1. TRABALHO DOS SONHOS

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Eu entrei no escritório de Helen, esta manhã, com a certeza de que ela iria me despedir. A tarefa de me despedir não é da minha chefe, na verdade. Seria do departamento de RH. Mas o departamento de RH foi cortado. Edge, a revista para a qual eu tenho escrito e amado desde que me formei na faculdade, está pendurada por um fio. Dei três passos dentro da sala desordenada, com revistas velhas, nossas e de concorrentes, empilhadas, e senti meu desjejum - de café com duas colheres de açúcar, e geleia de morango com torrada de trigo integral - se transformando em uma pedra dentro do meu estômago. Sem sequer olhar para cima, com a pasta na mão, Helen sinaliza para a cadeira do lado dela.

- Anastasia, sente-se.

Sento-me em silêncio, mil coisas estão na ponta da minha língua: Eu posso fazer melhor; eu posso fazer mais; deixe-me fazer mais, dois artigos por semana, em vez de um. Ou mesmo: Vou trabalhar de graça, até que possamos nos reerguer.

Eu não posso me dar ao luxo de trabalhar de graça. Tenho aluguel, ainda estou pagando meu empréstimo da faculdade, e eu tenho uma mãe, que eu amo, com problemas de saúde e nenhum convênio. Mas eu também amo o meu trabalho. Eu não quero ser despedida. Eu nunca quis ser outra coisa que não seja o que eu sou agora, neste momento, quando o meu destino está nas mãos dela. Portanto, é com medo e uma sensação iminente de perda que eu me sento aqui e espero Helen finalmente abaixar essa pasta e olhar para mim. E eu me pergunto, quando os nossos olhos se encontram, se a próxima história que eu tenho que contar sobre a minha vida é essa, dela me despedindo.

Eu sou apaixonada por histórias. Como elas moldam nossas vidas. Como elas marcam as pessoas que nem sequer sabem sobre nós. Como elas podem nos impactar, até mesmo quando um evento não ocorreu exatamente em nossas próprias vidas. As primeiras coisas que fizeram me apaixonar foram as palavras que a minha mãe e avó me contaram sobre meu pai. Essas palavras eu guardo já que eu não tive na vida um verdadeiro pai. Gostaria de juntá-las em grupos, memorizar as histórias que elas formaram. Onde ele tinha levado minha mãe em seu primeiro encontro (um restaurante japonês), se o seu riso era engraçado (foi), qual era a sua bebida favorita (Dr. Pepper).

Eu cresci amando as histórias e todos os fatos e detalhes que me permitiram moldar, na minha mente, memórias do meu pai, que têm estado comigo para a vida. Minhas tias disseram que eu estava sonhando, quando eu disse que queria palavras para ter uma carreira, mas a minha mãe citava a mãe de Picasso.

- A mãe de Picasso disse-lhe que se ele entrasse no exército, ele seria um general. Se ele se tornasse um monge, ele seria o papa. Em vez disso, ele foi um pintor e tornou-se Picasso. Isso é exatamente o que eu sinto sobre você. Então, faça o que você ama, Ana.

- Eu estaria mais feliz se você estivesse fazendo o que você ama também -, eu sempre respondia, miserável por ela.

- O que eu amo é cuidar de você -, ela sempre repetia isso.

Ela é uma adorável pintora, mas ninguém no mundo pensa assim, apenas eu e uma pequena galeria que foi à falência meses após a sua criação. Então, minha mãe tem um trabalho normal, e o Picasso dentro dela se acalmou. Mas ela se sacrificou tanto para me dar uma educação e muito mais. Já que eu sou realmente um pouco tímida com estranhos, eu não tive o incentivo de muitos dos meus professores. Nenhum deles acreditava que eu tivesse o estômago para reportagens difíceis, então eu corri com a única coisa que podia: A motivação única da minha mãe e sua crença em mim. Agora eu tenho trabalhado na Edge por quase dois anos, e os cortes de empregos começaram há mais de três meses, e minhas colegas e eu estávamos todas com medo de que seríamos as próximas. Todos, inclusive eu, estamos dando 110 por cento do que nós temos. Mas, para o negócio continuar, não é suficiente. Não parece haver qualquer forma de recuperação para a Edge, exceto um enorme investimento que não parece iminente, ou esforços muito maiores do que o que temos vindo a executar. No momento em que Helen abre a boca para falar, eu temo ouvir as palavras Nós temos que te despedir. Eu já estou pensando em uma história, uma ideia que eu possa lançar para a minha próxima coluna, algo forte que poderia colocar o nosso nome lá fora e de alguma forma me permitir estar vinculada ao meu trabalho um pouco mais.

Santo ou Pecador {Completa}Onde histórias criam vida. Descubra agora