Gustavo narrando
O almoço foi, no mínimo, estranho. Quase todo mundo comeu calado e as poucas tentativas de conversa eram bizarras. O único diálogo mais ou menos saudável era minha avó e a mãe da Júlia conversando sobre o purê de batata (que, ironicamente, tava muito bom). A parte boa é que não tinha um clima pesado, nenhuma alfinetada, zero discussões. Parece até uma realidade alternativa.
Eu tava tentando evitar pensar na conversa que tive com o Marcelo. Foi muito repentina pra mim, ainda não tinha conseguido absorver. Só tentei focar na sobremesa posta a mesa. Adoro pudim.
— Vou embora amanhã cedo. – Vovó falou.
— Mas já? – Thiago reclamou.
— Sim, ué. Só vim passar o carnaval com vocês, apesar de ninguém ter vindo aqui me ver.
— Vó, não deu tempo. – Murmurei, encolhendo os ombros.
— Tempo pra piranha você tem, né, mas pra sua avó não. – Bufou.
— Eu não podia vir te ver de madrugada. – Ironizei.
— Gustavo! – Alexa repreendeu.
— De qualquer forma, tô feliz e orgulhosa de vocês. Me deram exatamente o que eu queria. – Sorriu. – Paz. Somos uma família! Precisamos de união, e sem união, não somos nada.
— Espero que dure. – Meu pai disse, soltando um suspiro.
— Vai durar! – Ela respondeu. – Já tá tudo resolvido. Agora quero saber é quando vocês vão lá pra Angra de novo.
Dei um sorriso ao pensar em férias, aquela praia linda, ficar perto da minha avó... pensei no ano novo lá, algumas coisas passaram pela minha cabeça. Lembrei de estar no quarto com a Júlia, ela toda preocupada comigo, depois ir embora com um aperto no coração, sem saber o que tava sentindo, então entrar no carro com o meu pai, todo desconfiado da gente, e finalmente perceber naquele momento que eu tava apaixonado e não conseguia mais evitar.
Me permiti finalmente olhar pra ela, disfarçadamente. Júlia estava na outra ponta da mesa, dando um sorriso tímido pro meu pai, que contava alguma história a qual eu não me dei o trabalho de saber. Desviei a atenção pro seu vestido azul bebê, na altura das coxas, deixando os ombros de fora. Sei que tem um nome pra esse tipo de roupa mas não consigo lembrar, não importa também, qualquer trapo ficaria lindo nela. O rosto estava do mesmo jeito que eu me lembro, bochechas vermelhas, olhos brilhantes, boca gostosa pra um caralho...
Ela virou o rosto pra mim e desviei o olhar rápido, tentando disfarçar, sentindo um pouco de vergonha por ter sido flagrado. Fingi prestar atenção na conversa da Alexa com a mãe da Júlia, e assim continuei, sem ousar encarar ela de novo.
Todo mundo foi embora, mas decidi ficar com a minha avó. Ela iria embora no dia seguinte e eu iria morrer de saudade, então queria aproveitar o tempo que tinha. A gente assistiu vários filmes, comi em um dia o que não como em uma semana, casa de vó, né?! Dormi no mesmo quarto que ficava quando era criança, aprontava e precisava me esconder dos meus pais. Lá sempre tem roupa minha, escova de dente, toalha, tudo, então não precisei me preocupar com nada disso.
Ao deitar na cama, comecei a repassar um milhão de coisas na cabeça, a pior escolha que eu poderia fazer. Não consegui dormir. Rolei de um lado pro outro, contei carneirinho, mas nada serviu. Peguei o celular debaixo do travesseiro e já se passava das 3h. Sem conseguir resistir, abri o whatsapp e rolei até a conversa da Júlia.

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Marginal
Fiksi Remaja[+16] Julia nasceu em berço de ouro. Literalmente. Filha de um cardiologista e uma nutricionista, nunca precisou chorar por não ter algo. Seu pai, ao contrário, passou anos lutando para ter a fortuna que conseguiu construir. Marcelo nasceu na favela...