– Amélia? – Débora me chamou pelo meu nome detestável.
Eu estava sentada na minha cama estudado. Devia ter passado tempo demais com o nariz enfiado nos livros e pensei ter escutado coisas. Ignorei. Então ela deu três batidas na porta do meu quarto e entrou.
Carol estava provavelmente programando o jogo de celular com os colegas. Beatriz estava fazendo trabalho em grupo sabe-se lá onde. Pois é, nós não fazíamos trabalho no mesmo grupo. Já bastava morar juntas, dividir o quarto, frequentar a mesma faculdade e fazer o mesmo curso. Podemos parecer casadas, mas temos um relacionamento aberto e precisamos ver pessoas diferentes.
Enfim, eu estava sozinha em casa com Débora. Quando isso acontecia, ela costumava se trancar no quarto dela e eu no meu. Não havia nenhum tipo de interação. Daí a minha surpresa quando escutei ela me chamar pelo meu nome e bater na minha porta.
Abri a minha cortina para verificar se ela havia entrado mesmo ou se era só meu pior pesadelo se tornando realidade.
– Você tem uma cortina só pra sua cama? – perguntou.
– O que você quer? – Fui direto ao assunto a fim de enxotá-la antes que sua presença contaminasse meu quarto para sempre.
– Eu preciso de um favor. – Ela deu um passo para dentro do quarto.
Débora apertava as mãos. Parecia nervosa. Para ela entrar no meu quarto e me pedir um favor, devia ser algo sério. Sentei na beira da cama para lhe dar um pouco mais da minha atenção. Eu ainda estava desconfiada. O que ela queria pedir a mim que não podia ser a Beatriz ou a Carol?
– E o que seria esse favor? – incentivei.
– Carol vai passar o fim de semana fora de casa e eu estava pensando em fazer o mesmo. Mas uma amiga minha vai vir aqui e queria abrigá-la no domingo. Ela vai embora na segunda.
– Eu não posso decidir isso sozinha. Temo que falar com Carol...
– Já falei com Carol, ela não liga – interrompeu-me. – O problema é Beatriz... E a família dela.
Eu havia esquecido completamente da chegada da família mais irritante deste país. De fato, poderia ser um problema para Débora. Mas não pra mim. Isso não era da minha conta. Por que diabos ela estava falando comigo?
– Então fale com Beatriz! – Voltei a deitar na cama. – Tenho certeza de que se sua amiga usar uma correntinha com uma cruz eles não vão se importar.
– É que minha amiga não se parece muito com uma integrante da família tradicional brasileira – ela disse, mas eu já não estava mais dando atenção.
– E o que isso tem a ver comigo? – perguntei pegando o celular para ver as notificações.
– Preciso que você tire a família de Beatriz daqui. Só por alguns minutos entre uma e duas da tarde. Só até minha amiga e eu conseguirmos entrar no meu quarto e trancar a porta.
Baixei o celular e olhei para Débora. Pensei no que ela estava me pedindo. A família de Beatriz me desprezava, que porra eu ia dizer para tirá-los daqui?! Ainda mais no meio do dia!
Era impossível? Claro que não! Mas ia ser bem estressante.
– Vai dar muito trabalho. – Voltei a olhar celular.
– Por favor, Amélia! – ela chegou perto da cama e se ajoelhou, implorando. – Eu faço o que você quiser!
Neste instante, senti um sorriso brotar em meu rosto. Ela poderia ter começado com isso.
– Qualquer coisa? – perguntei.
– Sim – ela respondeu sem hesitar.
Isso devia ser bem importante para ela. Ótimo, quanto mais importante, maior seria o favor que eu poderia pedir.
– Ok – falei voltando minha atenção para o celular.
Débora ficou um tempo parada esperando que eu dissesse algo. Então se levantou. Mas ela sabia que isso não era tudo.
– E o que você vai querer? – perguntou cruzando os braços.
– Não sei ainda. – Coloquei o celular de lado para olhar para ela. – Mas acho bom ter você me devendo um favor.
– Por que eu sinto como se estivesse fazendo um trato com o diabo?
– Bom, por que você acha que a mãe de Beatriz me odeia?
– Eu consigo pensar em alguns motivos.
– Você vai fechar o acordo ou não vai?
Ela demorou um tempo para responder. Essa menina pensa muito devagar! Não tenho saco para isso!
– Ok. Eu fico lhe devendo um favor – disse, finalmente.
Eu me levantei com um sorriso no rosto e fui até ela. Estendi a mão para que Débora apertasse. Ela pareceu hesitar, olhando um pouco desconfiada para minha mão. Ainda assim, apertou. Eu apertei com mais forças e puxei ela para perto de mim.
– Se está pensando em quebrar sua parte do acordo, pense bem – apesar da atitude um tanto agressiva, eu falava calmamente, olhando nos olhos. – Porque eu vou cobrar. Ouviu?
– Parece que me enganei. Estou fazendo um acordo com Vito Corleone – ela puxa a mão para se separar de mim. – Sim, eu ouvi. E vou cumprir minha parte do acordo.
Eu deixo ela ir sem entender direito a referência, satisfeita que ela havia se comprometido em me dever um favor. Ela fecha a porta antes de sair. Era bom ela não tentar me enganar. Senão, bem, vingança é um prato que se come frio, não é mesmo?
*Nota da autora: fiquei com medo dessa referência passar batido. Vito Corleone é o chefão do filme Poderoso Chefão e ele falou esse clichê relacionando vingança a um prato frio. Pronto. Podem seguir!*
Uma vez que Débora saiu do meu quarto, fiquei sem vontade de voltar a estudar. Estava com vontade de sair, fazer alguma coisa. Mas ainda era quarta feira, ninguém ia querer ir a lugar nenhum comigo em uma quarta. E eu tinha que levantar às cinco da manhã, de qualquer forma.
Ainda dava pra sair pra jantar. Ou daria, se não fosse fim de mês e eu já tivesse gastado minha mesada. Eu realmente precisava de um estágio pago.
Cheguei a pegar meu celular para olhar se talvez algum dos meus contatinhos estivessem livres. Cheguei a mandar mensagem para três deles perguntando o que estavam fazendo. Os três me responderam a mesma coisa: Estudando! Não aguentava mais esse bando de moleque responsável que só pensa em passar de ano e vai deixando a vida passar.
Imaginei o que René não estaria fazendo agora. Talvez estivesse lendo. Ele poderia parar de ler e me levar para algum lugar. Poderia estar com sua esposa. Ele era casado, não era? Lembro de ter visto uma aliança. Tinha filhos? Bom, aí já ficaria mais difícil.
Parecia que eu estava fadada a passar a noite imersa em solidão! Mas quando tudo parecia perdido, recebo uma mensagem de Beatriz. Ela estava me chamando para ver um filme. Quarta-feira era o dia mais barato no cinema. Eu ainda tinha dinheiro para isso. E estava mesmo precisando de uma folga. Quem sabe ver o último filme de super-herói que saiu.
Coloquei os sapatos e peguei minha bolsa. Uma curta viagem de ônibus depois, já estava no shopping, esperando na fila para comprar os ingressos. Mandei uma mensagem para Beatriz, informando que já havia chegado. Enquanto esperava, olhando para os lados impacientemente, vi Beatriz acompanhada somente de um rapaz.
E ele não era seu namorado.
◊ ◊ ◊ ◊ ◊
O que será que dona Beatriz está aprontando, heim? E o que será que Lia vai fazer em relação à isso?! Vibrar de alegria? Claro ou com certeza? Não perca as cenas do próximo capítulo!
Eu tinha que falar isso pelo menos um vez. Não me julguem.
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Meu Bom Professor
RomanceLia é uma aluna de jornalismo que está pouco interessada na cadeira eletiva de Crítica da Arte e o professor não pretende pegar leve com ela. Isso não seria problema se Lia não tivesse feito uma aposta com sua amiga Beatriz, afirmando que conseguiri...