Capítulo 58

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O menino estava no meio de uma frase quando o deixei sem pedir licença. Precisei ir para fora do bar por causa do barulho de música de qualidade questionável.

– Alô? René? Você viu a nota?! Depois de todo aquele trabalho... – Sequer dei tempo dele falar.

– Nota? Que nota? – Escutei René topar em alguma coisa e começar a rir.

– O sete que eu tirei no artigo! – Ignorei os barulhos estranhos.

– Sete? Então você passou! Parabéns! – Sua voz não estava alta, mas ele falava em um timbre mais agudo que o normal e continuava rindo.

Admito que fiquei um pouco decepcionada por ele não ter lido meu email. Já havia dado tempo. Imaginei que ele devia estar mais preocupado com o email da reitoria. Não devia ter espaço na sua mente para se preocupar com artigos e notas.

– Então... Algum plano para segunda? – perguntei.

– O que tem segunda?

– A reunião com a Reitora! – Eu quase gritei. – Você não abriu seu email hoje?

– Desculpe, não tive tempo. O dia hoje foi corrido. – Ele riu novamente. Por que ele estava tão feliz? Ainda mais depois da notícia que recebeu. – Então, nossa sentença será dada na segunda?

Tive que parar um segundo. Ele estava estranho. Rindo sem motivo, falando estranho, sem ter o que dizer...

– Por que você me ligou, então? – perguntei enfim.

Um grito de um bando de caras bêbados ecoou para fora do bar. Tive que tapar minha outra orelha para escutar René.

– Que barulho é esse aí? – Ele ignorou minha pergunta, seu timbre agora mais grave.

– Eu estou em um bar aqui perto de casa – respondi mesmo assim.

– Sozinha? – Por que ele não ia direto ao assunto?!

– Não. Estou com Carol e dois amigos.

– Hum... Só amigos? – Espera, isso era ciúmes?

Revirei os olhos mesmo sabendo que ele não ia ver. René estava desviando o foco, aliás, não havia foco.

– René, por que você me ligou? – insisti.

Ele suspirou. Um barulho de estofado do outro lado da linha me indicou que ele devia estar no sofá da sala. Seus filhos devia estar dormindo a essa hora. René também deveria estar. O que ele estava fazendo ou planejando fazer tarde da noite ligando para mim?

– Não sei, eu só queria conversar um pouco – sua voz era quase inaudível.

– Você bebeu?

– Não... Talvez... Tá, eu bebi um pouco.

– Sozinho?! Em casa?! A essa hora?!

– Eu não estava conseguindo dormir. Eu teria chamado alguém para sair, mas ninguém tem tempo numa quinta à noite... Exceto você e seus... Amigos. – Havia um certo tom de desdém em sua voz.

– Você podia ter me chamado. Eu ia beber com você.

– Não prefere beber com seus amigos? – Seu desdém estava começando a me tirar do sério.

– Que saco, René! Eu nem conheço eles! Era pra ter sido eu e Carol apenas, mas ela insistiu em chamar mais gente. Então pare com seu ciúmes idiota!

– Eu estou com ciúmes mesmo! – Sua voz soou mais alta. – Me mata saber que foi por causa desses e outros caras que você não me quis. Eu queria te chamar para beber comigo ou para sair para qualquer lugar. Mas eu sei que você ia embora no meio da madrugada como fez da última vez. Eu não quero isso.

Um silêncio incômodo tomou conta da linha. Eu mal podia ouvir a gritaria misturada com música ruim que saía do bar. Ele não diria mais nada. Eu ainda precisava ouvi-lo.

– Então por que você me ligou? – perguntei uma última vez.

– Por que eu estou meio alto e eu te amo e eu não consigo tirar você da minha cabeça. Feliz?

Meu coração ficou mais apertado. Podia jurar que havia diminuído de tamanho. A brisa fria do inverno que chegava soprou minha face, só então me dei conta de que minhas bochechas estavam molhadas. O quão ridículo era chorar na frente de um bar de esquina? Acho que só não era pior que do que em uma praça às cinco da manhã.

– Me desculpa – ele disse após um período de silêncio. – Eu não devia ter ligado.

A linha ficou muda. De fato, ele não devia ter ligado. Como eu faria para controlar essa vontade de chamar um uber e ir para a casa dele agora mesmo? Cheguei a abrir o aplicativo, para a minha sorte e a de René, meu celular descarregou neste momento. Ainda considerei pegar um ônibus, porém o bom senso me segurou por tempo suficiente para eu entrar no bar e chamar Carol para ir embora. Ela estava bastante próxima de um dos garotos, enquanto o outro estava meio abandonado de lado. Fiquei com dó deles. Não queria separar o casal nem deixar o outro garoto se sentindo mal.

Cogitei ir embora sozinha, mas Carol me viu parada em pé com o rosto úmido e olhos vermelhos e veio até mim. Expliquei brevemente a situação para ela. Pedimos a conta e voltamos para o apartamento.

– Desculpa ter atrapalhado sua noite – falei.

– Imagina. É bom deixar os meninos querendo mais.

Débora ainda estava mergulhada nos livros quando chegamos. Sua decepção por termos chegado cedo ficou bastante evidente na sua face. Tranquilizei-a falando que já ia dormir. Escovei os dentes e fui para meu quarto. Para o meu azar, Beatriz estava em uma ligação de vídeo com o namorado. Eu tinha uma abuso deles dois e isso não era segredo para ninguém. Meu primeiro instinto naquele momento era o de gritar bem alto que Tadeu seria um corno em algumas horas. Preferi me deitar e fechar minha cortina em silêncio. Eu sempre odiei o relacionamento feliz deles. Mas nunca ao ponto de tentar arruiná-los tão ativamente.

Por quê?

Acho que na verdade eu achava bonitinho o jeito bobo deles. Sempre achei. Mas uma pessoa como eu nunca teria nada parecido. E era por isso que eu os odiava tanto.

Antes de dormir tomei uma decisão sobre o cara que eu escolheria para ficar com Beatriz. Ele não podia ser alguém que arruinaria aquele casal. Não podia ser alguém que Beatriz fosse gostar. Seria só para torturá-la um pouquinho porque ela bem que merecia. Mas eu não desejava mais que o casal perfeito se desfizesse. Quem sabe, eles poderiam ser os próximos René e Sofia. Desde que Beatriz não morresse jovem, eu estaria contente.

Essa decisão acabou me deixando ainda menos empolgada para ir à balada, apesar de ser sexta à noite. Ainda faltava um trabalho para entregar e uma reunião nada feliz para segunda. Passei o dia fazendo o trabalho. René não me saía da cabeça, mas eu não podia fazer nada em relação a isso agora.

Quando a noite se aproximava, Carol colocou uma música para a gente se arrumar. Débora, quem eu nunca havia visto muito empolgada, parecia ter finalmente sintonizado na mesma energia que o resto de nós. Acho que posso dizer que havíamos ganhado uma certa intimidade nesses últimos meses.

Por causa dela e de Carol, tentei ao máximo parecer mais entusiasmada. Beatriz, no entanto, não se deixou convencer tão fácil. Ficou fazendo birra o tempo todo. Eu já estava sentindo pena dela. Cheguei a considerar desistir da aposta, mas aí Carol me lembrou da sacanagem que ela fez comigo e com René e eu desisti de desistir.

Nós três nos juntamos para escolher a roupa de Beatriz e fazer sua maquiagem, o que provavelmente nos fez demorar mais do que esperávamos, já que nossos estilos eram um pouco diferentes. Eu queria que ela se vestisse bem sexy, Carol preferia algo mais despojado, enquanto de Débora apostou no clássico. No armário de Beatriz, porém só tinha coisa básica sem graça, como calça jeans e camisetas. Ela era a menor e mais magra, então nossas roupas ficariam folgadas nela, então não podíamos emprestar nada. Por sorte achamos uma saia jeans no fundo do armário que obrigamos Beatriz a usar. Lábios vermelhos e cabelos soltos com bastante volume.

Finalmente chegamos na balada. Por mais desanimada que eu estivesse, iria me certificar de aproveitar esta noite como se fosse a última. Afinal, eu venci a aposta, não foi? Tinha que valer a pena.

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora