Julia narrando
Estava sentada na sala, com cara de paisagem, enquanto a Alexa limpava uma ferida no braço do meu tio, que acabou sendo atingido de raspão durante a invasão. Thiago não chegou em casa, mas avisou que estava seguro, fora do morro, com um amigo. A metros de distância, do outro lado, tava o Gustavo, apoiado na parede e com as mãos nos bolsos. Apesar de tudo, ainda rolava uma tensão. Eu sentia que ainda tínhamos coisas pra resolver, e o jeito que ele me olhava dizia que pensava o mesmo.
Não é como se sexo fosse resolver tudo. A situação continuava a mesma, a diferença é que não nos seguramos dessa vez. Eu não sei em que ponto as coisas começaram a complicar, não sei quando começou a ser importante que a gente tivesse algo, eu só sei que, por mais que minha boca diga o contrário, não consigo imaginar de que forma isso possa ser errado. Sim, me assusta pensar o quanto nossos pais ficariam irritados só em imaginar isso, mas será que não tem jeito mesmo?
Permaneci no morro por algumas horas, já que meu tio proibiu a entrada/saída de qualquer um. Conversei com o Alê e aquele desgraçado já tinha ido embora, enquanto eu quase morri pra vir buscá-lo. Meus pais estavam prestes a pirar quando conversamos por telefone, eles ficaram super histéricos de preocupação e disseram um milhão de "graças a Deus" pelo Gustavo ter me encontrado. Quando vieram me buscar já era tarde da noite, e o olhar do meu pai deixava muito claro o quão irritado ele ficou.
Fui para a minha casa ouvindo um sermão daqueles. Não só por sair sozinha sem avisar, mas também por ir pro morro buscar meu melhor amigo sem nem saber direito o que havia acontecido com ele. Foi uma decisão irresponsável, eu admito, mas não é pra tanto. Eu não poderia adivinhar que um tiroteio começaria de repente quando chegasse lá. Enfim, depois de deixar claro a decepção, meus pais entraram no quarto deles e eu fiz o mesmo.
Tomei um banho frio e demorado, lavando os cabelos, então vesti meu baby doll. Estava com um pouco de fome, então tomei iogurte com granola e umas fatias de banana, escovei os dentes logo depois e me deitei. Suspirei, refletindo sobre o meu dia. Estava ficando cansativo viver nesse ciclo com o Gustavo. A gente briga, transa, se arrepende, depois tudo se repete. Não quero ficar presa nisso. Talvez seja melhor me afastar definitivamente, parar de frequentar o morro, deixar que as coisas voltem a ser como eram alguns meses atrás.
Suspirei ao sentir meu celular vibrar debaixo do travesseiro e confesso ter ficado um pouquinho feliz com a notificação.
imundo | 2:44 AM
Tá acordada?Eu | 2:44 AM
nãoimundo | 2:46 AM
Você é tão engraçada 😍
Quer sair?Eu | 2:46 AM
vai me levar pra onde uma hora dessas?imundo | 2:47 AM
Pra camaEu | 2:48 AM
me poupe, Gustavoimundo | 2:48 AM
Tô brincando, nervosinha
Marca um dez que já já eu broto aíEu | 2:48 AM
ai ai...Saltei da cama e tirei a parte de cima do baby doll, vestindo um blusão de manga longa no lugar. Corri os dedos entre meus fios de cabelo enquanto me encarava no espelho. Cruzei os braços e revirei os olhos, pensando no quão otária eu sou. Fala sério, 10min atrás eu estava pensando em me afastar definitivamente e agora tô indo sair com ele, sinceramente viu...
Peguei minha chave, meu celular e desci até o portão, abracei o próprio corpo de frio enquanto esperava o bonito. Senti o farol forte bater contra meus olhos e logo sua moto estava parada na frente da calçada.
— Sobe aí. – Falou com aquele sorriso descarado de sempre.
— Sem capacete? Não perdi o juízo ainda.
— Anda logo, Julia, eu vou tomar cuidado. Confia. – Suspirei.
— Se alguma coisa acontecer eu vou te matar.
— Eu sei.
Montei na garupa e ele deu partida, em pouco tempo estávamos na avenida, quando ele começou a acelerar mais que tudo e eu apertei meus braços no seu tronco. Tudo que senti foi o vento forte, vez ou outra passavam alguns carros ao meu lado. Foi um trajeto rápido, quando percebi já tinha parado numa praia. Desci da moto e caminhamos em silêncio, até pararmos sentados na areia.
— Você me trouxe aqui pra quê? – Perguntei.
— Pra conversar.
— Sobre?
— Sobre tudo. – Falou sem me olhar. – Tá foda isso. A gente fica nessa de briga e transa, e nada vai pra frente, nem pra trás.
— Eu tava pensando na mesma coisa.
— Eu não gosto de ficar brigando contigo. Passei o dia inteiro criando coragem pra falar isso. – Brincou.
— Imagino. – Dei risada. – Eu também não gosto de brigar com você, mas, sei lá, parece que qualquer motivo é suficiente pra gente começar a se xingar.
— A gente tem que parar com isso.
— Urgentemente.
— Faz assim, toda vez que a gente começar a brigar, você me paga uma brahma. – Sugeriu.
— Ué, por quê?
— Porque tu é encrenqueira pra caralho.
— Te pago uma cerveja se eu começar a briga, mas, se você começar, vai ter que me pagar um açaí.
— Fechado então. – Estendeu a mão e a apertei. – Vai ser bom transar com você sem precisar brigar antes.
Levantei uma sobrancelha e o encarei, ainda sem soltar sua mão. Então era só sexo? Sou mais otária do que parece.
— Esse é o meu jeito de dizer que quero ficar contigo. – Revirou os olhos e eu sorri, sentindo um alívio no peito.
É bom saber que eu significo alguma coisa pra ele e é horrível saber o tanto de problema que isso pode causar pra gente.
— Não sei, Gustavo. – Coloquei meu cabelo atrás da orelha. – Nossa família iria surtar, meu pai, principalmente. Ele me trancaria numa torre igual a rapunzel.
— Eles não precisam saber ainda.
— Mas precisarão um dia.
— Aí a gente dá um jeito. – Deu de ombros.
— Olha, eu quero ficar contigo porque, querendo ou não, eu me apaixonei por você, mas iria me sentir culpada se...
— Você se apaixonou por mim?! – Murmurou e eu arregalei os olhos, me dando conta do que tinha dito.
Meu Deus, eu sou tão burra, mas tão burra, que dói. Vou cavar um buraco nessa areia e enfiar minha cara lá dentro.
— Queria que você visse a sua cara agora! – Brincou, logo depois passou o braço ao redor dos meus ombros, me puxando para mais perto. – Talvez eu também tenha me apaixonado um pouquinho por você.
— Um pouquinho? Você é doido por mim. – Sorri, observando seu rosto.
— Quem foi o fofoqueiro que te contou? – Fingiu estar irritado, depois deu um sorriso e me beijou.
Meu coração foi a mil, eu tava a um passo de sair pulando pela areia. Ele é tão bruto normalmente, mas tentava ser carinhoso comigo (a coisa mais fofa do mundo). A essa altura, já tô 100% rendida.
— Nunca vou te perdoar por isso. – Murmurou perto da minha boca.
— Por isso o quê?
— Me fazer perder a postura.
Dei risada e voltei a beijá-lo, e assim ficamos por um bom tempo. A gente conversou durante horas sobre várias besteiras, tipo a novela das nove, o "trabalho" dele, falamos mal do presidente, enfim... quando ele me levou pra casa o sol já tava nascendo. Entrei no meu quarto, tirei o blusão, vesti a blusa do baby doll de novo e me joguei na cama toda boba. Mandei um áudio gigante pro Alê contando tudo e dormi um segundo depois de enviar, quase explodindo de felicidade.
∆
mo paz

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Marginal
Jugendliteratur[+16] Julia nasceu em berço de ouro. Literalmente. Filha de um cardiologista e uma nutricionista, nunca precisou chorar por não ter algo. Seu pai, ao contrário, passou anos lutando para ter a fortuna que conseguiu construir. Marcelo nasceu na favela...