Quarenta e oito

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Gustavo narrando

Passei o dia inteiro fazendo corre e, de noite, não consegui me manter em casa. Tava um clima chato do caralho, me deixou de mau humor, então chamei o Junin, pegamos uma mochila de drogas e fomos vender numa balada de boy. O lucro é sempre alto nesses lugares. Era só oferecer pra um ou outro cliente já conhecido, ele espalhava por aí, e mais clientes chegavam automaticamente.

Não sei porque (ou sei) eu tava me sentindo tão estressado. Não queria estar naquela balada, nem em casa, nem em qualquer outro lugar. Tudo parecia chato, tedioso, incômodo. Desde quando cheguei, tudo que fiz foi olhar pra tela do celular a procura de alguma distração. Já mexi em todas as redes sociais possíveis, sempre acabava voltando pra mesma página de humor do insta.

Então, não sei que instinto me fez levantar o rosto e olhar ao redor, mas ver a Julia ali foi como encontrar a famosa luz no fim do túnel. Eu só tenho certeza que ela era a única coisa que me interessava naquele lugar.

Mandei o Junin dar uma segurada e resolvi me aproximar – mesmo sabendo que não deveria. Empurrei muita gente pra atravessar o local, mas ninguém ligou. Alexandre foi o primeiro a me notar e até deu uma revirada de olhos, cutucou as outras meninas e logo eu parecia uma atração.

— Oi! Eu sou a Valen...– Uma garota começou a falar e foi interrompida por uma cotovelada.

— Você é um carrapato mesmo, né, Gustavo?! – Alexandre me provocou.

— Sim. – Sorri sarcasticamente. – Some da minha frente.

Ele bufou e puxou as outras duas garotas e se dispersaram entre as luzes da pista. Julia permaneceu quieta, sem me olhar, tomando sua bebida e de nariz empinado.

— Tá fazendo o que aqui? – Perguntei.

— O mesmo que você. – Respondeu friamente.

— Sério? Não sabia que você também vendia droga. – Ironizei. Ela cruzou os braços e ficou quieta. – Para com isso, vai.

— Isso o que?

— Para de ficar com raiva de mim.

— Você não tem o direito de me pedir isso. – Murmurou.

É, eu realmente não tenho.

— Eu sei. – Suspirei. – Mas não gosto disso.

— Eu também não gosto, mas é assim que a vida funciona, né? A escolha foi sua.

— Julia, eu não sabia mais o que fazer! Isso não é uma fantasia, é a vida real, porra, o que você esperava?

— Sinceramente? Não sei. – Se virou e, pela primeira vez aquela noite, me olhou nos olhos. – Sei que esperava tudo menos isso.

— Eu não queria te magoar.

— Mas magoou. Gustavo, você não teve a decência de falar comigo pessoalmente! Nem mesmo quis saber o que eu achava, só tomou uma decisão por nós dois!

— Eu não teria coragem de dizer nada daquilo olhando pra você! Me desculpa por isso, eu sei que vacilei, mas entende, não existe chance pra gente.

— É isso que você acha mesmo? Então por que durou tanto? Por que não me deu um pé na bunda antes?

— Não fala assim. Eu não queria que as coisas tivessem chegado a esse ponto. Sei que a gente deveria ter parado há muito tempo. Na verdade, não deveria nem ter começado.

— Uau. – Cerrou os lábios. – Então tudo não passou de um erro pra você?

— Não. – Fechei os olhos. – Não foi isso que eu quis dizer.

— Tá, Gustavo, já chega dessa conversa. Tudo bem, você não quer mais, vou aceitar e seguir a vida. Só não... – Suspirou. – Não precisa mais falar comigo, tá? Já foi o suficiente.

— Julia...

Ela não me esperou terminar, só deu as costas e saiu a procura de seus amigos. Parabéns, Gustavo, foi tentar melhorar a situação e só piorou.

Comecei a andar na direção de onde estava antes com o Junin, mas dei meia volta. Caralho, isso dói, né? É um sentimento tão estranho, uma agonia, não sei explicar. Corri de volta pra onde estávamos discutindo, olhei ao redor e acho que vi aquela camisa brega do Alexandre passando pela saída, então fui até lá depressa, a tempo de ver os quatro indo embora. Alcancei a Julia e segurei firme seu braço.

— Você entendeu tudo errado. – Falei.

— Qual parte? – Riu sarcasticamente. – A que você decidiu se livrar de mim, a que não vê motivos pra ficarmos juntos ou a que cometeu o erro de ficar comigo por quatro meses?!

— Todas! Nada disso é verdade.

— Solta o meu braço. – Resmungou e eu soltei.

— Eu não menti quando falei que queria ficar contigo aquele dia, na praia. Também não menti quando falei que amo você hoje. Mas tá foda, Julia. A gente não tem paz, e isso é cansativo!

— É... amiga... a gente te espera ali do outro lado da rua, tá? – A namorada do Thiago falou, depois saiu com os outros.

— Odeio ouvir seu pai dizer que eu te coloco em perigo. Sabe o que odeio mais ainda? Saber que isso é verdade. Não quero nem pensar em algo acontecendo contigo por minha causa, a culpa me mataria. Sei que não sou bom pra você, sei que não posso suprir as expectativas...

— Você é ótimo pra mim! – Me interrompeu.

— Não sou, Julia. – Neguei com a cabeça. – Eu sou ruim. Não tenho problemas em admitir, e tudo bem se outras pessoas concordam. Só não quero te afetar com isso.

— Gustavo, para de dizer essas coisas! Você tem os seus erros, diz umas coisas sem noção e faz merda. Isso não te torna uma pessoa ruim, porque todo mundo comete erros. O pouquinho que tu me mostrou do seu coração foi o suficiente pra conhecer o seu lado bom. Foi por esse lado que eu me apaixonei.

Porra.

— É, mas eu não sou assim. Você me mudou. – Abrandei o tom de voz. – Caralho, você me mudou tanto.

— Ninguém muda ninguém.

— Então por que eu não sou mais a mesma pessoa?

— Porque você não quer. – Deu de ombros. – Você mudou a si mesmo. Talvez eu tenha dado um empurrãozinho.

— Bom, obrigada pelo empurrão, mas como faço pra trazer aquele cara de volta? Era mais fácil lidar com essas coisas no modo escroto. – Ela deu um sorriso fraco e olhou pra baixo.

— É, isso aí é contigo.

Coloquei as mãos nos bolsos, sem saber o que dizer. Procurei desesperadamente por palavras na minha cabeça, qualquer uma que não fosse uma despedida.

— E agora? – Perguntou.

— Bom, depois da briga eu normalmente te levo pra cama, mas hoje não vai ser possível, desculpe. – Brinquei (mas nem tanto).

Ela deu aquela risada linda, depois puxou meu tronco, me apertando num abraço. Meu coração faltava bater fora do peito, na moral.

— Não faz isso em público, vou perder minha postura. – Murmurei no seu ouvido.

— Você não tem postura comigo, Gustavo. – Bufei.

— Abusada pra carai.

Após curtos segundos, ela partiu o abraço e senti falta do calor do seu corpo.

— Até qualquer dia então... – Disse, depois se virou e foi de encontro aos seus amigos, que nos encaravam com atenção.

— Até. – Sussurrei.


e agora entramos na minha fase favorita da história hihihi 😝😝😝

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