Vinte

746 50 88
                                    

Gustavo narrando

Uma semana atrás o Tulio me contou sobre seu novo interesse amoroso. Eu fiquei surpreso, claro né. Nunca imaginei que ele pudesse gostar de um garoto, pra falar a verdade, mas apoio se ele estiver feliz. Quem sou eu pra julgar? Ele pode ficar com quem quiser, não é da minha conta.

Aproveitei a deixa para "desabafar" sobre o inferno que tem sido esses almoços de família aos domingos. Cada almoço, uma tortura diferente. O mais recente em específico foi uma merda.

O almoço de domingo se tornou jantar na noite de sábado (ou seja, perdi o baile graças à vovó). Ela pediu que todos se vestissem bem. Eu só vesti a roupa menos velha do guarda roupa e fui. A véia tava lindona, como sempre. Tava doido pra comer logo, mas tinha que esperar o pessoal chegar, então fiquei sentado no sofá e me conformei.

Thiago sentou do meu lado, começou a conversar comigo sobre a mina que ele tava pegando e eu não pude deixar de zoar. A família inteira já estava sabendo que ele "criou asinhas" e todos pediram pra levar ela lá em casa qualquer dia desses. Me lembro mais ou menos da aparência dela: morena, cabelo longo, magra e olhos pequenos. É gata, mas eu preciso perturbar meu irmãozinho, senão não tem graça.

Não é implicância. Acontece que ele é o caçula, só serve pra isso mesmo. Brincadeiras à parte, eu amo esse moleque pra caralho. Quando nossa mãe morreu ele foi o meu maior suporte justamente por ser o único que entendia de verdade o que eu tava sentindo. Foi o primeiro a me ver chorar depois de grande e ainda é o ser humano em quem eu mais confio. Ele não me deixa ou desiste de mim nem fodendo, sempre procura argumento pra me defender, apesar de na maioria das vezes não ter como. Eu sou uma pessoa complicada e ruim, não mereço isso tudo, mesmo assim o pirralho acredita em uma milagrosa mudança.

Depois de bastante tempo ouvi a campainha tocar e bufei. Já sabia o que viria a seguir: fofoca familiar, puxação de saco e prima gostosa. Minha avó foi felizona atender a porta. O primeiro a entrar foi meu tio. Atrás dele veio sua mulher. Gatona também, alta, cabelo curtinho e postura reta. Por último, veio a maldita. Naquela noite ela tava mais maldita ainda.

Quando entrou parecia ter trago o fogo do inferno junto, porque meu corpo aqueceu de um jeito fora do normal. Levei a mão até a gola da camisa, a esticando um pouco para respirar melhor. Não pude deixar de morder o lábio inferior enquanto a analisava. Vestia duas peças cor de rosa que pareciam ser de um conjunto, e eram minúsculas. Subi o olhar para o seu rosto; bochechas avermelhadas e sorridente (novidade). Uma típica patricinha de asfalto insuportável.

Observei a entrada triunfal dos três, que nos cumprimentatam ao passar por nós e foram até a sala de jantar, onde meus pais estavam. Soltei um suspiro e voltei meus olhos pro Thiago, que me encarava com uma sobrancelha arqueada.

— O que foi aquilo? – Perguntou.

— Aquilo o que?

— Mano, você nem disfarça. – Revirou os olhos e eu me dei conta do que ele tava falando imediatamente, mas me fiz de desentendido.

— Não sei do que você tá falando. – Desviei o olhar.

— Sabe sim, olha pra mim agora. – O encarei.

— Cê ta cheio de marra, né? – Ri.

— Isso não é brincadeira. Gustavo, ela é nossa prima. – Enrugou a testa.

— Relaxa.

— Meninos, venham jantar. – Vovó veio até a sala nos chamando e cortando o assunto.

Suspirei, me levantei e segui para a sala de jantar. Dessa vez, sentei ao lado do meu pai. Ele é prosa ruim demais, quem aguenta. Pelo menos a comida tava uma delícia, não esperava menos da minha avó. Quando terminamos de jantar, veio a sobremesa, mas ela nos interrompeu antes que começassemos.

MarginalOnde histórias criam vida. Descubra agora