Capítulo 25

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– Alguns dias depois, Sofia, minha esposa, faleceu – explicou quanto a questão daquela ser a última foto deles juntos.

Eu queria perguntar como, porém isso pareceu indelicado até para mim. Odeio situações assim. Nunca sei o que dizer ou fazer. Coloquei a foto de volta no lugar e observei por mais uns dois segundos.

– O que isso tem a ver com sua mudança física – perguntei tentando evitar o silêncio constrangedor, só então percebi que foi mais indelicado do que perguntar o que havia acontecido.

Felizmente René começou a rir alto da minha falta de tato. Ele voltou para o fogão, mexendo as panelas.

– Ela teve um AVC, minha esposa. Nós não tínhamos um estilo de vida muito saudável, entende? – Eu puxei uma cadeira para me sentar e beliscar as comidas sobre a mesa enquanto ele falava. – Pizza, hambúrguer, empanados, chocolate, sorvete; enfim, comíamos comidas processadas quase todos os dias. Sofia vivia fazendo dietas loucas e eu era magro de ruim mesmo.

Dei uma nova olhada pela mesa e vi pães integrais, queijo branco, suco natural, ovos cozidos e muitas frutas. Definitivamente não era a dieta que ele descrevia.

– Depois que ela faleceu eu surtei – continuou. – Comecei a pensar que poderia morrer a qualquer momento e deixaria dois filhos pequenos órfãos. Então comecei com acompanhamento de um nutricionista e a me exercitar.

Comi pão com queijo branco e goiabada que assumi ser caseira. Primeiro porque continha pouco açúcar, segundo porque estava em um recipiente de vidro de molho de tomate, o que achei hilário.

– Parece que você acabou descobrindo seus dotes culinários – falei com a boca cheia. – Isso tá ótimo.

– Obrigado – ele disse olhando para trás, ainda ocupado com o fogão. – No começo eu achava meio chato. Mas depois virou um hobbie. Todo domingo preparo comida para a semana.

René desligou o fogo da frigideira. A panela de pressão continuava a cozinhar em fogo baixo ao lado de uma panela menor. Ele veio até a mesa e puxou uma cadeira próxima à mim, no lado perpendicular ao que eu estava.

– E você? Qual a sua história? – perguntou petiscando algumas uvas que estavam ali.

– Que história? – eu coloquei um pouco de café na minha xícara.

– Não sei. Por que você é assim?

– O que exatamente você quer dizer com "assim"?! – Fiquei levemente ofendida

– Não sei, você é tão...

– Imprudente? Inconsequente? Indelicada? Irresponsável? – listei lembrando do que ele havia me dito anteriormente. Ele olhou para mim e riu.

– Sim, exatamente isso – o filho da puta ainda confirma. Joguei uma migalha de pão nele só para pontuar meu descontentamento.

– Eu sou apenas extrovertida. Mais da metade das pessoas são assim e não há nada de errado nisso.

– Você vai dizer que é assim por ter nascido extrovertida? Essa é sua desculpa?

– E o que você espera que eu diga? Que tinha uma mãe alcoólatra? Um pai ausente? Que fui molestada na infância? Talvez um namoro abusivo?

Notei o sorriso sumir do seu rosto, ele até parou de comer as uvas. René era tão delicado, tão sensível no trato às outras pessoas. Chegava a ser estranho de tão meigo.

– Não se preocupe, nada disso aconteceu – o tranquilizei. – Meus pais são ótimos e estão vivos. São divorciados, mas presentes. Já tive que lidar com alguns caras babacas, mas nada agressivo ou abusivo. Eu tenho uma vida completamente normal.

– Ok, se você diz... – Ele relaxou os ombros e sorriu aliviado. – Fico feliz que não tenha nenhum problema então.

René voltou a comer as uvas. Eu tomei um gole do meu café. Então olhei para ele, inclinando-me um pouco para frente.

– Ou, quem sabe, você se torne o meu problema! E daqui a alguns anos, estarei com um outro rapaz contando como fui seduzida pelo meu professor de faculdade e como ele destruiu minha vida e depois me abandonou.

Ele riu alto. Um riso gostoso de quem convida você a rir junto.

– Acho mais provável que você faça isso comigo!

– Está admitindo que eu o estou seduzindo, senhor Castilho? – estiquei o braço e peguei a uva que estava na mão dele. Deslizei levemente sobre meus lábios antes de comê-la.

– Não. Estou dizendo que vai destruir minha vida, senhorita Amélia Nakayama – ele disse brincado

Inclinei-me de volta para trás, frustrada. Eu não ganhava uma com ele! Sério. Eu estava aqui, na casa dele, só nós dois, usando apenas uma camisa e mais nada por baixo. Aliás, neste momento me dei conta de algo de extrema relevância que me ofendeu profundamente.

– Espera um segundo! – Parei tudo que estava fazendo e olhei firme para René, certificando-me que tinha sua total atenção. – Você não é casado e mesmo assim se recusou a dormir comigo?! Qual o seu problema?!

– Calma, você estava tentando dormir comigo achando que eu era casado?! – ele ficou muito chocado.

Eu dei um chute na perna dele por debaixo da mesa. René arrastou a cadeira para trás com o susto.

– Você me rejeitou sem motivo nenhum! O que você fez comigo fui muito pior! – falei.

Ele ficou alguns segundos olhando para mim com a boca aberta e testa franzida, enquanto alisava a canela que eu havia chutado.

– Você não tem nenhum senso moral – afirmou, como se fosse o medidor oficial do que é certo e errado neste mundo.

– É claro que eu tenho! – Levantei-me, tirando meus pratos da mesa para colocar na pia. – Os homens comprometidos que ficam com outras mulheres é que não têm.

Liguei a torneira para lavar os pratos. René se levantou também, passando pelo fogão para desligar a panela menor, então veio para o meu lado. Ele tentou me empurrar pro lado com o corpo, pegando a esponja e o prato na minha mão.

– Não sei se fico com raiva por você ter achado que eu era um homem sem moral, ou se fico contente por você ter dito que não trairia se estivesse em uma relação.

Revirei os olhos. Empurrei-o com o ombro para o lado e peguei a bucha e o prato da mão dele.

– Deixe que eu lavo, vá arrumar a mesa – mandei me sentindo a dona da casa. Ele pega uma pano para enxugar as mãos, aparentemente me obedecendo. – Primeiro, você é muito bonzinho. Não é minha culpa ter achado que você tinha segundas intenções. Segundo, se for para trair então por que estar em um relacionamento? É por isso que eu tô solteira.

René pendurou o pano e foi arrumar a mesa, trazendo-me alguns pratos também. Passamos algum tempo em silêncio, focados no trabalho. Mentira. A minha mente estava longe e imagino que a dele também. Eu estava com raiva dele por ter ofendido meu ego. Ele também parecia irritado comigo, mas sem nenhum motivo. Digo, eu posso ter mentido para ele para conseguir uma ajuda extra, mas eu estava precisando. Isso não era motivo pra guardar rancor. Se fosse, ele não teria porque me trazer na casa dele.

– Tem razão. Eu sou muito bonzinho – ele disse terminando de arrumar a mesa, enquanto eu enxaguava os últimos pratos. – Eu te ajudo, depois descubro que você estava mentindo para mim. E o que eu faço depois? Te ajudo outra vez. Eu deveria me importar menos com os outros. Ou ao menos me importar menos com você! – Finalizou desligando a panela de pressão.

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Para as apressadinhas, calma que domingo tem mais. 

E domingo promete, viu? ♥️

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora