Quarenta e três

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Julia narrando

O meu tio chegou e me cumprimentou com um sorriso, depois foi falar com a minha tia na cozinha. Meus pais chegaram juntos, olharam pra mim e pro Gustavo sentados no sofá e passaram reto, também indo para a cozinha. Mordi o lábio e fiquei batendo o pé no chão, morrendo de ansiedade. Em poucos segundos eu ouvi meu pai levantando a voz e me endireitei no sofá, querendo ir ver a conversa deles.

— Sabia que você me deve uma brahma? – Gustavo puxou assunto, tentando desviar minha atenção da discussão.

— É?

— Sim. – Ele assentiu. – A gente quase brigou hoje porque a senhorita estava com ciúmes de mim.

— Deixa de ser convencido. – Revirei os olhos.

— Eu não menti.

— Não posso comprar bebida, sou menor de idade.

— Fala que é pra mim, qualquer um vende.

— Narcisista. – Murmurei, logo depois ouvi a voz do meu tio gritando "a culpa não é minha".

— E como será que nossos melhores amigos estão agora? – Gustavo puxou assunto novamente, desviando a minha atenção.

— Transando.

— Eles são muito energéticos. Quem será a mulher da relação? – Ele perguntou e eu suspirei.

— Nenhum. Os dois são homens. É esse o ponto do relacionamento homossexual.

— É, mas tipo...

— Eu sei o que você quis dizer, mas não repete essa fala, é muito preconceituosa. – Expliquei.

— Então como eu deveria formular? – Perguntou, com um interesse verdadeiro.

— Quem é ativo e quem é passivo.

— Defina os dois, por favor. – Pediu com um sorriso.

— Aí, Gustavo. – Cobri o rosto com vergonha.

— Ativo é quem come e passivo é quem dá? – Questionou com toda a delicadeza do mundo (contém ironia).

— É, quase isso. – Dei risada e virei o rosto para o meu pai, que passou por mim pisando duro e saiu. Minha mãe veio logo atrás, com uma cara de preocupação.

— Julia, levanta. Vamos pra casa. – Ela disse num tom autoritário. Abri a boca pra fazer uma pergunta, mas fui interrompida. – Agora!

Olhei pro Gustavo por alguns segundos e me levantei, andando lentamente até a porta. Minha mãe me acompanhou pacientemente. Não vi os meus tios, meu pai já estava no carro esperando. É, acho que deu tudo errado. Voltei meus olhos pro Gustavo no sofá, ele deu um sorriso tranquilizador, mas seus olhos não passavam a mesma mensagem.

— Acho que é o Alê. – Falei baixo e ele concordou, logo depois saí, entrando no carro do meu pai.

Mamãe entrou logo depois e meu pai acelerou, indo direto para casa. Nenhum dos dois trocou uma palavra sequer comigo, por isso não soube o que esperar. Quando chegamos, minha mãe mandou eu subir pro meu quarto e eu o fiz. Tirei a roupa, tomei um banho, vesti um pijama e liguei o ar condicionado. Peguei meu celular e abri a conversa com o Gustavo, ele nem tava online.

Eu | 18:44
tudo bem aí?

Ele recebeu minha mensagem e eu fiquei esperando responder por um tempo, até perceber que não iria receber resposta nenhuma naquele momento. Minha mãe entrou no meu quarto e fechou a porta, eu bloqueei a tela do celular, colocando debaixo do travesseiro. Ela caminhou até a minha cama, se sentando de frente a mim.

— Meu pai tá bravo comigo? – Perguntei.

— Ele está estressado, mas acho que não é exatamente com você.

— O que vocês conversaram?

— A Alexa contou tudo. – Suspirou. – Seu pai ficou imediatamente contra, seu tio também. Mas aí ela começou a explicar a situação toda, sobre o tempo que vocês esconderam e... seu tio foi mudando de opinião.

— Então ele apoia?

— Apoiar é uma palavra muito forte, vamos dizer que ele aceita.

— E o meu pai?

— Ele não gostou nada disso. Começou a discutir com o pai do Gustavo e aí já imagina o resto, né. Você sabe como o Marcelo pode ser orgulhoso e cabeça dura. Pra ele, isso é um absurdo.

— É, eu sei.

— Ele não quer que você frequente mais a comunidade. Acha que vai ser melhor “cortar o mal pela raiz”.

— Mas os meus tios moram lá, o Thiago também, eles são minha família e...

— Eu sei, meu amor. – Me interrompeu e fez carinho no meu rosto. – Isso deve ser só por um tempo. Ele quer cortar o contato entre vocês dois, pra depois construírem uma relação... diferente.

— Mas eu não quero ter uma relação diferente com ele! – Reclamei, sentindo meus olhos ficarem marejados.

— Você vai superar esse tempo, vai conhecer outras pessoas, suas aulas voltam segunda feira, você vai interagir com sua sala e esquecer isso.

— Não vou esquecer!

— Julia, esse é um sacrifício pro seu bem!

— De que forma isso vai fazer bem?

— Não sei. – Confessou. – Eu só espero que faça.

— Você tá do lado dele?

— Eu tô do lado que a minha filha fique feliz e segura.

— Eu tô feliz perto do Gustavo.

— E quanto a segurança? – Cruzou os braços.

— Não me meto nas coisas que ele faz. Pra falar a verdade, ele nunca me conta nada.

— Já se perguntou por que não sabe?

— Já, mãe. Um milhão de vezes. Quanto mais por fora eu fico, melhor é. Já sei disso.

— Então sabe que, ficando com o Gustavo, você pode se tornar alvo de outras pessoas. Uma forma indireta de atingir ele.

— Todo mundo sabe que somos da mesma família e ninguém nunca tentou fazer algo contra a gente.

— E você vai ficar esperando isso acontecer?!

— Mãe! – Suspirei. – Eu não tô ligando pra isso. É um risco que eu tô disposta a correr.

— Acontece que você é menor de idade e nossa obrigação é te proteger. – Falou com seriedade. – Eu te amo muito e quero te ver bem sempre, mas se isso significa que você vai estar constantemente sob a mira de uma arma, me desculpa, mas eu sou obrigada a interferir.

Comecei a chorar mais ainda, ela se levantou e saiu do quarto. Engoli a vontade de gritar e me deitei, pegando o celular novamente. O Gustavo ainda não tinha respondido. Nem mesmo visualizou a mensagem.


mais tarde eu posto +1 pra vocês 😝

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