Nove

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Gustavo narrando

Ao chegar na boca, encontrei meu pai dando ordens a um vapor que tinha uma arma em mãos. Esperei que eles terminassem a conversa e me aproximei com o Thiago.

— Vocês estão bem? – Perguntou, assenti.

— Invadiram nossa casa, mas tá tudo bem, ninguém se machucou. – Expliquei, já que ele encarava estranho o sangue no meu corpo. – Cadê meu avô?

— Você não tinha dito que ele estava aqui na boca?! – Thiago me olhou indignado.

— Ele não estava em casa? – Meu pai perguntou de sobrancelhas levantadas.

— Não, ele saiu pra ajudar.

— Porra, Gustavo.

Meu pai saiu correndo esbarrando em nós dois. Eu e Thiago nos entreolhamos e saímos correndo atrás dele, que perguntava do meu avô pra cada vapor que tava ali.

Desci aquele morro correndo quando vi um grupo de pessoas paradas observando algo atentas. Empurrei todo mundo para que saíssem da minha frente e me abaixei ao lado do corpo jogado. Ele estava de barriga para baixo, então o virei orando mentalmente para que não fosse meu avô. Para minha infelicidade, era ele.

O choque era nítido no meu rosto. A sensação de ter o corpo do meu avô ensanguentado nos meus braços me deixou paralisado. Eu não soube como reagir. Tudo o que fiz foi olhar para o seu rosto sujo e machucado. Nenhum pensamento fixo passava pela minha mente. Era um vazio.

Meu pai e Thiago apareceram desesperados do meu lado, tomaram o corpo de mim e eu ainda não conseguia me mover. Eu apenas consegui "acordar" quando vi que eles subiam o morro correndo com meu avô nos braços.

Me levantei ainda com as pernas trêmulas e segui para casa a passos lentos. Sentia minha garganta seca e com um nó se formando, meus olhos lacrimejaram. Bufei nervoso e comecei a andar de forma firme, abri a porta de casa com força e vi todos aflitos na sala. O corpo deitado no colo de Alexa enquanto o pai da Julia fazia algo com ele (não sei exatamente o que). Meu pai, que estava no telefone desde o momento que cheguei, o desligou.

— O médico está chegando. Mandei ele vir o mais rápido possível. – Disse e se ajoelhou, segurando a mão do meu avô. – Aguenta firme, pai.

— Não sei o que vocês estão tentando fazer. – Murmurei.

— Salvar a vida dele?! – Thiago respondeu com irritação.

— Já é tarde demais.

— Não, não é, Gustavo. – Falou novamente.

—Você é cego?! – Me aproximei deles, irritado. – Ele não tem pulso! Isso é a porra de um cadáver! – Gritei enfurecido.

Olhei para o rosto de cada um ali antes de subir para o meu quarto e bater a porta. Fiquei parado por uns instantes, sentindo minha respiração ofegante. A imagem dele ensanguentado nos meus braços não saía da minha cabeça, por mais que eu quisesse apagá-la. A única resposta que o meu corpo teve foi pegar aquele maldito porta retrato idiota da cômoda e jogá-lo com força contra a parede. Não parecia estar satisfeito. Olhei para a cadeira de frente a escrivaninha e a chutei para bem longe, ouvindo o som alto que fez quando bateu no chão.

Destruir o meu quarto não era o suficiente para mim. Encarei meu próprio reflexo no espelho e não pensei duas vezes antes de socá-lo. Vi se abrirem na minha mão pequenos cortes que começavam a sangrar um pouco. Puxei os lençóis e travesseiros da minha cama, os jogando no chão e peguei um, minhas mãos fizeram força para distender as pontas e eu o rasguei. As lágrimas quentes corriam sobre o meu rosto e eu usava a manga da camisa para limpá-las, o que ela inútil já que não paravam de descer.

Sentei no chão, cansado, com as costas apoiadas na cama e olhei para a porta. Por um instante, fechei meus olhos e permiti que minha mente me levasse para qualquer momento ou lembrança que ela quisesse. Eu não aguentava aquela dor. Abri meus olhos quando vi a porta ser aberta com calma e a figura de Alexa se fez presente. Ela entrou, fechou a porta novamente e veio até mim. Se sentou do meu lado, me abraçou, apoiando minha cabeça no seu ombro e permaneceu ali, comigo, até que eu dormisse.

Acordei deitado na minha cama. Queria que tudo tivesse sido um pesadelo, mas a noite passada foi confirmada pela destruição do meu quarto. Suspirei e me levantei, indo na direção do meu banheiro. Tirei a roupa, entrando debaixo do chuveiro quente. Havia sangue seco em algumas partes do meu corpo, minha cabeça doía como nunca e parecia até que eu estava de ressaca.

Após um banho demorado, saí do box e escovei os dentes, depois voltei para o quarto, vesti uma bermuda e uma camiseta. Desci para o andar de baixo. A casa estava quieta, parecia não ter ninguém. Ou talvez todos quisessem ficar sozinhos. Ao entrar na cozinha, me deparei com a cena da minha prima sentada com os braços apoiados no balcão e o rosto entre eles.

— O que você ainda tá fazendo aqui?! – Ela soltou um suspiro e virou o rosto, olhando pra mim com os olhos e nariz avermelhados.

— Seu pai pediu.

— Era só o que me faltava. – Revirei os olhos.

Fui até a geladeira e a abri, pegando uma jarra de suco e despejando num copo. O relógio marcava 9h e alguns minutos.

— Alexa disse que você age assim como forma de tentar esconder sua sensibilidade. – Ao ouvir suas palavras, me virei e a encarei de braços cruzados. – Ela falou que você tá sempre na defensiva com as pessoas que não tem intimidade porque tem medo de se mostrar vulnerável.

— Isso... não é verdade.

— Tem certeza? – Perguntou, pondo os cotovelos para trás, apoiados no balcão.

— É claro que eu tenho, vai cuidar da sua vida! – Bufei impaciente e me virei de novo, pegando o copo de suco.

— Sua atitude agora só fez confirmar tudo que eu disse. O que será que te causa tanto medo...

— Nada.

— Não, agora eu quero saber. – Murmurou e quando vi ela já estava do meu lado. – Por que você é desnecessariamente grosso e babaca?

— Eu não sou assim. Você não me conhece.

— E você deixa eu te conhecer?

Olhei para ela, ainda sem entender seu objetivo com aquela conversa. Terminei meu copo de suco e saí da cozinha, encontrando o meu pai na sala.

— Ah... Gustavo, não precisa ir pra boca hoje. Alguém te substitui.

— Já é. – Ele me olhou por um tempo, veio até mim e me abraçou.

Fiquei grudado no meu pai por tempo o suficiente para sentir vontade de chorar, quando vi que já era demais, me soltei do abraço e fui pro fundo da casa. Eu não queria sensibilidade. Não queria "surtar", nem sentir o luto. Não queria nem pensar naquilo. Só queria ficar chapado.

E foi o que eu fiz.


eu amava o avô :(

devo desculpas pela demora gente, mas vou compensar vocês 💖

se preparem pro próximo hihihi

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