Capítulo 43

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Minha cabeça doía. Minhas mãos tinha minhas as marcas das minhas unhas ainda fincadas nela. O nó da garganta estava começando a ficar difícil de engolir. Eu não sabia o que faria quando chegasse em casa. Estava tudo muito inquieto na minha cabeça, muito barulhento. Impossível pensar direito. Não importava. Eu não ia seguir um roteiro. Precisava falar o que sentia.

Abri a porta com força e fechei fazendo bastante barulho, para que todas da casa ouvissem. Joguei minha bolsa no chão e fiquei parada perto da porta. Entrada dramática, ainda mais porque estavam as três na sala. Débora estudando, Carol vendo televisão. E Beatriz. parada no meio da sala, provavelmente estava indo para a cozinha.

– Foi você quem fez a denúncia – acusei Beatriz.

– Do que você tá falando? – Ela se fez de desentendida.

– É, do que você tá falando? – Carol perguntou do sofá, após desligar a televisão.

– Cacete! Por causa da aposta? – Débora perguntou, já sabendo do que se tratava.

– Foi por isso, Beatriz? Foi por causa dessa aposta idiota?! Eu te disse! Eu jamais forçaria você a fazer algo que você não quer!

– Você trapaceou! – Beatriz admitiu, apontando o dedo para mim. – Você dormiu com o professor pra passar na cadeira sem ter que se esforçar! O que você fez foi errado!

– Você denunciou Lia e o professor?! – Carol finalmente entendeu.

– Ele tem dois filhos pequenos e toma conta deles sozinho! Ele pode ser demitido por causa dessa denúncia, sua imbecil! E sabe o que vai acontecer comigo? Nada! Então você estava tentando se vingar de quem, afinal?

Ela desviou o olhar, pareceu pensar um segundo no que fez.

– A culpa não foi minha – ela disse. – Não fui eu que dormi com ele! Por que você não toma responsabilidade pelo que fez?!

– Eu estou tentando! Mas não há muito que eu possa fazer! – O nó na minha garganta estava muito apertado, meus olhos ardiam. – Era por isso que você estava tão estranha comigo, não é? Não teve briga nenhuma com seu namorado. Você viu a gente no museu e ao invés de vir falar comigo, dizer que a aposta estava cancelada, preferiu denunciar anonimamente. Aposto que imaginou que estaria arruinando a minha vida e queria assistir de camarote, do meu lado. Exatamente como na escola. Ou você acha que eu esqueci que foi você quem espalhou que eu havia perdido minha virgindade com o menino novato? Eu tinha quinze anos, era insegura e confiei em você! E pra quê?! Pra ser apunhalada pelas costas pela minha melhor amiga!

Foi só quando eu terminei o desabafo que notei as lágrimas descendo aos montes, molhando toda a minha face.

– Esse é seu problema! Você faz as coisas sem pensar, movida pelo seu tesão estúpido e não se importa com mais ninguém! – Beatriz gritava, seus olhos ficando marejados.

– O quê? Do que você tá falado? Minha virgindade não tinha nada a ver com ninguém! Você saiu espalhando pra todo mundo por pura inveja! Porque você queria ser como eu e não podia por causa da sua mãe louca! Assim como agora! Você nunca soube lidar com minha vida sexual! Só precisa de uma oportunidade pra tentar estragar tudo! Parabéns! Talvez dessa vez você consiga estragar a vida de René! Porque a minha vai continuar do mesmo jeito!

– O que você fez naquela época me afetou e ainda me afeta de maneiras que você não pode nem imaginar. E sabe de uma coisa? O que Castilho fez foi errado e eu não vou me sentir culpada se ele for demitido. Quanto a você, espero que um dia você pague pelo que fez!

Ela deu as costas e foi para o quarto, encerrando a briga. Olhei para Carol e Débora, que assistiam ao espetáculo quietas.

– Do que... ela tá... falando? – Eu tentava controlar a minha respiração, mas parecia que eu não havia oxigênio suficiente. – Eu não... eu não fiz... nada pra ela... agir assim...!

– Lia, você tá hiperventilando. – Carol veio correndo em meu socorro. Eu já estava de joelhos no chão, tentando puxar mais ar. Achei que estava morrendo sufocada. – Respira comigo – ela mandou, fazendo uns exercícios de respiração mais lentos, também ajoelhada.

Tentei imitá-la até que minha respiração finalmente se acalmasse.

– Obrigada – disse quando consegui respirar melhor.

– Você está melhor? – Carol perguntou.

Eu não soube o que dizer. Eu estava respirando melhor, mas não estava melhor. Minha cabeça estava doendo ainda mais por causa do choro. Eu não queria mais falar disso. Não queria mais estar naquele cubículo, ainda mais ter que dormir no mesmo quarto que aquela víbora.

– Eu preciso sair. Não estou conseguindo respirar.

Levantei do chão saí. Carol ainda chamou por mim. Não respondi. Desci as escadas e andei pela rua escura sem ter onde ir. Pobre Carol. Se encontrou no meio dessa confusão absurda e não podia fazer nada. Isso devia estar corroendo-a por dentro. Ela costuma solucionar os conflitos. Mas acho que esse não tinha solução.

Sentei em um assento. Minhas pernas havia me levado até a parada de ônibus. Lá vinha um ônibus. Ele passava perto da casa de René. Viu? Eu nem tive tempo de pensar e o universo já tomou a decisão por mim. Tomou? Eu poderia escolher não entrar naquele ônibus. Não estava com minha bolsa, nem minha carteira. Tinha o celular em um bolso e o cartão do ônibus no outro. Sorte ter voltado de ônibus hoje ou o cartão também estaria dentro da minha bolsa. Eu não tinha mais para onde ir, não queria voltar, não queria ficar.

Subi no ônibus. Foi tudo muito automático, como se eu já houvesse feito esse caminho centena de vezes. Fui deixando minhas pernas me levarem para a porta da casa dele. Minha mão tocou a campainha. Esperei. Demorou um pouco. A porta abriu. Um senhor de idade estava do outro lado. Um pouco alto, careca, com alguns fios pratas acima da orelha. Sua testa estava extremamente enrugada enquanto franzia o cenho e sua boca estava meio torta. Ele não parecia contente.

– Então... Feliz em arruinar uma família? – perguntou. Eu estava tão anestesiada que não respondi nada. – Entre – mandou.

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora