Capítulo 46

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Pedi a René para dormir na casa dele aquela noite. Ele deixou, sem hesitar. Peguei a mesma camisa comprida que havia usado da última vez e uma cueca box. Tinha crianças na casa, não seria muito interessante sair por aí quase nua. Tomei um banho quente, só de corpo. Quando saí, ele já havia posto a janta na mesa. Gael estava em sua cadeira de criança, Gigi já usava a cadeira normal, mas havia uma almofada para deixá-la na altura certa. René servia o prato de Gigi enquanto ela reclamava que não queria nada verde na sopa. Gael já comia, sujando-se menos do que eu esperaria de uma criança do tamanho dele. Mas o que eu sabia de crianças?

Vendo essa cena, bateu um nervoso no meu estômago. Se eu sentasse, teria que interagir com as crianças. René não vinha sozinho. E eu não sabia se estava preparada para sua bagagem. Mas eram só crianças. O quão difícil poderia ser?

– Quer ajuda com alguma coisa? – perguntei ao entrar na cozinha, tentando afastar meu nervosismo.

– Não precisa. – Ele sorriu. – Pode sentar. Tem sopa, batata doce, pão, queijo... pegue o que preferir.

A mesa estava cheia ainda mais cheia do que quando ele fez café da manhã para nós dois. Sentei ao lado de René. A minha frente estava Gigi e ao lado dela, o irmão. Gael comia distraído, mas Gigi me encarava com os olhinhos apertados, os cabelos bagunçados emolduravam sua face assustadora. Tentei ignorá-la e peguei a batata-doce.

– Gigi, coma sua comida – René pediu, possivelmente notando o jeito que ela me olhava.

– Vocês estão namorando? – ela perguntou.

Eu e René pousamos os talheres no prato imediatamente. Olhamos para Gigi, em seguida nos entreolhamos. Podia ver nos olhos dele que ele não não sabia o que dizer.

– Aham... Nós... Nós somos... Amigos? – René disse, meio que perguntando.

– Eu já vi vocês beijando – Gigi insistiu.

– Amigos também podem se beijar – tentei remendar.

– Não! Não, não! – René quase surtou. – Amigos não se beijam! Nós estamos namorando. – Olhei para ele sem entender por que porra ele estava dizendo aos filhos que estávamos namorando! Achei que isso não era nada sério! – Você quer que ela saia beijando os coleguinhas da escola? – explicou sussurrando. Depois virou-se para a filha. – Coma sua sopa, Gigi.

Aceitei meio a contragosto esse negócio de namorada. De qualquer forma, era culpa minha estar ali essa hora da noite. Eu quem devia pedir desculpas.

Bom, conversas constrangedoras a parte, voltamos a comer.

– Você vai ser nossa mãe? – Gigi perguntou.

Eu me engasguei, comecei a tossir e a procurar uma rota de fuga ao mesmo tempo.

– Não, não posso ser sua mãe – falei quando consegui. Eu estava suando. – Posso ser sua madrasta, mas você não quer uma madrasta má, não é?

– Mas você pode ser uma madrasta boa. – Que menina insistente do cacete.

– Eu quero uma madlasta! – Gael disse empolgado.

Olhei para René para pedir ajuda. Meu coração batia querendo quebrar minha caixa torácica. Ele comia olhando para o prato como ele estivesse vendo show de piadas ali dentro.

– Um ajudinha aqui, por favor – pedi, desesperada.

– O que vocês fizeram na escolinha hoje? – ele perguntou, distraindo as crianças.

Se eu soubesse que era tão fácil teria dito isso mais cedo. Vou guardar essa para usar mais tarde. Elas começaram a falar das muitas coisas muito divertidas que acontecia na escolinha. Gigi estava no primeira ano, então estava começando a aprender coisas de verdade enquanto Gael praticamente só fazia brincar. Eles eram crianças comportadas. Não gritavam muito e não se sujavam muito. Gael era mais quieto, observava muito a irmã e geralmente a imitava no que dizia e fazia. Gigi era mais agitada. Ela devia dar mais trabalho também. Ou talvez fosse questão de idade, sei lá.

Quando terminamos de comer, falei que lavaria os pratos, já que René fez a janta.

– Não precisa... – ele começou.

– Você também teve um dia ruim, deixe que eu cuido do resto. – Dei um beijo nele antes de levantar da cadeira e começar a recolher os pratos. – Vá ver tevê ou corrigir provas ou seja lá o que você faz depois da janta.

Ele se levantou para ajudar Gael a sair da cadeira. Gigi já estava no chão.

– Vou dar banho nas crianças, então. – Ele se aproximou com Gael no colo e me deu um beijo na bochecha enquanto eu lavava os pratos. – Obrigado por vir aqui hoje.

Então ele saiu. Sinceramente, eu só queria que ele saísse da cozinha com as crianças. Precisava de um tempo para entender o que estava acontecendo. Eu só queria ficar com um cara legal e bom de cama, só curtir o momento. Não estava preparada para nada disso. Nada de processos disciplinares que ameaçavam famílias e minha vida acadêmica, nada de crianças me chamando de mãe ou madrasta, nada de relacionamentos estáveis com um homem só. René era ótimo, mas e todos os outros homens que eu poderia estar perdendo? E as festas?! Ele não me parecia o tipo de cara que saia para balada em uma sexta a noite. Digo, talvez hoje ele não estivesse com cabeça para isso. Eu também não estava. Mas eu desconfiava que não era apenas a situação que o prendia em casa.

Infelizmente eu não podia ter essa conversa com ele. Não hoje. Nós ainda tínhamos que falar sobre o que diríamos ao Comitê Disciplinar. Apesar de ter descoberto que ele também tinha culpa no cartório, talvez até mais que eu, eu ainda estava disposta a assumir a responsabilidade. Foda-se, eu faço vestibular de novo se for o caso e começo a faculdade do zero. Parecia horrível, mas não impossível.

Lembrei-me do dia em que René perguntou qual o meu problema. Eu sugeri que talvez ele fosse virar meu problema. Mal sabia o quão certa eu estava.

Terminei os pratos e deixei no escorredor para secar. René ainda estava ocupado com as crianças. Eles faziam barulho.

– Vovó disse que eu já sou uma mocinha! Já posso escolher minha roupa! – Gigi gritou.

Eu vou em direção ao barulho. Gigi estava de calcinha com uma meia-calça rosa nas mãos.

– Gigi, você não pode usar sua roupa de balé para dormir. – René falava quase perdendo a calma.

– Por quê?

– Porque vai rasgar.

– Vai não! Eu durmo quietinha! Prometo!

René passou a mão no rosto, frustrado.

– Gigi, por favor, obedece o papai. Eu ainda tenho que dar banho no seu irmão.

– Não! Não quelo tomar banho! – Gael, que até então estava brincando distraído, manifestou-se.

Eu tentei controlar meu riso, mas era impossível nesta situação. Os três olharam pra mim. Gael veio correndo na minha direção, esticando os bracinhos para pedir colo. Suponho que estivesse tentando fugir do banho. Eu coloquei ele no colo, um pouco desajeitada, só porque ele era muito fofinho. Quando Gael encostou a cabecinha no meu ombro me derreteu por dentro.

– Gigi, se você não sabe a hora certa de colocar as roupas então ainda não é uma mocinha – falei, tentando ajudar René.

– Sou sim! Vovó disse!

– Cadê? Mostra pra mim como uma mocinha se veste – provoquei.

Ela jogou a meia-calça no chão, pegou o pijama na mão de René e vestiu bem rápido, como se eu estivesse medindo o tempo que ela levava para ser considerada uma mocinha.

– Viu?! – ela disse levantando os bracinhos toda contente.

– Muito bem! É uma mocinha mesmo! – elogiei rindo junto com ela. – E você, Gael? Pronto para provar que é um rapazinho?

Ele gemeu em reprovação, escondendo o rosto no meu ombro.

– Vamos, campeão! – René se levantou e pegou Gael no colo, que foi todo mole e sem vontade, mas foi. – Obrigado. – agradeceu baixinho antes de ir com o filho para o banheiro.

Acabei ficando sozinha no quarto com Gigi. E agora? O que eu devia fazer?! Um desespero crescente começou a tomar conta de mim enquanto aquela criança de olhos grandes me observava sem dizer nada. Mas então ela se virou e começou a brincar com umas peças de lego que tinha ali.

Fechei a porta do quarto antes que ela tivesse a ideia de me chamar para brincar junto. Cheguei no quarto de René e caí na cama. Estava exausta. 

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora