Quarenta e dois

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Gustavo narrando

Eu e Julia estavamos sentados no sofá a uma pequena distância (exigência da minha mãe). Alexa estava na mesinha de centro, nos encarando como se estivesse prestes a dar um sermão gigante.

Havia três estados de espírito completamente diferentes ali. Minha mãe estava tão chocada que mal conseguia formular uma bronca, Julia abraçava a si mesma com medo e eu... bom, eu queria me levantar, comer alguma coisa e ir pro baile. Algo me dizia que era melhor ficar na minha.

— Eu não sei o que dizer pra vocês dois. – Minha mãe falou, após um suspiro.

— Isso significa que tá tudo bem? – Perguntei.

— Não! – Ela respondeu, como se quisesse me matar. – Significa que eu não esperava isso, de verdade. Foi só eu virar as coisas pra vocês começarem a se atracar no banheiro e, pelo visto, essa não foi a primeira vez. – Cruzou os braços. – Quanto tempo?

— É... – Cocei a nuca.

— Não mente pra mim, Gustavo. – Falou em tom ameaçador.

— Desde quando meu avô morreu. – Murmurei de cabeça baixa enquanto observava sua reação.

— Desde outubro do ano passado. – Ela concluiu. – Isso são quatro meses. Quase cinco. É muito tempo, vocês tem noção disso? – Assentimos. – E agora? O que eu faço?

— Ajuda a gente a esconder...? – Questionei.

— Gustavo, cala a boca, pelo amor de Deus. – Julia disse com a mão na frente do rosto.

— Exatamente, Gustavo. Fica calado. Não duvido nada que isso tenha acontecido por influência sua.

— Ah, pronto, agora eu sou aliciador. – Revirei os olhos.

— Não, tia. – Julia confessou. – Tudo foi recíproco.

— Ok. – Minha mãe assentiu lentamente. – Eu realmente não sei o que fazer, juro. Não posso proibir nada. Vocês conseguiram ficar escondidos por tanto tempo, nada impede que continuem. Eu sei bem como adolescente é teimoso e insistente, principalmente você. – Apontou para mim.

— Mas... – Murmurei e ela suspirou.

— Não depende de mim. Seu pai Julia, por exemplo, ele enlouqueceria. – Ela assentiu lentamente. – Vocês são muito jovens ainda. Tem tanta gente pra conhecer na vida, que quando esse momento passar, vão se lembrar dele e dar risada.

— Não tem nada a ver com conhecer outras pessoas, mãe. Eu não tô com a Julia por falta de opção. – Esclareci.

— Gustavo, até pouco tempo você tinha namorada. – Minha mãe lembrou. – Essa atitude de vocês é muito irresponsável.

— A gente só ficou duas vezes enquanto eu namorava! – Tentei me defender.

— Três... – Julia corrigiu em voz baixa.

— Não importa quantas vezes vocês ficaram. Traição não é só isso. – Ela negou com a cabeça. – É querer outra pessoa, é quebrar a confiança do seu parceiro. Vai muito além de toques físicos.

— Eu sei disso, tia. Eu sei que foi errado e me arrependo muito. Não desejo pros outros aquilo que não quero pra mim mesma. – Julia se justificou.

— Que bom que você pensa assim, Julia. Que bom mesmo. Isso me poupa de dar um sermão enorme pra vocês agora mesmo. – Minha mãe falou, depois ficou intercalando o olhar entre nós dois. – Então, o que vocês tem? É algo casual ou... vocês namoram?

Fiquei em silêncio, pensando. Obrigada, mãe, por trazer a tona uma pergunta que causa conflitos existenciais.

— A gente tá junto. – Respondi.

— Junto como, Gustavo? Tipo, fixos?

— É.

— Sem ficar com outras pessoas?

— É, mãe.

— Ok, então vocês namoram. Para de colocar dificuldade onde não tem. – Bufou. – Eu queria perguntar se existe algum sentimento, mas a essa altura nem precisa mais. Vocês só são mal resolvidos. – Explicou.

Isso tá parecendo uma terapia de casal.

— Isso quer dizer que tá tudo bem pra você? – Julia perguntou, tirando as palavras da minha boca.

— Mais ou menos. Eu não tenho nada contra vocês juntos, mas a minha opinião não é a única que importa. Eu preciso contar pros pais de vocês.

— Não precisa ser agora. – Argumentei.

— Gustavo, se alguma coisa mais grave acontecer, eu vou me sentir culpada pra sempre.

Coisa mais grave?

— Já pensou se a Julia fica grávida? A família inteira iria se voltar contra mim por esconder isso. Além do mais, eles são os seus pais. Só querem o melhor pra vocês. Independente da decisão deles, vai ser a coisa mais responsável a se fazer.

— Então se houver, tipo, uma votação, você vai ser a favor né? – Julia perguntou.

Ela não tá nem aí pra bronca ou castigo que a gente vai levar, e sim se ficaremos juntos no fim ou não. Eu tenho a mesma preocupação, não vou mentir, mas se conseguimos esconder por tanto tempo sem que quase ninguém soubesse, por que não conseguiríamos de novo?

— Sim, eu sou a favor, mas não quero que fiquem pensando nisso agora. Gustavo, eu já mandei mensagem pro seu pai, logo ele volta pra casa. Julia, vou ligar pros seus pais agora mesmo.

Ela se levantou com o celular e saiu da sala, talvez pra gente não ouvir a conversa. Felicidade de bandido dura pouco mesmo, puta que pariu. Não consigo nem imaginar o quanto meu pai vai ficar puto.

— Você acha que eles vão afastar a família de novo? – Julia perguntou.

— Não sei. Talvez.

— Uma coisa é certa, você vai estar definitivamente proibido de passar da portaria do meu condomínio. – Brincou e eu dei risada.

— Você vai ter que sair escondida com o Alexandre pra gente se encontrar na casa do Túlio.

— E como é que eu vou entrar no morro sem ninguém saber?

— Usa uma máscara de palhaço, vai passar despercebida.

— Com certeza. – Ela disse gargalhando.

— Se bem que essa bunda sua é inconfundível. – Dei um sorriso malicioso.

— Para de ser safado! O assunto é sério! – Falou corada.

— Vou tentar. Não prometo nada.

Passei os braço pelos seus ombros e beijei o topo da sua cabeça, lhe abraçando. Ela fechou os olhos, com a cabeça deitada no meu peito e suspirou.

— Não quero ficar longe de você, Gustavo.

— Eu também não quero você longe de mim.


calma minha gente, ainda temos 20 capítulos pela frente... 🤭

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