Julia narrando
Acordei com o sol sendo refletido contra o meu rosto. Olhei para o lado e Gustavo ainda dormia, o que me fez lembrar da noite passada e levantar da cama num pulo. Procurei minhas roupas pelo chão e vesti minha calcinha, logo depois meu sutiã. Ouvi um movimento e olhei para a cama, vendo o inominável acordar 100% despreocupado.
— Bom dia, priminha. – Sorriu irônico.
— É inacreditável o quão babaca você consegue ser. – Murmurei enquanto vestia o meu short.
— Não me lembro de você ter me chamado disso em momento nenhum da noite passada.
— Foi um erro, você sabe disso.
— Erro? Onde eu fui criado, a gente chama isso de sexo. – Revirei os olhos.
— Gustavo, você tem namorada.
— Ela supera.
— Nós somos primos! – Esclareci enquanto vestia a blusa.
— Deus criou as primas pra gente não pegar as irmãs, ué.
— Você não tem irmã.
— Foda-se, Julia. Mina chata, eu hein. – Bufou. – Deita aqui de novo que eu dou um jeito nesse mau humor.
Olhei irritada para ele uma última vez, antes de abrir a porta e sair do seu quarto, indo imediatamente em direção ao meu para que ninguém me visse. Chegando lá, me despi e fui ao banheiro, tomando um banho quente e escovando os dentes. Ao sair, vesti um short de moletom vinho e uma blusa tomara que caia listrada. Passei base, pó e blush no rosto, então peguei meu celular, ligando pro Alê.
— Ju?! Ai meu Deus, você tá bem? Ontem eu te mandei umas mil mensagens e você não recebeu.
— Sim, tô bem, Alê.
— Eu sinto muito pelo seu avô, de verdade. Nem tive tempo de conhecer ele direito mas temho certeza que era incrível.
— Obrigada, meu amor. Ele era incrível sim. – Suspirei, já querendo mudar o assunto pra não chorar. – Você pode me encontrar na General Tibúrcio e levar uma coisa pra mim?
— Caramba Ju, é longe, mas eu posso sim. Que coisa?
— Te mando o nome por mensagem. Me encontra lá em uma hora, por favor.
Ele concordou e eu encerrei a chamada, mandando o nome do que queria por mensagem. Saí finalmente do quarto, indo em direção a cozinha, onde eu encontrei meus pais, meus tios e Gustavo tomando café. Peguei apenas um copo de achocolatado, mal sentia fome, apenas não queria ficar de estômago vazio.
— Cadê o Thiago? – Perguntei pra Alexa.
— No quarto, ainda.
— Posso ir lá falar com ele?
— Claro, anjo. – Sorriu.
Levantei da cadeira e voltei pro andar de cima, batendo na porta do quarto de Thiago. Não obtive resposta, então bati de novo.
— Thi, deixa eu te ver. – Falei ao ouvir alguma movimentação lá dentro.
Fiquei um tempo parada lá e mesmo assim ele não abriu a porta, então voltei para a cozinha. Comi uma fatia de abacaxi e, ao terminar, escovei meus dentes novamente.
— Pai, eu vou encontrar o Alê, ok? – Falei quando o vi na sala.
— Onde?
— Na General Tibúrcio.
— Quer que eu te leve?
— Não precisa, chamei um uber.
Ele assentiu e eu o encarei por alguns segundos, logo depois fui até o mesmo e lhe abracei. Meu pai beijou minha testa e logo me soltou, dirigindo um sorriso fraco a mim. Finalmente saí e esperei por uns 5min do lado de fora, finalmente o carro estacionou na minha frente. Fiquei conversando com o motorista até chegar no destino, e ele ainda me deu umas balinhas. Paguei a corrida e desci na frente da praça, onde pude ver Alexandre de longe, sentado num banco aguardando por mim.
— Você me deve uma longa explicação, mocinha. – Afirmou enquanto eu me aproximava. Alê se levantou, me abraçou e beijou meu rosto.
— Trouxe o que eu te pedi? – Ele assentiu.
—Pílula do dia seguinte? Sério isso, Julia? Você não imagina a cara feia que a moça fez pra mim.
— Fala baixo, inferno. – Falei, pegando a cartela de remédio com dois comprimidos da sua mão. Fomos até um rapaz que vendia garrafas de água mineral, comprei uma e voltei para o lugar que estávamos, tomando o remédio.
— Quem te comeu tão bem assim pra fazer você esquecer até da camisinha?
— O Gustavo. – Sussurrei.
— Julia, você é doida?! Come merda?! Já pensou se seu pai descobre? Pior ainda, e se você ficar grávida?
— Vira essa boca pra lá, Alexandre. – Bufei. – Não vai acontecer de novo.
— Não deveria nem ter acontecido, pra começo de conversa. O que veio na sua cabeça antes de dar pro seu primo?!
— Ah, eu sei lá. Ele tava ali e eu queria me distrair, e aconteceu. A gente tava num momento de vulnerabilidade. – Dei de ombros. – Além do mais, eu ainda acho ele um idiota.
— Que maneira de vivenciar o luto, hein...
— Para. – Olhei pra ele irritada. – Foi uma atitude mal pensada, eu só queria tirar meu avô da cabeça e ele foi uma distração. Só isso.
— Tá bom, né. – Deu de ombros.
Ficamos por um tempo lá conversando e logo depois eu decidi ir embora. Só queria deitar numa cama e ficar isolada.
Meu pai, minha avó e meu tio decidiram não fazer funeral. Iriam nos poupar daquela dor. Mas na comunidade, todos faziam homenagens de várias formas pra ele. No lugar em que seu corpo fora encontrado, haviam inúmeras flores e fotografias, com algumas mensagens bíblicas de conforto e amor. Aquilo ajudava muito, saber o quanto ele era amado e saber a forma que as pessoas reconheciam que ele as ajudou aquecia meu coração. Eu não preciso chorar nem me lamentar; eu preciso sentir o amor, não importa de que modo. Preciso sentir apoio e empatia; esse tipo de coisa que faz com que eu me sinta bem.
Já na casa do meu tio, passamos a noite juntos. A minha avó precisava de apoio mais que tudo naquele momento, e a família toda reunida a fazia bem, isso estava claro. Na sala, eu estava deitada com a cabeça no colo dela, ambas estávamos num colchão que meu pai pegou. Alexa e tio Adriano estavam sentados no sofá atrás de nós, Thiago no colchão, do outro lado da minha avó. Ele ainda estava um pouco recluso, não se comunicava muito, mas estava conosco, e isso é o que importa. Gustavo estava sentado sozinho numa poltrona, próximo a nós e meus pais em outro sofá. Nós assistimos "As branquelas", um clássico, ninguém consegue segurar as risadas com aquele filme.
Eu amava estar ali. Amava sentir todo aquele calor humano tão próximo de mim. Talvez, pela primeira vez, eu me senti realmente em casa.
∆
3 capítulos em 1 dia pra compensar os 6 dias sem atualizar 🙏🏻
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Marginal
Teen Fiction[+16] Julia nasceu em berço de ouro. Literalmente. Filha de um cardiologista e uma nutricionista, nunca precisou chorar por não ter algo. Seu pai, ao contrário, passou anos lutando para ter a fortuna que conseguiu construir. Marcelo nasceu na favela...