Ainda evitava olhar para mim.

– Desculpem o atraso. Meu filho acordou se sentindo mal – justificou.

Perguntei-me se essa não era a desculpa que ele usava sempre que chegava atrasado nos lugares. Afinal, ele chegou meia hora antes da aula começar. Por outro lado, o que ele ia dizer? "Estava na casa de uma aluna esperando que ela trocasse de roupa, mas aí a gente começou a se pegar e eu fiquei de pau duro e precisei me acalmar ou bater uma punheta para aparecer na frente da sala de aula"? Sim, pois que outro motivo ele teria para ter chegado depois de mim? O filho é que não era.

– Ah, entendi – Beatriz falou baixo. – Você está com raiva porque não teve aula particular hoje. – Não posso dizer que estava errada. – Você precisa ser menos egoísta, Lia. Não é culpa dele que o filho adoeceu.

– Bia, por favor, cala a boca – falei.

– Nossa, sempre soube que você era uma narcisista egocêntrica que só pensa em si mesma. Mas não é minha culpa se você fez uma aposta que não vai conseguir vencer.

– Posso ser narcisista egocêntrica que só pensa em si mesma, mas pelo menos eu sei quando estou sendo redundante.

– Pra você, isso é um apelido carinhoso. E se posso acrescentar, você também é bem egoísta.

Ela virou a cara para a frente e eu também. Ótimo, além de perder minhas aulas, havia brigado com minha amiga. Juro que se ela não me der carona por causa disso eu vou fazer com que a morte dele seja lenta e dolorosa.

Apesar de parecer nervoso no começo, René deu a aula dele como se nada tivesse acontecido. Ele era um bom profissional. Eu não. Deixei o ódio que eu estava sentindo me corroer a aula inteira enquanto olhava aquela cara presunçosa dele. Era quase como se ele quisesse se exibir para todo mundo o quanto ele não estava se importando. Exceto que ninguém sabia disso. Só eu sabia. E se soubessem, ninguém se importaria. Só eu.

Ao fim da aula eu peguei minha bolsa e saí andando rápido sem olhar para trás. Esperava que ele tivesse notado o quão puta eu estava, mas duvido muito. Parece que eu estava errada. Parece que ele era o melhor em fingir que nada estava acontecendo.

– Lia, espera! – Beatriz veio correndo atrás de mim.

Parei no meio do corredor para escutar as desculpas dela. Sim, pois eu não estava a fim de escutar mais nada além de um pedido de desculpas. Mesmo que, no fundo, mas bem no fundo mesmo, eu soubesse que eu era quem estava errada.

– Você não vai me contar o que aconteceu? – pediu na inocência.

Seus grandes olhos de Bambi e sua preocupação de amiga seria de aquecer o coração. Mas depois do gelo que levei estava uma pedra de gelo. Mais frígida impossível.

– E por que eu faria isso? – perguntei cruzando os braços. Por quê? Não sei. Eu só queria extravasar minha raiva sem sentido. Bom, até tinha sentido, mas eu não podia compartilhar, então esta a maneira que eu tinha de aliviar minhas tensões.

– Talvez eu possa ajudar ou só te escutar mesmo. – Dei as costas para ela e continuei andando. Eu estava com cara de quem queria ser ouvida? – Espera! – Ela me segurou pela alça da minha bolça. – Ok, se não quiser falar, não precisa falar. Não vou mais tocar no assunto.

– Ótimo! – Eu não tinha como me explicar de qualquer forma.

– Você me perdoa? – Beatriz pedia desculpas com muita facilidade. Onde estava o orgulho dela? Como eu ia crescer sem ter com quem me rebelar?!

– Tudo bem. Perdoo. – Dei de ombros.

Ainda estava chovendo. Uma carona era mais confortável que pegar ônibus. Perdoá-la era a coisa certa a se fazer. Além disso eu não conseguia ficar muito tempo com raiva de Beatriz.

– Então você ainda vai me ajudar com minha mãe neste fim de semana? – perguntou sorridente.

Percebi que havia perdido a oportunidade perfeita para escapar das garras da megera. Seria melhor ter ido andando debaixo de uma chuva torrencial. Ao menos quando eu chegasse em casa era só me secar e pronto! Já a megera tinha um jeitinho de fazer com que eu me sentisse mal por alguns dias. 

De qualquer forma, eu havia feito um trato com Débora, então eu teria que tirar a megera do apartamento de um jeito ou de outro.

– E eu aqui achando que suas desculpas eram sinceras – falei brincando, mas meio que sério.

– Aham, e você não me perdoou só porque quer carona de volta?

– Ok, é justo. – Contra isso eu não podia argumentar. – Eu também preciso de um café antes da próxima aula. Vamos?

◊ ◊ ◊ ◊ ◊

Mais um capítulo sobre amigas lindas (e um tanto interesseiras?). 

Espero que estejam ansiosas para conhecer a megera, pois entenderemos um pouco mais de onde vem Beatriz.

Se gostaram, deixem uma estrelinha e comentem! ♥️

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora