Trinta e cinco

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Gustavo narrando

Quando cheguei no Rio a primeira coisa que fiz foi tomar um banho gelado, a segunda foi cair na cama. Dormi até o cu fazer bico, comi uma quentinha e me joguei no sofá desanimado. Família toda curtindo, meu pai mandou eu me afastar dos corre e tô aqui, mofando. Meu celular apitou, mensagem da Jéssica, e eu não tava afim de ter que aturar ela naquele momento.

Jéssica | 17:44
Precisamos conversar.

Eu | 17:45
Pode ser outra hora?

Jéssica | 17:45
Não, não pode.
Me disseram que você já voltou, tô indo na sua casa agora.

Eu | 17:46
Então tá, né

Não sei o que aquela doida queria, mas, na moral, quem contou que eu voltei? Bando de fofoqueiro.

Em pouco tempo ouvi a campainha tocar e levantei pra atender, ela entrou sem dizer uma palavra sequer. Aí tem.

— O que foi? – Perguntei.

— Eu quero terminar.

Me engasguei com a saliva, em choque.

— O quê?! – Perguntei estático.

— É isso mesmo que você ouviu. Agora fica calado, porque eu tenho muita coisa a dizer e não quero perder a coragem. – Cruzou os braços e eu levantei as sobrancelhas, surpreso. – Resolvi refletir sobre o nosso relacionamento. Ou meu relacionamento, né. Eu sustentei nós dois até não poder mais, cansei de carregar isso nas costas sendo que você não colabora. Eu tentei inúmeras vezes te ajudar, fiz o impossível pra compreender suas atitudes, mas você simplesmente não tava afim. E o pior de tudo, você não queria nem mesmo estar comigo. Gustavo, eu te amava, mas até isso você conseguiu destruir. Você conseguiu me fazer perder todo aquele sentimento, como a gente começou a namorar, pra começo de conversa?! Você me usou da pior forma possível, mas eu não te odeio por isso. Não sinto uma gota sequer de mágoa. Apenas consigo sentir pena pelo tempo que desperdicei, sendo que tem gente por aí dando tudo por mim.

— Eu não posso te obrigar a ficar comigo. Fiz merda pra caralho contigo e me desculpa, mas eu quero que você seja feliz. Eu só não acho que "nós dois" seja uma boa combinação.

— Eu não consigo mais levar isso pra frente, tá me desgastando. Eu sei que errei em insistir, mas você tinha que ter uma responsabilidade afetiva comigo, o mínimo que poderia fazer é ser sincero. Cansei de ser a maior corna do Rio de Janeiro porque o babaca do meu namorado não consegue terminar comigo.

— Você não é a maior corna do Rio de Janeiro. – Revirei os olhos.

— Gustavo, pelo amor de Deus, você me traiu até com as minhas amigas. – Rosnou irritada e eu arregalei os olhos. – Sem contar naquela sua prima, uma cínica. Você olha pra ela se um jeito que... – Suspirou. – Tu só queria uma chance com ela, não queria?

— Ah, calma aí, né, Jéssica...

Calma aí?! Ela é a que mais me irrita! Ela é rica, patricinha, uma bonequinha do caralho. Esse tipo de garota não fica com bandido favelado, Gustavo. Eu sei que você deve ter tentado várias vezes, e tomou um fora em todas elas, não foi?

— Foi. – Falei, quase engasgando com a mentira.

— Bem feito. – Cruzou os braços.

— Eu fodi com tudo, mas...

— Eu não quero ouvir mais uma palavra da sua boca. Já falei o que precisava. Vive sua vida longe de mim!

Após isso, ela saiu pisando duro e bateu a porta da frente. Parabéns, Gustavo. Você é o maior otário, e acabou de ter isso jogado na sua cara. Agora o pai dela tem motivo pra invadir o morro todo dia se quiser. Mas isso não é o mais importante, você conseguiu estragar tudo com uma pessoa que faria de tudo pra te ver feliz.

Não faço questão dela. De ter ela comigo. Mas aquele sentimento, aquele amor por mim que fazia a Jéssica passar meses comigo era importante, e eu me senti culpado. Meus sentimentos não mudaram, ainda não queria ficar com ela, mas, finalmente, senti culpa por quase tudo que eu fiz.

Só sentei de novo no sofá e esperei, pensando. Qual seria a chance da Jéssica não começar uma rivalidade entre o meu pai e o dela? Depois de um tempo, peguei minha moto e fui pra casa do Túlio. Como sempre, abri o portão e entrei, porque sou de casa né. Surpreendentemente, fui obrigado a ver ele e o chaveirinho da Julia se beijando no sofá.

— Ah, pelo amor de Deus, vão pro quarto. – Falei ao entrar, os dois pularam de susto e eu dei risada.

— Se fuder, poderia avisar que tava vindo. – Tulio revirou os olhos.

— Não tive tempo, preciso contar uma coisa importante. – Me joguei no sofá entre os dois e recebi um olhar feio do Alexandre.

— Sério, Gustavo, agora?! – Tulio me olhou indignado.

— Sim, porra, agora. – Bufei. – A Jéssica terminou comigo.

— Sorte a dela. – Alexandre murmurou e eu me segurei pra não encher ele de soco.

— Carai, irmão, e aí?

— E aí que meu pai vai ficar muito puto se o Gusmão começar a invadir aqui, não sei como as coisas vão ser, mas ele já tá bolado comigo porque eu dei mole e os verme tão atrás de mim.

— Por isso que você voltou rápido?

— É, né.

— Eu não acho que a Jéssica vai colocar o pai dela contra você. – Aquele moleque começou a se intrometer. – Se você parar pra prestar atenção, vai perceber que ela é uma pessoa boa. Ela só quer ser feliz, não vai ficar se preocupando em destruir sua vida, você já é fodido o suficiente.

— Precisa falar assim não, eu também sou uma pessoa com sentimentos. – Coloquei a mão no peito, fingindo tristeza.

— Eu concordo com o Alê, mas depois de tudo que você fez, ela tem todos os motivos do mundo pra te odiar.

— Pelo jeito que ela falou, acho que não quer nem saber de mim mais. Tomara que deixe isso pra lá. Eu já tenho problema o suficiente.

— Curtiu passar as férias com um problema?  – Tulio debochou e dei risada.

— Foi... legal.

— Tem coisa aí. Abre o bico.

— Depois, não confio nele. – Apontei pro Alexandre, que me olhou indignado.

— Minha boca é um cofre.

— Já até sei quem tem a senha.

Não ia arriscar falar nada do que tô sentindo na frente daquele garoto nem fodendo. O Túlio iria saber, mas depois.


feliz dia dos namorados pra vcs 😝

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