Capítulo 4

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Na quarta, eu parei para descansar um pouco e fazer exercícios, já que a última semana havia tido duas provas e uma dissertação para entregar. Fiquei meio sem tempo. Mas esta semana estou voltando a tomar conta de mim mesma. Não por vaidade, mas por saúde... Mentira, era por vaidade mesmo. Saúde só é motivação suficiente para ir pra academia regularmente se você tiver tido um ataque cardíaco e seu médico disser que você vai morrer se não mudar. Caso contrário é muito mais pela vaidade.

Quinta de manhã, eu estava ótima! Estava me sentindo confiante, pronta para ação. Até acordei cedo e fui para a faculdade de carona com Beatriz. Ela ficou toda orgulhosa de ver o quão dedicada eu estava. Como se não tivesse nada a ver com a aposta que a gente fez.

Sinceramente, até eu estava impressionada com meu esforço. Beatriz saía de casa muito cedo para evitar trânsito, o que quer dizer que chegamos antes de todo mundo. Eu me sentia muito desconfortável entrando em uma sala vazia. Ainda mais quando vi que o professor já estava lá. Ele estava sentado atrás da mesa dele, pernas cruzadas, lendo um livro apoiado em seu colo. Como estava olhando para baixo, algumas mechas do seu cabelo castanho se atreviam a sair do seu penteado cuidadoso, caindo sobre sua testa. Não chegavam a cobrir a sobrancelha, mas somente por estarem franzidas, muito interessadas no conteúdo da leitura.

Beatriz o cumprimentou e só então ele levantou o olhar, passando a mão pelos fios, pondo-os de volta no lugar. Ele nos cumprimentou de volta. Seus olhos se prenderam em mim e ele sorriu. Não era um sorriso gentil.

– Você chegou cedo hoje – notou. – Não seria por causa da sua nota, seria?

Era oficial, eu havia sido marcada por um professor. Perfeito! Agora minhas chances de tirar uma nota boa eram ainda piores! Se fizéssemos prova de múltipla escolha, não faria diferença. Mas nossas provas eram longas dissertações subjetivamente avaliadas por esse homem de óculos e sorriso sarcástico. Se eu fosse esperta, ficaria bem quietinha para não piorar minhas chances. Acho que não sou tão esperta assim.

– Na verdade, sim. Quero marcar uma correção de prova.

Beatriz olhou para mim meio de lado. Não disse nada, apenas continuou andando até uma cadeira no meio da sala. Eu sabia o que ela estava pensando. Já tivemos outra matéria com esse professor há um ano. Ele era conhecido por, às vezes, baixar a nota dos alunos preguiçosos que vinham pedir correção de prova na esperança de aumentar a nota. Se de fato houvesse algum erro da parte dele, claro que daria a nota certa. Mas se não houvesse erros, era certeza de que tiraria alguns pontos do aluno por desperdiçar o tempo dele.

O professor fechou o livro e ajeitou a postura.

– Tem certeza? – Isso, meus amigos, foi uma ameaça.

– Sim – menti.

– Está com sua prova aí?

– Estou. – Eu sequer havia tirado a prova da bolsa desde que a recebi.

Podia ver no fundo dos seus olhos escuros que ele estava morrendo de vontade de baixar minha nota. Ou talvez fosse só o meu medo falando. Não, não. Ele realmente quer baixar minha nota.

– Ainda temos meia hora antes da aula. Podemos fazer a correção agora, se quiser.

Hesitei. Quando pensei na correção, esperava ter mais tempo para pensar em um plano. Depois da aula já estava bom. No entanto, eu não podia dizer isso a ele, podia? Precisava pensar em algo agora. Ainda bem que sou boa de improviso.

– Pode ser – falei.

– Se importa se sua amiga estiver presente? – perguntou-me.

Todo aluno tinha o direito a uma correção de prova individual com o professor, para evitar constrangimento. Normalmente eu não me importaria, mas neste caso, eu tinha um plano que podia muito bem ser arruinado por Beatriz.

– Me importo, sim – eu disse olhando para trás.

Beatriz apertou os olhos, provavelmente imaginando que eu tinha alguma carta na manga.

– Eu vou comprar um refri e já volto – ela disse se levantando da cadeira, fechando a porta atrás de si para que outros alunos não entrassem.

O professor se inclina para frente, apoiando os braços sobre a mesa. Tenho sua total atenção. Puxei uma cadeira para perto e sentei de frente para ele.

– Então, Amélia, qual foi o problema que você achou na sua correção?

Odeio quem me chama pelo nome. Preferi não dizer nada. Não éramos amigos de qualquer forma. Com sorte seria a última vez que eu precisaria falar com ele.

– Bem – tirei a prova da bolsa e pus em cima da mesa –, é uma prova aberta sobre história da arte e tal. Mas se tudo cabe à nossa interpretação, então não posso deixar de pensar que você foi injusto comigo.

Ele pega a prova e dá uma lida rápida nos meus textos curtos demais para quem estava se formando em jornalismo.

– Tem certeza de que não está aqui só para ganhar nota fácil? – ele sorriu, certamente se divertindo com a minha desgraça. – É sua última chance de sair sem nenhum ônus.

Puxei a prova da mão dele e procurei por alguma questão que eu pudesse de alguma forma questionar. Achei um texto para o qual ele havia atribuído um belo de um zero. Era sobre o renascimento. Todo mundo sabe alguma coisa sobre renascimento. Leonardo da Vinci estava lá, Michelangelo também, Itália, homem centro do universo... o que mais tem para saber? Não era possível que não houvesse nada que ele pudesse considerar!

– Aqui, terceira questão – apontei.

Ele pegou a prova novamente para dar uma outra olhada. Mas estava com a mesma expressão cínica de quando entrei na sala. Ele não ia mudar a nota, a não ser que fosse para menos.

– Essa era uma questão sobre o Homem Vitruviano. Me parece que você saiu escrevendo tudo que sabia sobre o renascimento e acabou não entregando o que eu pedi. Não tem como aproveitar nada aqui, Amélia. – Trinquei o maxilar ao ouvir meu nome de novo. Ele não sabia, eu tinha que relevar. – Eu sinto dizer, mas acho que sua nota é merecida. Na verdade, fui até gentil com você e considerei coisas que não devia ter considerado – ele passou para a próxima página da prova, pronto para tirar um ponto meu. – Se é para ser justo, vou ter que baixar sua nota, infelizmente.

Infelizmente para quem? Pois ele parecia muito feliz! De qualquer forma, Estava na hora de pôr meu plano em ação. Era agora ou nunca.


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E esse plano aí, heim?

Meu Bom ProfessorOnde histórias criam vida. Descubra agora