Julia narrando
O Alê chegou na escola desesperado, falando que tinha uma coisa muito importante pra me contar, e eu já comecei a ficar nervosa né. Ele tá tão estranho ultimamente, que tenho até medo de estar acontecendo alguma coisa séria com aquele pai tóxico dele.
Quando finalmente terminou o último dia de aula do ano, fomos pra minha casa. Nos trancamos no meu quarto com um pote de sorvete e eu fiquei quieta, esperando ele começar a falar.
— Beijei um garoto.
Arregalei os olhos, um pouco surpresa, apesar de já estar desconfiada. Fala sério, conheço o Alexandre desde quando me entendo por gente. Ele não é hétero nem aqui, nem na China. Ainda assim, não esperava que fosse se descobrir nesse momento.
— Me conta tudo. Agora. – Dei uma colherada no sorvete.
— A gente tava conversando, aí, quando percebi, já estava beijando ele.
— E ele retribuiu? – Assentiu.
— Sim. Inclusive me beijou de novo.
— Foi bom?
— Ah... foi... normal. – Murmurou sem jeito.
— Ai, assim não, né, Alexandre?! Eu quero detalhes! – Brinquei.
— Você tá mais preocupada com os detalhes do que com o fato de que eu beijei um menino?!
— É claro. – Dei de ombros.
— Julia, eu não sou gay. – Enfatizou. – Foi só por um momento, eu tinha curiosidade de saber se seria bom ou não e beijei. Foi isso.
— Alê, vamos ser realistas por um momento. – Cruzei os braços. – Tem várias garotas lindas querendo ficar contigo e você rejeita todo mundo. Desde quando tu beija alguém por curiosidade?
— Não sei. – Bufou. – Com ele é diferente. Eu nunca senti atração por garoto nenhum antes. É estranho.
— Eu entendo, sério. Você ainda tá se descobrindo. Além do mais, o Túlio, é bonito e engraçado. Não deve ser tão ruim ficar com alguém assim.
— Eu não disse que foi ruim! Eu só... – Se interrompeu. – Em nenhum momento falei do Túlio.
— Nem precisava. Ainda nem sei como você tenta esconder as coisas de mim. – Revirei os olhos. – Tá pensando que eu não vi a moto dele passeando pelo condomínio?
— Se você disser alguma coisa pra alguém eu te mato! – Ameaçou e eu dei risada.
— Não vou contar nada pra ninguém! Agora me diz o que rolou depois do beijo. – Peguei mais uma colherada de sorvete.
— Depois ele falou que tava confuso e foi embora. – Juntei as sobrancelhas. – Ele nunca mais vai voltar na minha casa.
— Claro que vai, Alexandre! Ele só não sabe como reagir nem como se sentir agora. Deve ser a primeira vez que beijou um homem na vida, você também ficou confuso, tenho certeza. – Assenti. – Relaxa, o Tulio só precisa de tempo pra aceitar isso e vai ficar tudo bem.
— Julia! – Arregalou os olhos. – Eu. Beijei. Um. Homem. – Falou pausadamente, tentando controlar um possível surto.
— SIM! – Pulei na cama.
— Você tá entendendo o que isso significa? Eu posso gostar de homens. Eu não quero isso!
— Alê – Peguei a mão dele. –, isso não é uma escolha. Se orientação sexual fosse uma opção, quem escolheria gostar de homem? Homem é uma praga! – Ri fraco. – Isso é completamente normal. Você está se relacionando, como qualquer outro adolescente, não se sinta culpado ou errado. Tá no caminho certo, eu garanto.
— Mas e se ele não quiser mais?
— Não é o único pinto do galinheiro. – Mandei beijo.
— E o meu pai?
— Ele vai ser obrigado a aceitar, uma hora ou outra. Se não aceitar, você vem morar comigo.
— Não posso ficar na sua casa a vida inteira. Eu dependo dele pra tudo.
— Na verdade, você é bem independente. Tenho certeza que saberia se virar sem ele.
— Ele vai me matar. – Cobriu o rosto com as mãos.
— Não vai! Pensa positivo!
— Não existe otimismo quando falamos sobre o meu pai.
— Meus pais te adoram. Eles deixariam você ficar com a gente sem problemas.
Ele ficou quieto olhando pro nada, e eu logo imaginei que estivesse pensando besteira.
— Para de esquentar a cabeça! – Estendi o pote. – Toma um sorvetinho.
A gente ficou um tempo em silêncio até o clima aliviar, depois ele riu sozinho.
— O que foi? – Perguntei confusa.
— Tava imaginando a gente num encontro duplo com o Gustavo.
— A gente quem? Tá louco é?
— Claro que não. Séria legal.
— Claro, você e o Túlio com o Gustavo e a namorada dele. – Enfatizei.
— Às vezes eu esqueço que ele tem uma namorada.
— Ele também esquece. – Ironizei.
— Principalmente quando você tá perto, né. – Sorriu sarcástico.
— Vamos mudar de assunto. – Falei e ele deu risada. – O que você vai fazer nas férias?
— Não sei. Ficar em casa, provavelmente. E você?
— Vou pra Cabo Frio. Minha avó vai morar lá.
— Nossa, que chato. Não vou poder ficar o dia todo grudado em você.
— Pode deixar que eu te mando mensagem toda hora! – Dei uns tapinhas no ombro dele.
— E quando você vai?
— Depois do natal. Aproveite seus últimos dias comigo!
— Credo, Julia, parece até que vai morrer! – Encheu a boca de sorvete.
— Vou passar uns 10 dias lá, quando voltar quero ver você e o Túlio de casalzinho viu?
— Tá mais emocionada do que eu.
— Eu tô aqui torcendo pela sua felicidade e você vem me chamar de emocionada?!
Continuamos conversando e rindo por bastante tempo, até o pote de sorvete acabar. Por fim, ele dormiu na minha casa e a gente ficou assistindo série até tarde.
∆
perguntinha aqui, só por curiosidade, com qual personagem vocês se identificam mais até agora?eu sou o meio termo entre a Julia e o Gustavo (sem a escrotisse) 😂😂

VOCÊ ESTÁ LENDO
Marginal
Fiksi Remaja[+16] Julia nasceu em berço de ouro. Literalmente. Filha de um cardiologista e uma nutricionista, nunca precisou chorar por não ter algo. Seu pai, ao contrário, passou anos lutando para ter a fortuna que conseguiu construir. Marcelo nasceu na favela...