Já estávamos sentados na sala. Não havia muita coisa ali. Uma mesa comprida no centro com oito cadeira a sua volta, uma mesa de canto com uma cafeteira, uma jarra, copos e xícaras e um projetor que certamente não usaríamos a não ser que quisessem esfregar na nossa cara a foto que Beatriz tirou. Estávamos à espera do último integrante do Comitê, que avisou que se atrasaria um pouco. Nada neste país acontece na hora! Não sei pra que eu cheguei cedo. Culpa de René, que me colocou essa mal hábito!
Edgar foi o próximo a chegar. Se ele fosse pontual, poderia ter escutado a minha conversa com René. Quando eu o vi, meu coração bateu mais rápido ao se dar conta da possibilidade de ter sido ouvida. Agora não tinha para onde correr. Tudo tinha que ser resolvido naquele dia. Sentia uma vontade terrível de vomitar. Tive que respirar devagar para ver se passava. Não passou.
– René, como vai? – ele tinha as sobrancelhas levantadas, olhou para René apenas para desviar o olhar o mais depressa que conseguiu. Então olhou para mim. – O que você está fazendo aqui, Amélia? – Ele também não conseguiu me encarar por muito tempo.
– Eu vim para a reunião com o Comitê – falei levantando o queixo, tentando passar confiança.
– Essa reunião é só com René, desculpe – ele forçou um sorriso, mas não conseguiria me expulsar tão rápido.
– Você e eu sabemos e as circunstâncias mudaram, Edgar. É melhor economizar o tempo de todo mundo e me ter aqui junto com René. Assim vocês escutam os dois lados da história e nós dois podemos nos defender.
Olhei para René. Ele também evitava olhar mim e para Edgar. Essa reunião vai ser tão boa quanto reassistir o jogo em que o Brasil levou uma goleada da Alemanha. Estava com medo de nós sermos o Brasil nessa história. Ao menos ia ser sete contra dois. E se eu contasse com minha amigas, que perderam uma noite pensando em como podiam me ajudar, já somos cinco.
O último membro da outra equipe chegou. Todos sentados de um lado da mesa. Eu e René do outro lado, apenas uma cadeira vazia entre nós. Que os jogos comecem.
– Então... – a Reitora começou falar, mexendo em alguns papéis sobre a mesa. – Parece que temos dois casos diferentes aqui. Conduta imprópria entre professor e aluna e uma tentativa de burlar os métodos avaliativos. – Ela baixou o papel e olhou para René.
– Não, não. É uma coisa só – falei, chamando a atenção dos sete membros para mim. – Eu tentei burlar as normas.
– Pode nos explicar como? – a Reitora pediu.
– Acho que o senhora sabe como – dei um risinho de lado. Olhei para René, que cobria a boca com a mão e olhava o centro da mesa para não ter que encarar ninguém. – René até ofereceu resistência no início. Mas ele é apenas um homem. Ele não teve muita escolha. – Eu tentava parecer confiante, mas minhas mãos estavam suando muito. – Depois que ele caiu nas minhas graças, foi fácil fazer com que ele olhasse para as minhas notas com mais carinho.
– Senhorita Amélia, você tem consciência de que seus atos poderão acarretar na sua expulsão, não é? – ela perguntou inclinando-se um pouco para frente. – Se estiver fazendo isso apenas para proteger seu professor, sugiro que repense. Sua educação é mais importante que uma história de romance.
– A culpa foi minha! – René interveio.
Filho da puta. Falei mil vezes pra ele ficar calado! Agora eu teria que apelar!
– Que culpa você teve? Você me achou bonita? Todo mundo acha! Você ficou com pena de mim quando eu chorei na sua frente e resolveu me ajudar? Aquilo era tudo mentira e você já sabe disso! O que mais você fez? Tentou me seduzir? Logo você, o professor mais sério e sem graça dessa universidade. A única razão por você ter tido a sorte de ter encostado em mim é que eu estava precisando de notas. Você não tem nada a ver com isso.
Foi pesado, eu sei. Todos da sala ficaram encarando René para ver sua reação. Seu olhos me encaravam enormes, sua boca entreaberta. Era visível o quão surpreso ele estava, mas só eu podia ver a mágoa naqueles olhos castanhos. Mas achei por bem tirar todo e qualquer mérito dele antes que ele falasse demais e acabasse convencendo os outros de que estava certo.
– Bom – a Reitora continuou –, se isso é tudo, gostaria...
– Não é tudo! É claro que não é! – René falou um pouco alto demais, ainda olhando para mim. – A sua primeira nota é completamente injusta! Nenhum professor te daria uma nota tão baixa! Eu fiz isso porque todo aluno que se sente injustiçado vem correndo para o professor pedir ajuda, assim como você fez! Eu te ofereci as aulas particulares, duas vezes por semana, antes do horário da aula porque eu sabia que ninguém da administração estaria aqui tão cedo então não iriam descobrir o que estava acontecendo.
– Mentira! Eu não estudei nada para a prova e você já tem a fama de ser difícil na correção! – o defendi... Ou me defendi.
– Você apenas facilitou meu trabalho! Mas eu te dei um ponto a mais quando você veio até mim. Além disso, eu facilitei a correção de todo mundo na segunda prova. Como professor, eu devo levar a culpa!
– Nada a ver! O assunto da segunda prova era mais fácil, por isso todo mundo tirou nota melhor. E se você corrigiu com a mão mais leve ou me deu um ponto extra é porque você é fácil de manipular e eu tirei proveito disso!
– Quase dez anos como professor e você acha que você foi a primeira aluna a implorar por nota? Eu não sou fácil de manipular. Mas se você acha que a ideia foi sua é porque eu fiz você acreditar que era.
Cacete! Das horas perdidas de sono, eu jamais imaginaria que ia perder de gol contra! Perdi a paciência de vez e levantei da cadeira, batendo forte contra a mesa.
– Porra, René! Você estragou tudo! Você disse que não era orgulhoso! Não podia ter ficado calado e me deixado resolver isso do meu jeito?!
René também se levantou, apontando o dedo na minha cara.
– Você disse que tinha um plano! Que tipo de plano é esse que você leva a culpa de tudo sozinha!
– Eu queria primeiro livrar você! Depois eu negociaria com eles! Eu posso refazer a prova já que a segunda chamada vai ser essa semana! A professora Valéria ia corrigir e pronto! – Só depois de falar me liguei que revelei meu plano para o outro time.
Todo mundo ficou olhando para mim, abismado. René também, sua expressão de surpresa tornou a parecer.
– É um bom plano – René disse voltando a falar baixo, limpando a garganta antes de continuar. – Por que você não me disse antes? – ele sussurrou, como se os membros do Comitê não estivessem bem ali apreciando o showzinho.
– Ficou meio estranho falar com você depois que a gente acabou e tal – eu disse. – Mas agora já era. – Sentei derrotada na cadeira e encarei a Reitora esperando a minha sentença.
Vi René sentar-se também, devagar, mas ele voltou a encarar a mesa. Estava arrependido de ter falado merda, não é?! Pois agora aprenda que quando eu digo que tenho um plano, é porque eu tenho um plano, caralho! Que ódio que eu estava dele! Do jeito que ia, nós dois acabaríamos expulsos!
Passou-se alguns segundos de silêncio constrangedor antes que a Reitora voltasse a falar.
– Se ninguém tem mais nada a acrescentar, acho já podemos tomar uma decisão com base no que ouvimos – ela disse muito séria. – O Comitê vai discutir agora, quando chegarmos a uma conclusão iremos chamá-los. Podem sair.
Eu me levantei rápido e saí com mais pressa ainda. René ainda se deu o trabalho de se desculpar e agradecer aquele bando de velhos inúteis antes de deixar a sala. Era isso. Fim de jogo. Nossa derrota foi triste, mas não podíamos fazer mais nada até receber o resultado.
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Meu Bom Professor
RomanceLia é uma aluna de jornalismo que está pouco interessada na cadeira eletiva de Crítica da Arte e o professor não pretende pegar leve com ela. Isso não seria problema se Lia não tivesse feito uma aposta com sua amiga Beatriz, afirmando que conseguiri...